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Ratan Tata, bilionário indiano, está de olho no Brasil

Durante sua primeira visita ao Brasil, em janeiro de 2004, o bilionário indiano Ratan Tata, dono do maior grupo privado da Índia, decidiu interromper sua agenda de compromissos para passear, incógnito, pelas ruas do Rio de Janeiro. A decisão estarreceu a delegação que o acompanhava.

Sozinho, sem nenhum assédio, ele percorreu os bairros de Copacabana e Ipanema e visitou alguns pontos históricos da cidade. “Quero aproveitar o anonimato para caminhar tranqüilamente”, disse, na ocasião, a um dos executivos de sua comitiva. “Pode ser que essa situação não se repita”.

Foram palavras proféticas. Desde então, Tata protagonizou uma série de aquisições espetaculares, como a das míticas marcas de automóveis Jaguar e Land Rover, concluídas recentemente, e reforçou a imagem de ícone do capitalismo mundial.

No Brasil, para onde voltou em 2007, seu rosto de feições fortes e sobrancelhas fartas passou a ser notado com mais freqüência – e, daqui por diante, tem tudo para nunca mais ser esquecido.

Dono de um colosso industrial formado por quase 100 empresas e com faturamento anual de 50 bilhões de dólares, Tata tem planos de colocar 15 bilhões de dólares no Brasil, uma soma maior que os investimentos reunidos de empresas do porte de Camargo Corrêa e Odebrecht para o ano de 2008.

“O Brasil é um mercado com potencial enorme, temos uma afinidade natural”, disse Tata a EXAME, no ano passado, em sua primeira e, até agora, única entrevista a uma publicação brasileira.

Como se vê, não era apenas um exercício de retórica. Para prospectar novos negócios, Tata mantém no Brasil uma equipe formada por cerca de 20 executivos, além de cônsules, embaixadores, adidos comerciais e consultores.

Seus interesses se distribuem entre áreas como siderurgia, etanol, bebidas e automóveis (veja quadro). As negociações envolvendo a produção de veículos da Tata Motors pela Fiat são as que se encontram em estágio mais avançado.

A empresa pretende produzir seu carro de baixíssimo custo, o Nano, na fábrica da Fiat em Córdoba, na Argentina, já no segundo semestre deste ano e, de lá, exportá-lo para o Brasil e para o resto da América Latina.

A Iveco, divisão de caminhões da montadora italiana, vai ocupar parte de sua linha de montagem na fabricação de picapes médias da Tata Motors no município de Sete Lagoas, em Minas Gerais. A idéia de Tata é fabricar no Brasil o Safari, utilitário mais vendido na Índia.

Alguns executivos da Fiat já estão na matriz da Tata Motors acertando detalhes da produção e, no último ano, o consulado da Índia em Minas Gerais emitiu mais de dez vistos para a empresa. Oficialmente, a Fiat nega o acordo.

De todas as negociações em andamento, a mais complexa envolve o setor de siderurgia. Ratan Tata deseja construir uma usina no país e, para isso, tem procurado parcerias. Inicialmente, o empresário indiano tentou um acordo com Roger Agnelli, presidente da Vale.

Os dois chegaram a se encontrar por duas vezes no ano passado: uma na África do Sul, em junho, e outra na Índia, em setembro. As conversas, no entanto, não avançaram. “As negociações não prosperaram principalmente por causa da intransigência de Agnelli”, afirma um executivo ligado a Ratan Tata. “Ele não quis ceder um centavo sequer no preço do minério de ferro”.

O fracasso na negociação com a Vale deixou Tata com poucas opções. A CSN, poten cial parceira no país, já foi descartada de antemão. O motivo seria a pouca simpatia que Tata nutre por Benjamin Steinbruch desde a duríssima disputa travada entre as duas empresas durante a aquisição da siderúrgica inglesa Corus, em 2006.

O episódio obrigou Tata a desembolsar 4 bilhões de dólares a mais do que esperava na compra. Recentemente, executivos da Tata Steel, divisão siderúrgica do grupo, iniciaram uma aproximação com a MMX, de Eike Batista. Eles passaram uma semana na empresa estudando números, avaliando ativos e negociando preços.

