Mercado

Salvaguardas contra a China

O governo regulamentou, enfim, as salvaguardas especiais contra um conjunto de produtos chineses. Vários pedidos de aplicação desse mecanismo devem ser analisados nas próximas semanas. Sua aplicação exige a conciliação entre a proteção adequada à produção e emprego locais sem prejuízo da competitividade.

A defesa comercial tem jargão específico. É comum a confusão entre os vários instrumentos disponíveis. A salvaguarda difere de uma medida antidumping. Esta última é adotada quando um produto importado entra no país a um preço inferior àquele que poderia ser chamado de “valor normal”, medido, por exemplo, pelo seu preço no mercado de origem.

Também difere de um direito compensatório contra um subsídio concedido por um governo estrangeiro que faz com que o bem de seu país conquiste mercado artificialmente. Tal prática está comprovada, por exemplo, em relação aos subsídios da União Européia ao açúcar e dos EUA ao algodão.

No caso da salvaguarda, o problema reside na dificuldade estrutural de um segmento qualquer da economia de se adaptar à competição internacional. Seria necessário, portanto, uma proteção temporária para permitir um ajuste do setor nacional.

É fundamental que tal dispositivo seja de fato temporário. E mais, que haja clara sinalização desse fato. Caso contrário, não haverá incentivo para promover nenhum esforço de aumento de produtividade por parte do produtor doméstico. Transcorrido o período da salvaguarda, ocorrem novos pedidos de prorrogação tentando perpetuar a proteção.

Mas as salvaguardas contra a China são especiais. Estão previstas no Protocolo de Acessão da China à OMC (Organização Mundial do Comércio). Diferentemente das salvaguardas normais, no caso da China, não se exige o ajuste do setor doméstico, conforme se constata nos decretos 5.556 e 5.558, publicados nesta semana.

Isso deriva da lógica do protocolo de que a China ainda não constitui uma economia de mercado. Tratar-se-ia de uma economia em transição e, enquanto tal, sujeita a mais restrições pelos países-membros da OMC.

O fato de o Brasil ter declarado que reconhece a China como economia de mercado não tem efeito sobre a questão das salvaguardas especiais.

No entanto, para que um segmento se beneficie de salvaguardadas especiais contra a China, será necessário demonstrar, em primeiro lugar, que houve forte elevação das importações provenientes daquele país. Além disso, terá de ser mostrado que tais compras externas podem ameaçar e desorganizar o mercado, provocando elevados prejuízos.

Apesar de toda a fragilidade do Estado brasileiro, o setor público vem se equipando para a defesa comercial, a exemplo daquilo que tem ocorrido em outros países em desenvolvimento, como a Índia e a África do Sul. A Secex (Secretaria de Comércio Exterior) e o Decom (Departamento de Comércio), em particular, têm liderança e estão prontos para receber os vários pedidos de salvaguardas especiais.

Contudo ainda há um longo caminho a ser percorrido. A defesa comercial, como de resto várias outras áreas regulatórias, precisariam de mais recursos humanos e materiais para desenvolver seu trabalho. O Estado brasileiro está inchado em um sem-número de setores. Mas, apesar dos avanços, ainda está desfalcado em áreas importantes, como a defesa comercial, ou ainda a certificação, propriedade intelectual, defesa da concorrência, apenas para citar algumas delas.

Por fim, não adianta apenas ter uma boa defesa. É preciso ter ataque para vencer o jogo do comércio internacional. Isto é, é necessário manter elevadas taxas de inovação e produtividade. Do contrário, não será possível impedir a desorganização da produção doméstica, com ou sem salvaguardas.

Várias outras economias em desenvolvimento e desenvolvidas têm acusado elevadas taxas de aumento da produtividade relativamente ao Brasil. Naturalmente, a defesa comercial, por mais indispensável que seja, não pode mudar esse quadro. É urgente organizar o país para restabelecer melhores condições de produção e crescimento.

Gesner Oliveira, 49, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade.

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