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Capturar e enterrar gás carbônico entra no radar do setor sucroenergético

Tecnologia permite a negativação de emissões e valoriza os créditos de descarbonização

Capturar e enterrar gás carbônico entra no radar do setor sucroenergético

Desponta no setor sucroenergético uma tecnologia, ou conjunto de tecnologias, que reforçará o poder de descarbonização do etanol, seja ele feito de cana-de-açúcar ou de milho.

Aliás, se o setor já venceu a gasolina em termos de redução de carbono (CO2) emitido, com médios 70% a favor do biocombustível, agora ele tem chances de simplesmente negativar o carbono gerado.

Essa tecnologia atende pelo nome de BECCS, sigla para Biomass Energy with Carbon Capture and Storage, traduzido para o português como Sistemas de Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono.

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De que se trata?

Em resumo, trata-se de um sistema que associa empregos da energia de biomassa à captura e armazenamento de carbono, processo realizado sempre em grande escala.

Com isso, é possível sequestrar o carbono presente na atmosfera.

Vale destacar que o CCUS (do inglês Carbon Capture, Utilization and Storage), ‘parente’ do BECCS para remover CO2 da atmosfera em outros setores industriais, há anos foi implantado.

A Petrobras, por exemplo, realiza a prática de captura de carbono há mais de 10 anos. Em 2022, reinjetou 10 milhões de toneladas de CO2 em seus campos, o que, conforme a empresa, representa 25% de todo o volume de captura de carbono do mundo.

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Agora a Petrobras começa a olhar essa captura como negócio, já que conhece particularidades da operação, como a interação do gás com os dutos em termos de corrosividade.

Em recente evento, representantes da empresa lembraram que o custo dessa tecnologia ainda é caro, mas que tecnologias como a eólica e a solar precisaram de incentivos para começar a ser utilizadas.

E nas sucroenergéticas?

Já o setor sucroenergético no Brasil deve estrear na tecnologia a partir da FS (do inglês Fueling Sustainability), controlada pela Summit Brazil Renewables I, LLC.

Produtora de etanol de milho com duas unidades em produção e uma terceira em fase final de implantação, todas no Mato Grosso, a FS empreende projeto BEECS na planta de Lucas do Rio Verde.

Para tanto, a empresa investe perto de R$ 300 milhões para que, em horizonte de 2030, chegue a ter pegada negativa via BECCS e armazene negativos 13 gramas de CO2 para cada mega Joule de energia gerado na queima (contra atuais 17 gramas).

O projeto pioneiro da FS está na fase de levantamentos geológicos na região de Lucas do Rio Verde e, conforme apurado pelo JornalCana, envolverá a escavação de poços de estudo nesta região do Mato Grosso.

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Mais sobre a tecnologia

O futuro (rápido) da captura e armazenamento de CO2 é promissor.

Para se ter ideia, em 2021 o instituto científico Global CCS estimava em 27 as plantas de CCUS operacionais no mundo, a maioria em países desenvolvidos, em especial nos EUA.

A saber: o CO2 gerado por essas plantas é capturado e injetado em formações geológicas profundas, onde fica permanentemente armazenado.

Mas, calma lá: não é tão simples como pode parecer.

No Brasil, o BECCS é tema recorrente de eventos científicos. Em 2019, por exemplo, foi tema de workshop organizado pelo Fapesp Shell Research for Gas Innovation (RCGI), IEE/USP e pelo Consulado Geral dos Países Baixos, com patrocínio da FAPESP.

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A razão principal do workshop foi analisar a necessidade de tais tecnologias para reduzir as emissões de carbono e os desafios existentes para sua implementação, explicaram os organizadores do evento realizado há quatro anos.

O público-alvo do evento foram professores, pesquisadores e integrantes dos times de P&D de empresas como Shell, Petrobras e Comgás, além do setor sucroenergético.

Aliás, setores como os de petróleo e gás brasileiros são focos de projeto do RCGI. Implantado em 2021, ele tem por objetivo identificar, caracterizar e modelar as principais unidades geológicas da bacia sedimentar terrestre do Paraná com potencial para armazenar CO2 com segurança.

Os resultados desse projeto, conforme os organizadores, devem contribuir para o alcance das emissões negativas de CO2 pelas usinas de etanol do Estado de São Paulo.

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No caso, são avaliados potenciais reservatórios geológicos passíveis de adsorver (adesão de moléculas de um fluido a uma superfície sólida) quantidades significativas de CO2 compatíveis com a quantidade liberada nas atividades de produção de etanol.

Como se vê, o tema BECCS avança em termos científicos.

Mas também avança – a seu ritmo – em termos de regulação.

Como está a regulação no país

A regulação da captura e armazenamento de carbono no Brasil, que contempla o sistema BECCS, integra, por exemplo, projeto de lei em tramitação no Congresso.

Trata-se do Projeto de Lei 1425, de 2022, de autoria do senador licenciado (hoje presidente da Petrobrás), Jean Paul Prates, que “disciplina a exploração da atividade de armazenamento permanente de dióxido de carbono de interesse público, em reservatórios geológicos ou temporários, e seu posterior reaproveitamento.”

Esse PL obteve, em 06 de junho último, aprovação da Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado.

No parecer, a Comissão relata que “o setor de biocombustíveis é agente importante nesse processo, pois, a partir da implementação do CCS nas plantas de etanol, é possível se produzir combustível que reduz emissões de dióxido de carbono”.

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Esse efeito é potencializado caso se aplique também a usinas termelétricas à biomassa ou à biocombustível, emenda.