A idéia do bilionário indiano é firmar uma parceria com Eike para a construção de uma siderúrgica em Porto de Açu, no litoral fluminense. “O pessoal da Tata se mostrou bastante interessado”, diz um executivo da MMX.

Nas negociações com Ratan Tata, empresários e executivos brasileiros têm sido obrigados a exercitar dois atributos fundamentais: paciência e muita, muita perseverança. Isso porque, apesar do interesse em investir no país, Tata não tem demonstrado urgência em fechar nenhum negócio.

O mais recente deles, a associação com a gaúcha Marcopolo para a construção de uma fábrica de ônibus na Índia, em 2006, levou dois anos para ser costurado. “Tata é um negociador de minúcias”, diz um executivo da Marcopolo. “Além de detalhes da operação, ele leva em conta questões culturais e de relacionamento pessoal”.

As negociações com duas fabricantes de autopeças brasileiras – a Aethra e a subsidiária da italiana Stola, ambas instaladas em Minas Gerais – naufragaram após oito meses de conversas. Além das eventuais negativas, há muitas transações que nem sequer conseguem chegar à etapa das conversas.

O ex-governador de Minas Gerais Newton Cardoso vem tentando uma parceria com Tata para duas de suas empresas: a fabricante de sucos Goody e a siderúrgica Pitangui. Até agora, Cardoso não foi recebido pelo empresário indiano.

A primeira incursão do grupo Tata ao território brasileiro deu-se em 2002, por meio da Tata Consulting Services, dedicada a prestar consultoria na área de softwares. A empresa, que tem 70 milhões de reais de faturamento, nasceu como uma joint venture com uma companhia brasileira, a TBA.

Naquela ocasião, a decisão pelo Brasil aconteceu basicamente em razão da posição geográfica do país, com fuso horário muito próximo ao do público-alvo do empreendimento: os clientes americanos.

Agora é diferente. O Brasil entrou, de fato, no radar de investimentos do conglomerado Tata – fenômeno que se explica por duas razões. A primeira é o enorme mercado interno brasileiro. A explosão do consumo ocorrida nos últimos três anos, sobretudo entre as classes C e D, apresenta-se como uma oportunidade de crescimento para empresas indianas com experiência nesse mercado.

Não por acaso, Tata deseja trazer ao Brasil o Nano, carro de 3.000 dólares criado pela Tata Motors – o setor automotivo brasileiro tem crescido 30% ao ano, média superior à da Índia.

O mesmo cenário se desenha para outros produtos de consumo, como sucos e chás. A segunda razão está na disponibilidade de matérias-primas no Brasil, que detém boa parte das reservas mundiais de minério de ferro.

A alta histórica no preço da commodity, no entanto, tem dificultado as negociações. “Tata quer pagar valores abaixo do preço de mercado, e isso está fora de questão”, diz um executivo da Vale.

O recente interesse de empresários como Ratan Tata pelo Brasil oferece um dos exemplos mais contundentes do momento por que passa a economia brasileira. A estabilidade financeira, aliada a um mercado de consumo em expansão, fez do país uma das estrelas do mercado global.

Só em 2007 os investimentos diretos estrangeiros somaram 37 bilhões de dólares – mais que o dobro do montante registrado em 1997, no auge das privatizações (naquele ano, o governo se desfez de ativos valiosos, como Vale e CPFL).

Além de Tata, outros bilionários indianos têm manifestado interesse em investir suas rúpias no Brasil. Lakshmi Mittal, que controla a Arcelor, maior siderúrgica do mundo, também tem procurado novas oportunidades de negócios no país. Indiano de cidadania britânica, Mittal estaria disposto a investir até 8 bilhões de dólares na aquisição de outra siderúrgica.

A construção de uma termelétrica na bacia do rio São Francisco também não está descartada. “É melhor Tata se apressar. Caso contrário, não será o único indiano com negócios no Brasil”, diz um executivo do setor de mineração.

Parece pouco provável que Tata mude seu ritmo de negociações por um motivo tão mundano. O certo, porém, é que seus dias de anonimato pelas ruas do Rio de Janeiro ficaram, de uma vez por todas, para trás. (Carolina Meyer)

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