Mercado

Usinas mineiras no pacto nacional

Cerca de 95% das 41 empresas mineiras produtoras de álcool e açúcar vão aderir ao pacto nacional da cana, que prevê o fim das condições degradantes de trabalho nas lavouras – passo indispensável para que o biocombustível brasileiro vença restrições trabalhistas impostas por mercados importantes, como o europeu e o japonês. O acordo, negociado há mais de um ano, será assinado quinta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, junto a usineiros e empregados do setor sucroalcooleiro. Entre os destaques do pacto, está o fim da terceirização no canavial. Os chamados “gatos” deixam de ser encarregados pela contratação da mão de obra, que agora passa a ser de responsabilidade das indústrias.

A adesão ao acordo não é obrigatória, mas as empresas que assinarem o compromisso serão fiscalizadas e vão receber um selo de qualidade. A certificação poderá ser usada inclusive como uma credencial em eventuais exportações do etanol. O pacto estabelece que o contrato de mão de obra para o corte da cana seja firmado na cidade de origem do trabalhador, em uma parceria com os Sines (Sistema Nacional de Emprego) locais, exatamente para garantir que, ao chegar no campo, as regras combinadas serão cumpridas. O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), também ex-cortador de cana, Wilson Luiz da Silva, critica a atual fiscalização do setor. “Esperamos que, com esse ajustamento de conduta, o governo se torne mais ágil na fiscalização e apuração de denúncias.” Segundo ele, a extensão da carga horária, transporte e alimentação precária ainda persistem nos canavais.

FISCALIZAÇÃO INTENSIVA “Neste momento, estamos verificando uma denúncia de que 52 trabalhadores da Paraíba e do Ceará estariam sujeitos a traba lho escravo na região de Monte Santo (Sul de Minas)”, diz Silva. Para ele, sair da cidade de origem com a carteira assinada é uma garantia para o trabalhador – no entanto, ele reforça que é preciso haver fiscalização intensiva. O presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Minas Gerais (Siamig), Luiz Custódio Martins, diz que muitos dos compromissos que serão firmados nesta quinta-feira já são cumpridos pela maioria das indústrias. “Como as usinas terão uma certificação, vai haver uma separação entre o joio do trigo”, defende. As novas exigências incluem o cumprimento de pisos salariais e equipamentos de proteção, além de alimentação adequada.

A mudança na remuneração é outro ponto importante do acordo. Apesar de o salário permanecer atrelado à produtividade, agora o cortador de cana saberá exatamente quantas toneladas seu trabalho rendeu. “Depois que criaram prêmios na lavoura, trabalhadores chegam a cortar diariamente acima de 15 toneladas de cana, colo cando em risco a vida. Além disso, nem sempre eles tomam conhecimento de sua produção, controlada pelas empresas”, crítica Silva.

Tendência é a mecanização

O acordo nacional entre o governo federal, usineiros e trabalhadores chega junto com a tendência de substituição da mão de obra humana pela mecanização da lavoura. Entidades que representam os trabalhadores rurais se preocupam não só com a garantia de condições dignas de trabalho, mas também com o desemprego no campo. Por isso, defendem o compromisso com a qualificação dos empregados que estão na lavoura e com aqueles que perderam seus empregos devido à mecanização da colheita.

A chegada de grandes máquinas nos canaviais tem avançado principalmente em regiões como o cerrado mineiro, onde a topografia permite até 100% de substituição da mão de obra. O setor é responsável por meio milhão de postos de trabalho, e cada máquina substitui aproximadamente 250 trabalhadores. Com o chamado pacto da cana, o governo va i assumir o compromisso de ampliar o Sistema Nacional de Emprego (Sine), fortalecendo também serviços sociais em regiões de emigração de trabalhadores para atividades sazonais. “O social é mais um ingrediente que vai se juntar à competitividade econômica inquestionável do combustível”, defende Márcio Gotlib, presidente da Bioenergética Vale do Paracatu.

Segundo informações do governo federal, a nova norma estabelece um piso salarial acima do mínimo. De acordo com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Minas Gerais (Fetaemg), hoje o rendimento de um trabalhador varia entre R$ 470 e R$ 500 – e os avanços salariais têm sido tímidos, já que a mecanização da lavoura tem sido usada como inibidor nas negociações.

O acordo foi sugerido a cerca de 400 indústrias do setor, sendo cerca de 250 unidades mistas (fabricantes de açúcar e etanol), e aproximadamente 150 que produzem somente etanol. A intenção é também convencer a União Europeia sobre a não existência de tr abalho escravo nas lavouras.

Outros pontos do acordo eliminam a vinculação da remuneração do trabalhador aos serviços de transporte, administração e fiscalização da empresa, asseguram alojamento de acordo com as normas para os cortadores migrantes, que saem de diversos pontos do país para trabalhar em canaviais. A partir de agora o governo deve fiscalizar também o uso de equipamentos de proteção individual (EPI), que devem ser oferecidos gratuitamente. Como o corte da cana-de-açúcar é um trabalho extenuante, o trabalhador deverá ter duas pausas por dia. Além disso, o transporte deve ser gratuito, eliminando os caminhões descobertos e sem segurança que, no país, já caracterizaram o transporte dos chamados boias-frias. A alimentação também deve ser conservada em recipientes térmicos que garantem a temperatura e a higiene. (MC)

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