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Série traz relato do convívio entre sindicatos e o setor

O Jornal do Commércio publicou uma série de reportagem sobre os antecedentes do golpe de 64. Com o auxílio de farta documentação histórica, o JC mostra o impacto, no plano econômico, do avanço dos trabalhadores, que ganhavam força com a sindicalização das ligas camponesas. O material especial também ajudar a clarear a importância da revolução cubana, realizada no final de 1959. Está sendo repassada a limpo ainda, antes disso, a importância que o governo de JK acabou tendo sobre o Nordeste açucareiro. Leia abaixo mais um texto da série.

NA TRILHA DO GOLPE

Guerra no campo opõe usinas e sindicatos

Os usineiros de Pernambuco, alinhados na UDN, partido conservador e de oposição ao governo João Goulart, conspiraram abertamente para a concretização do golpe de 64. Tanto motivos políticos como econômicos explicam a opção estratégica pelos quartéis. No plano político, os barões do açúcar buscavam recuperar o controle do Governo do Estado, perdido com a derrota do usineiro João Cleofas para o socialista Miguel Arraes, em 1962. Em 1963, secularmente acostumados e dependentes dos favores oficiais, mas agora sem aliados no plano nacional e estadual, os usineiros também perderam a Prefeitura do Recife, com a derrota do candidato Lael Sampaio, irmão do ex-governador Cid Sampaio, para Pelópidas Silveira.

Para completar o quadro delicado, no plano econômico os trabalhadores ganhavam força com a sindicalização das ligas camponesas, pressionando não apenas por mais salários, mas também pela realização da reforma agrária em suas terras. “Para a direita, era como se o mundo estivesse virando de pernas para o ar”, relata o historiador Manuel Correia de Andrade.

O Jornal do Commércio, em sua edição de 21 de agosto de 63, mostra um depoimento que resume o sentimento dos usineiros. “Criou-se o ódio, desapareceu a autoridade e o pior é que não temos para quem apelar. Resultam em vão todas as solicitações de providências aos poderes estaduais, que não só se omitem ao estimular a repetição de acontecimentos que apenas causam prejuízos de vulto à economia dos proprietários, do Estado e dos próprios camponeses, como produzem luto e dor para as famílias pernambucanas”, reclamava Décio Rangel Moreira Cavalcanti, proprietário do Engenho Bonfim, em Ipojuca.

O mundo dos usineiros começou a ruir em março de 1963, quando o Congresso Nacional aprovou o Estatuto da Terra, especificando os direitos e benefícios dos trabalhadores rurais e formalizava os direitos e responsabilidades dos sindicatos no campo. Dá-se então a corrida para a sindicalização. Os trabalhadores passam a organizar greves e a paralisar o campo. De 1960 a 1962, as ligas já estavam representadas em 13 dos 22 Estados brasileiros. Em Pernambuco, eram 10 mil associados.

Recém-empossado, Arraes assegurou a aplicação da lei, retirando o apoio policial que garantia impunidade aos latifundiários. A mobilização dos trabalhadores e a decisão de Arraes de aplicar a lei criaram a sensação generalizada de que mudanças de grande alcance estavam em curso em Pernambuco. “Criou-se, no meio rural, uma atmosfera de luta de classe. Os desassistidos do campo exigiam a parada do processo de expropriação e a recuperação de direitos históricos negados. Já os proprietários, também radicais e sem concordarem com a função social da propriedade, armaram-se contra os camponeses e contra o próprio governo”, diz Manuel Correia de Andrade.

Os usineiros e fornecedores de cana se mobilizaram contra os trabalhadores e exigiram repressão violenta. Os debates sobre reforma agrária e a exigência das ligas camponesas de que ela fosse feita “na lei ou na marra” radicalizaram o processo. “Arraes é ameaçado por ministro da Justiça, Abelardo Jurema, de que o clima de insegurança pode dar intervenção”, informa o JC, em sua edição de 21 de agosto de 63, noticiando denúncia dos produtores contra a guerra que eclodiu no campo após cinco meses da gestão Arraes.

VIOLÊNCIA NO CAMPO – Naquele ambiente de agitação, muitos tombaram, principalmente no lado mais fraco da corda. Um dos casos mais rumorosos envolveu o líder das ligas camponesas Paulo Roberto Pinto, mais conhecido como Jeremias. Ele foi morto em uma emboscada quando, ao lado de outros trabalhadores, foi receber o 13º salário atrasado, no engenho Oriente, em Itambé, na Mata Norte. “Um dia foram todos avisados de que, indo ao engenho, o 13º lhes seria pago, mas o que os esperava, no entanto, era uma emboscada dos proprietários José Borba e Pompeu Veloso Borba e seus cabras. Jeremias foi morto com um tiro no coração. Seu crânio foi, depois, esmigalhado a coronhadas de rifle”, conta o escritor Paulo Cavalcanti (1915-1995), no livro A Luta Clandestina, de 1985. Apurados os fatos por ordem do governador Miguel Arraes, os criminosos viram-se submetidos a processo, sendo denunciados pelo promotor público Murilo Barbosa da Silva. Com o advento do golpe, as testemunhas do processo desapareceram e o juiz foi levado, sem provas, a absolver os réus. Depois, o promotor respondeu ação penal por denunciação caluniosa. Ainda por cima foi destituído, como subversivo, do cargo por um dos atos institucionais do governo militar.

Outro que pagou um preço alto foi Gregório Bezerra, líder rural da região de Palmares, onde se encontrava a população mais pobre da área canavieira pernambucana. Ex-sargento do Exército e deputado federal constituinte em 1946, em 2 de abril de 64 foi amarrado seminu à traseira de um jipe e puxado pelos bairros populares do Recife. Depois, foi espancado por um oficial do Exército, com uma barra de ferro, em praça pública. Não por acaso a região emergiu como zona de influência do partido trabalhista, graças à competência do velho lutador.

Força de trabalho e curral de votos se confundiam naqueles tempos. “O ex-governador usineiro estava preocupado em destruir as raízes da infecção esquerdista que abalara suas bases eleitorais”, conta o economista Celso Furtado, no livro A Fantasia Desfeita, culpando diretamente o ex-governador Cid Sampaio por seu afastamento da Sudene. “Os grandes do açúcar me consideravam um intruso e aguardavam a primeira oportunidade para me excluir. Um membro do clã, Renato Ribeiro Coutinho, que dirigia a Federação das Indústrias de Pernambuco, dizia de público que era preciso tirar esse comunista da Sudene”, conta Celso Furtado, em seu livro de memórias.

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