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Se não há plano diretor, não há floresta de preservação permanente

Alguns tipos penais da Seção de Crimes contra a Flora, na Lei 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), que tutelam exclusivamente as florestas consideradas de preservação permanente, vêm sendo ilegalmente imputados à proprietários de áreas urbanas localizadas em municípios que não têm plano diretor. No entanto, tal prática integra o rol das ilegalidades, reiteradamente, praticadas pelo Poder Público, pois em cidades que não há plano diretor não há florestas de preservação permanente.

Estas autuações vêm sendo lavradas com fundamento no artigo 2­º do Código Florestal (Lei 4.771/65), que conceitua floresta de preservação permanente. Entretanto, este dispositivo legal somente se aplica à propriedade rural, já que em seu parágrafo único, prescreve que a propriedade urbana deverá atender ao disposto no plano diretor do município em que está localizada. Inclusive, neste sentido, vem a lição do professor Luiz Carlos da Silva de Moraes: “O artigo 2º descreve situações objetivas, determinando os critérios e graus de exigência para exploração da propriedade rural”.[1]

Aliás, o parágrafo único, em debate, encontra-se em consonância com os ditames constitucionais vigentes, entre eles, o artigo 182 da CF/88, que dispõe que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende as exigências fundamentais expressas no Plano Diretor, que é obrigatório para os municípios com mais de 20.000 habitantes.

Certos da diferença entre as propriedades, urbana e rural, principalmente no que concerne às suas funções sociais, os renomados constitucionalistas Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, em Comentários à Constituição, ensinam:

“…Vimos mais acima que o conteúdo da expressão função social não remanesce ao inteiro alvedrio do intérprete. O próprio Texto Constitucional, sobretudo no que diz respeito à propriedade agrária, é bastante rico ao fornecer os requisitos para que se tenha por implementada essa função. Assim, o artigo 186 define em quatro itens diferentes os pressupostos para a configuração da destinação social”.

E continuam, desta feita sobre a propriedade urbana, ensinando que não se pode exigir da propriedade urbana além do que disposto no plano diretor:

“No que diz respeito à propriedade urbana a Lei Maior não é tão rica. Diz tão-somente que ela há de atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. A primeira conseqüência que se extrai é que a propriedade urbana não está sujeita a uma modalidade qualquer de exigência feita em nome de uma teórica concepção do que seja função social do imóvel. Só são admitidas exigências que digam respeito à ordenação da cidade, e mais, é necessário ainda que se trate de exigência inserida no plano diretor. Conseqüentemente, há de manter estreita consonância com a natureza deste, que, como o próprio § 1º explicita, é um instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. Fica em conseqüência excluída qualquer possibilidade de estatuírem-se requisitos a serem cumpridos pelos proprietários urbanos sem que estejam satisfeitos os dois pressupostos fundamentais recém-expostos”.[2](gn)

Desta forma, a floresta de preservação permanente disposta no Código Florestal, se aplica somente à propriedade rural, enquanto na propriedade urbana só haverá floresta de preservação permanente, nas cidades que possuírem expressa disposição sobre o tema inserida no plano diretor.

Pois bem. Pelo princípio da Reserva Legal, inserto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Carta Magna, não há crime se não há lei anterior que o defina. Com isso, para que a conduta de um proprietário urbano seja considerada típica por algum dos artigos que tutelam a floresta de preservação permanente, na Lei dos Crimes Ambientais, é mister que para a tipicidade da conduta, antes exista definição legal acerca do tema, inserida no plano diretor em que a propriedade urbana está localizada.

Destarte, se não houver plano diretor no município em que uma propriedade urbana estiver localizada, definindo o que vem a ser floresta de preservação permanente, não haverá como se imputar qualquer dos delitos da Lei 9.605/98, que tutelam exclusivamente as florestas de preservação permanente, já que, como demonstrado, o conceito existente no Código Florestal só se aplica à propriedade rural.

Desta forma, nas cidades que não possuem plano diretor, antes de autuar o cidadão, o Poder Público deveria fazer sua parte, com a elaboração deste imprescindível instrumento legal. Sendo assim, nas cidades que ainda não o possuem, tal prática é de manifesta ilegalidade, devendo serem contestadas, com veemência, as autuações por delitos que protegem as florestas de preservação permanente.

* advogado atuante na área ambiental de Guimarães Advocacia em Ribeirão Preto , S.P.

[1] Moraes, Luiz Carlos da Silva de – Código Florestal Comentado: com as alterações da lei de crimes ambientais, Lei 9.605/98 – 2.ed – São Paulo : Atlas, 2000, pág. 28.

[2] Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988 / Celso Ribeiro Bastos, Ives Gandra Martins. – São Paulo: Saraiva, 1988-1989, pág. 216.

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