Mercado

Proposta equivocada

Nem o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, acredita na proposta feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de mudar o sistema de decisão da OMC, que passaria a obedecer ao critério da maioria e não mais basear-se no consenso, como ocorre hoje. A declaração do presidente, na explicação do ministro, não passou de um desabafo. O chanceler Amorim deixou claro que a mudança do sistema na OMC não faz parte dos planos da diplomacia brasileira.

Menos mal para a OMC, para o Brasil e, sobretudo, para o próprio presidente, que não terá de ficar explicando para o resto do mundo o que afinal estava pretendendo.

Ao defender sua proposta em Pretória, na África do Sul, no encerramento da Cúpula da Governança Progressista, que reuniu chefes de Estado e de governo, o presidente Lula disse que seu objetivo era fortalecer a organização e dar mais poder para os países pobres. É provável que ele estivesse imaginando que, sendo a imensa maioria entre os 148 membros da OMC, os países pobres e em desenvolvimento poderiam, pelo voto, impor sua vontade para o grupo de oito ou dez nações mais industrializadas e poderosas do planeta.

Essa é uma ilusão de quem não sabe como as coisas se processam no complicado universo das negociações comerciais, no qual não é o grau de desenvolvimento que determina a posição de cada país, mas os interesses de cada um, que poucas vezes são comuns, razão pela qual os países em desenvolvimento raramente votam do mesmo modo.

No caso do comércio mundial de açúcar, por exemplo, a abertura e a eliminação dos subsídios, que interessam ao Brasil, não interessam a antigas colônias que têm acesso preferencial ao mercado europeu. Submetida a votação, uma proposta nesse sentido correria o sério risco de ser derrotada. Em outros casos, países ricos poderiam conseguir apoio de nações pobres para sua posição com a oferta de facilidades comerciais, e novamente seriam vitoriosos se o sistema fosse o de votação.

É evidente que o sistema atual da OMC é política e operacionalmente complexo, e lento. Exige muita discussão, acertos com este ou aquele país ou grupo de países, até se chegar a um ponto que seja aceitável para todos os membros da organização. Nem sempre é possível encontrar esse ponto e, em determinados casos, as negociações fracassam, como ocorreu na reunião ministerial realizada em Cancún, no México, em 2003. Nela, um grupo de países pobres, a maioria africanos, rejeitou a inclusão no documento final, defendida pela UE, das questões ligadas a investimentos, regras de concorrência, transparência em compras governamentais e facilitação do comércio. Neste caso, a votação poderia ter produzido resultado melhor.

Mesmo não sendo o processo mais rápido, a decisão por consenso é melhor, porque força todos os envolvidos a se comprometer com a deliberação. Mais do que isso, esse processo assegura que os países atuem intensamente nas negociações, muitas vezes desempenhando um papel cuja importância vai muito além de sua presença no comércio internacional. É esse mecanismo que tem permitido ao Brasil, que detém uma fatia ínfima das trocas internacionais, assumir uma importância decisiva em determinadas negociações, como a da liberalização do comércio de produtos agrícolas.

A decisão por maioria, embora mais simples, levaria ao afastamento da organização dos países que, legitimamente, se sentirem prejudicados pelo que se decidiu, o que cindiria a OMC e comprometeria sua respeitabilidade. E o Brasil, que conseguiu posição de destaque nas negociações internacionais, apesar da insignificante participação no comércio mundial, não teria mais importância, se a proposta prosperasse.

Seria só um, entre quase uma centena e meia de votantes. É por isso que, mesmo existindo nas regras da OMC a possibilidade de decidir pelo voto – fato de que o presidente Lula talvez não tivesse conhecimento, pois se o conhecesse não faria a proposta -, esse método nunca foi adotado, porque seus membros sabem que a votação envolve riscos sérios. Pode resultar em mais perdas do que ganhos.

Para o Brasil, a mudança seria como um tiro no pé. Felizmente, o chanceler Amorim limpou a barra do presidente mal informado.

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