Mercado

Dois anos decisivos para o setor sucroalcooleiro

Com suas caldeiras recentemente acesas para a safra 2009 no Centro-Sul, o setor sucroalcooleiro recebeu no início de março a notícia de que o governo decidiu destinar R$ 2,5 bilhões para bancar a estocagem estratégica da produção nacional de etanol.

Se chegarem às mãos dos produtores, esses recursos, que representam cerca de 20% do valor da produção da última safra, deverão ajudar a restaurar a liquidez da agroindústria canavieira, abalada pela crise financeira mundial.

É grande, porém, o risco de que não alcancem seu destino. Mesmo sabendo que toda operação de warrantagem tem o próprio produto como garantia e que os fundamentos do setor sucroalcooleiro permanecem positivos em plena crise global, nosso sistema financeiro tende a tratar até repasses extraordinários do Tesouro como se fos! sem recursos próprios. Até agora, início de maio, nenhum recurso de warrantagem entrou no caixa das usinas.

Os analistas que operam nesse meio deviam fazer uma leitura mais inteligente da conjuntura. É verdade que o mercado de etanol teve nos últimos meses um comportamento anormal, marcado por agroindústrias que venderam estoques a qualquer preço para honrar compromissos. Além disso, cerca de 30 usinas atravessaram o final do ano operando, sem fazer a tradicional parada de manutenção nos quatro meses do verão.

Mais: contrariando a tendência de valorização dos produtos agrícolas em final da entressafra, o etanol entrou em março com o preço em queda – sem motivo aparente para isso. Pelo contrário, o consumo segue crescendo, já passando dos 2 bilhões de litros por mês, e os estoques estão ajustados ao ritmo da demanda interna.

Com todas essas distorções, teremos em 2009 um novo recorde de produção de cana, açúcar e álcool. Mas em 2010, como reflexo da crise glo! bal, a produção será menor, interrompendo quase uma década de crescimento. As próximas duas safras, que coincidirão com o final do mandato do presidente Lula, serão decisivas para a modernização comercial do setor. A organização da oferta é fundamental para que a agroindústria canavieira supere as oscilações de mercado sem perder a capacidade competitiva.

Embora lidere a produção mundial, a agroindústria canavieira do Brasil não alcançou escala para transformar o etanol numa commodity energética, tal como aconteceu com o nosso açúcar, que desfruta de momento excepcional no mercado internacional.

Atendendo à Organização Mundial de Comércio (OMC), que a condenou por subsidiar seus agricultores, conforme queixa formulada pelo Brasil há dez anos, a União Europeia (UE) anunciou a redução na produção de açúcar de 20 milhões para 14 milhões de toneladas anuais.

Essa medida extraordinária abre para o Brasil a possibilidade de disputar a venda de 6 milhões de toneladas ! de açúcar, cifra que corresponde ao déficit mundial entre a produção e o consumo dessa commodity.

Mesmo penalizados, os produtores europeus continuam sendo altamente favorecidos: o preço mínimo garantido para a tonelada de açúcar na Europa é de cerca de US$ 600, enquanto a cotação internacional do produto está pouco acima de US$ 300. Outro dado animador é a notícia de que a Índia passa de exportadora a importadora de açúcar. Com tudo isso, e contando com o câmbio favorável, o setor sucroalcooleiro contribuirá este ano com perto de US$ 10 bilhões para a balança comercial brasileira. Sem falar que o consumo interno de álcool equivale a 400 mil barris equivalentes de petróleo.

Se souber organizar eficientemente a comercialização, a logística do abastecimento doméstico e o esforço exportador, dispensando o amadorismo e a improvisação, o setor vai superar suas dificuldades e dar os passos que faltam para tirar vantag! em do novo status do etanol no mercado mundial de combustíveis renováveis.

Diante do que vem acontecendo e do que está por vir, é fundamental que ao final desse período crítico o setor sucroalcooleiro alcance a maturidade empresarial, o que significa perseguir menos os recordes de produção e dar ênfase à melhora dos índices de rentabilidade.

A anunciada entrada da Petrobras no setor, como sócia minoritária de usinas e destilarias, pode representar um marco na história da agroindústria mais antiga da economia brasileira.

Já começam a frutificar os encontros do presidente Lula com os presidentes americanos (Bush e Obama). A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês) acaba de aprovar uma resolução que barra a expansão do etanol de milho, pois, ao substituir a gasolina, permite uma redução de só 16% nas emissões de gases de efeito estufa, ante os 44% do etanol de cana, que deve substituí-lo na expansão do consumo interno nos EUA.

kicker: Não se trata de perseguir recordes de produção, mas de melhorar a rentabilidade

(Gazeta Mercantil/Caderno A – Pág. 3) MAURILIO BIAGI FILHO* – Empresário e conselheiro da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq))

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