Mercado

Quem paga a conta do petróleo

A sociedade banca um custo que, estranhamente, não conhece. O garçom chega com a conta e os amigos em volta da mesa querem dividi-la em partes iguais. Alguém, que pode ser do povo, percebe que outros amigos, que devem estar entre os mais ricos, beberam uísque, comeram camarão, tomaram vinho, enquanto ele ficou no arroz, feijão, carne, batata, ovo frito e um guaraná. É justo dividir essa despesa em partes iguais?

No Brasil, é. Aqui, todos os dias, essa injustiça acontece milhões de vezes nos postos de combustíveis. A imprensa sempre denuncia, mas a dona da “bebida” mais cara do País não se incomoda, manda a conta igual para todos e não aceita reclamações. Realmente, o “cardápio” da Petrobras é indigesto: bebendo ou não, você, que tem carro à gasolina, paga. Paga, porque o petróleo sobe, a gasolina não, mas a estatal manda a conta para o governo, que nos devolve, cobrando impostos.

Para ficarmos nos últimos cinco meses, sem falarmos nos últimos 50 anos, a importação de petróleo custou ao Brasil US$ 5,8 bilhões só nesses cinco meses. Mas o aumento da gasolina e do óleo diesel não acontece desde novembro de 2005, e o do gás de cozinha, desde a posse do Lula. O povo pensa que não paga, porque o valor exibido no cardápio não está na primeira página, mas escondido no imposto cobrado sobre outros produtos. Em um ano, o petróleo subiu 32%. Saiu nos jornais: “O Brasil teve déficit de US$ 2,147 bilhões de janeiro a maio na balança comercial do petróleo.” Palavra da Petrobras.

Mais: o aumento no déficit resultou principalmente da alta nas cotações no mercado internacional. Pelos dados da ANP, o Brasil pagou US$ 71,70 por barril de petróleo em maio. Essa escalada de preços é constante este ano, com o barril cotado a US$ 63,80 em janeiro, US$ 61,50 em fevereiro, US$ 64,84 em março, US$ 67,67 em abril. Passou de US$ 78 nesta semana. Em breve deverá zerar seu dispêndio paralelo de sustentação, alcançando os previstos US$ 200,00 o barril – custo militar de manutenção das jazidas no Oriente Médio, avaliado pelo eminente cientista Rogério Cézar de Cerqueira Leite, físico, professor emérito da Unicamp.

Mas a gasolina, talvez por causa das eleições, continuará com esse preço de fantasia, digo, de fachada, nas bombas, enquanto a sociedade banca um custo que, estranhamente, não conhece? A propósito, os preços do álcool vendido pelas usinas às companhias distribuidoras são públicos e podem ser conhecidos por quem quiser, a qualquer hora. Basta entrar nas páginas da Copersucar, da Unica, da Udop ou do Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.

Que auto-suficiência é essa? O consumidor, mesmo o que não tem carro, arca com a diferença de 14% que falta na conta da gasolina e 16% na do diesel. Do gás, nem se fala. Ainda mais em ano eleitoral.

(Cá entre nós, essa conta é bem maior quando se contabilizam as despesas com a saúde pública. É sabido que na cidade de São Paulo e em outras metrópoles o número de casos graves de doenças respiratórias aumentou muito, principalmente entre crianças e idosos, quando o governo abandonou o Programa Nacional do Álcool e a frota de carros movidos exclusivamente a gasolina cresceu, elevando os níveis de poluição urbana).

Enquanto isso, o álcool combustível obedece a mais justa das leis, a da oferta e da procura, porque é produto natural, com safra e entressafra, flutuando, como todos os que estão no mercado. “Mercado”, porque essa palavra vem de “Mercúrio”, o deus do comércio, que oscila de acordo com a demanda. Se o governo reajustasse a gasolina, a diferença entre ela e o álcool seria muito maior. O álcool tem preço: paga quem compra. A gasolina tem tarifa: todos pagam, muitos perdem, principalmente os que não têm carro, porque subsidiam os que têm.

kicker: O álcool tem preço: paga quem compra; a gasolina tem tarifa – todos pagam, muitos perdem, principalmente os que não têm carro

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