“O processo em questão é denominado Bioenergia com CCS (ou BECCS) e possui importante papel na retirada de dióxido de carbono da atmosfera, especialmente após 2050, segundo os cenários da Agência Internacional de Energia (AIE)”, conclui o texto do parecer.

Presente à reunião da Comissão, o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Guilherme Nolasco, apontou que o setor de biocombustíveis a partir do milho seria capaz de capturar até 320 kg de CO2 para cada tonelada de milho processada.

Ele ressaltou, ainda, que a garantia de liberdade para desenvolver e monetizar os projetos se mostra como aspecto importante para a maturidade da atividade de CCS.

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Próximos passos

Após a aprovação pela Comissão de Infraestrutura, o texto está agora com a Comissão de Meio Ambiente do Senado.

Em que pese o ritmo da tramitação, existe uma torcida pela entrada em prática da regulamentação, até porque, conforme projeções, a atividade pode render até US$ 20 bilhões às empresas brasileiras, entre elas produtores de etanol.

É certo que, mesmo com a regulamentação, há a questão dos altos custos para capturar, transportar e armazenar o CO2.

Em tempo: o Brasil possui regiões que podem ter os chamados hubs de injeção de gás.

Uma delas é a região da Bacia do Paraná, que possui 1,3 milhão de quilômetros quadrados e se estende por Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Do lado brasileiro, a bacia contempla, conforme especialistas, a maior parte da produção de etanol de cana.

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Com baixo custo, setor tem oportunidade de negativar as emissões

Para saber mais a respeito do sistema BECCs, JornalCana entrevista o engenheiro químico Jaime Finguerut.

Diretor e membro do conselho do Instituto de Tecnologia Canavieira (ITC), ele tem pós-graduação em Engenharia Bioquímica e especializou-se em temas do setor com ênfase em bioprocessos, atuando principalmente em etanol celulósico, leveduras, biocombustíveis e em fermentação alcóolica.

JornalCana: Qual é a importância do sistema BECCs para o setor sucroenergético?

Jaime Finguerut – Acrônimo que em inglês significa Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono (CO2), o sistema BECCS é uma parte importante das estratégias mundiais para Descarbonização.

No entanto, como é uma solução de engenharia, ela gera potencialmente menos impactos positivos do que outras práticas baseadas na natureza como plantação ou conservação de florestas.

Como no processamento de cana ou de milho geramos enormes quantidades de CO2, 100% provenientes da biomassa e mais ainda, temos o CO2 da fermentação alcóolica (1:1 em peso com o etanol) quase puro (> 97% de pureza), temos uma enorme oportunidade de “capturá-lo” e “enterrá-lo” com baixos custos, reduzindo significativamente as emissões, até torná-las negativas.

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JornalCana: Em linhas gerais, como funciona esse sistema?

Jaime Finguerut – Trata-se de “capturar” o CO2 gerado na conversão da biomassa (cana, milho, bagaço, palha, etc.) em bioenergia (produção de etanol, bioeletricidade, outros biocombustíveis), da forma mais pura possível, pressuriza-lo, colocá-lo em tubulações para levá-lo até um poço profundo (com mais ou menos 2 quilômetros de profundidade) onde este CO2 será mantido em reservatório geológicos seguros por centenas ou milhares de anos.

JornalCana: Em que setores industriais ele já é globalmente aplicado?

Jaime Finguerut – Há mapeadas cerca de 47 instalações em funcionamento no mundo, armazenando cerca de 70 milhões de toneladas de CO2 por ano, sendo digno de nota o sistema de Captura e Armazenamento de Carbono (CCS) de uma biorrefinaria de milho nos EUA, na região de produção de etanol, da empresa ADM em Decatur, estado de Illinois, que opera desde 2011.

Há centenas de projetos de Captura e Armazenamento pelo mundo, mas sua viabilidade depende das políticas de promoção da Descarbonização (Mercado de Carbono).

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JornalCana: Temos tecnologia nacional para empreender um sistema BECCs no setor?

Jaime Finguerut – No que se refere à tecnologia, embora não exista ainda a primeira instalação no país, podemos dizer que sim, temos conhecimento de engenharia no Brasil nesta área tendo em vista o desenvolvimento nacional do Pré-Sal e o fato da Petrobras já reinjetar gás natural (e CO2) nos poços profundos para aumentar a recuperação de óleo.

Os fornecedores de soluções de engenharia da Petrobras poderão trabalhar no setor de produção de etanol e prover soluções de forma rápida.

JornalCana: Fora os ganhos ambientais que o BECCS gera à empresa investidora, tem a monetização. Como comercializar esse carbono negativo?

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Jaime Finguerut – O RenovaBio já prevê um bônus adicional aos créditos de descarbonização (CBIOs) no caso do produtor comprovar as suas emissões negativas, que seriam conseguidas com o BECCS.

No entanto, o escalonamento desta prática dependerá de outros mecanismos adicionais de valorização do Carbono não emitido, como a venda de Créditos de Carbono no mercado voluntário, que hoje valem em torno de U$ 10 a tonelada.

É muito menos do que os CBIOs, ou muito mais (U$ 100 – 200 / tonelada) nos mercados regulados, que ainda não existem no Brasil e demorarão muitos anos para chegarem ao setor sucroenergético, até uma completa regulação governamental desta prática.

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JornalCana: É a regulamentação do mercado que irá definir os rumos do BECCS?

Jaime Finguerut – A total clareza da venda do carbono nestes novos mercados é o que definirá se iremos ou não escalonar esta tecnologia nos próximos anos.

É algo factível e o setor precisa ser ágil em conseguir a regulação e valorizar este produto, como o fez no passado com a bioeletricidade (uso do bagaço e da palha).

Delcy Mac Cruz

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