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Petrobras tem pior situação da década

Enquanto o governo ainda analisa a nova fórmula de reajuste dos combustíveis proposta pela Petrobras, deixando cada vez mais claro o embate existente entre a diretoria da estatal e o Ministério da Fazenda sobre os reajustes daqui para frente, uma análise dos principais números da Petrobras mostra que a empresa não pode esperar muito mais. Três anos depois da capitalização de R$ 120 bilhões, o efeito positivo de redução do endividamento da companhia na época já se desfez e a situação financeira é a pior em mais de uma década.

A produção de petróleo, que chegou a média de 2,021 milhões de barris/dia em 2011, vem patinando desde então e até setembro deste ano tinha caído para 1,921 milhão de barris/dia. Como os investimentos se mantêm bem acima da geração de caixa, a dívida líquida aumenta trimestre a trimestre, saltando mais de R$ 135 bilhões desde a capitalização, para R$ 193 bilhões em setembro, sendo R$ 45 bilhões com o BNDES e outros R$ 20 bilhões divididos entre Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Na outra ponta, desde o aumento de capital, o valor de mercado da companhia caiu 30%, de R$ 373,8 bilhões em setembro de 2010 para R$ 263,3 bilhões em setembro deste ano.

A alavancagem começa a comprometer o grau de investimento da estatal, obtido em 2005. E, por isso, cada vez mais é mencionada a necessidade de novo aumento de capital, o que é altamente improvável do ponto de vista prático, pelo menos no curto prazo, até porque exigiria uma nova lei que teria que ser votada no Congresso Nacional. A saída urgente, agora, na avaliação da própria empresa, de analistas e observadores ouvidos pelo Valor, com a condição de não terem os nomes informados, é adotar a fórmula pretendida pela companhia que permita maior previsibilidade dos reajustes de preços. Já não há como ignorar que as importações e vendas com preço subsidiado estão sangrando as contas da estatal a níveis preocupantes. Na semana passada, a defasagem dos preços no Brasil comparados aos praticados no mercado americano estava em 13% na gasolina e 16,5% no diesel.

Uma observação dos indicadores da Petrobras nos últimos 19 anos mostra que a situação financeira da estatal atualmente se compara apenas com aquela vista no fim da década de 1990, quando o tamanho era metade do atual em termos de produção e a cotação do petróleo oscilava em média abaixo de US$ 20, ante os mais de US$ 100 atuais. Desde aquela época, a margem bruta da companhia não caía abaixo de 30% e nem a margem líquida se mostrava inferior a 10%, como ocorreu em 2012 e se repete até setembro de 2013 – mesmo com a adoção da contabilidade de hedge, que minimizou o impacto do câmbio na última linha do balanço.

Em termos de endividamento, a relação entre a dívida líquida e o patrimônio líquido da estatal, que atingiu 56,24% em setembro, também é a maior desde 1999, ano da maxidesvalorização do real, quando fugiu totalmente da curva e alcançou 75,8%. Quando é medida a relação entre a dívida e o lucro antes de juros antes de impostos, depreciação e amortização, o índice subiu de 1,6 vezes antes da capitalização para 3,25 vezes em setembro.

Um estudo da economista Paula Barbosa sobre o endividamento da Petrobras mostra que nos últimos seis anos as dívidas saltaram de 0,62% do PIB para o patamar de 2,98% em 2012, um crescimento de 2,36 pontos de percentagem do Produto Interno Bruto (PIB), ou 483% em termos reais.

Quem não acompanha a companhia de perto pode questionar como é possível mesmo após o aumento de capital de R$ 120 bilhões realizada em 2010, com a injeção de mais de R$ 40 bilhões em dinheiro. Mas o fato é que o recurso que entrou no caixa já foi todo alocado em investimentos e a diferença de cerca de R$ 80 bilhões – pagas ao governo pela cessão onerosa de 5 bilhões de barris do pré-sal – ainda não gerou um centavo de lucro para a companhia.

Como resultado, a situação da Petrobras hoje é praticamente a mesma de 2010. “Com a diferença que não tem [possibilidade] de trucagem desta vez. Não vejo possibilidade de outro aumento de capital pois o dinheiro do investidor estrangeiro não virá. O preço (da ação) está a metade do que estava naquela época e eles não entregaram o que prometeram. O plano era o governo colocar barris, a Petrobras ia investir e o investidor entrava com dinheiro”, disse uma fonte.

Segundo essa fonte, a única saída agora é adotar uma fórmula de reajuste “decente”, que permita diminuir o “gap” entre os preços domésticos e os internacionais, de modo a reduzir a alavancagem e permitir que a companhia consiga se financiar levantando dívida. “No resto, é rezar para o dólar não ir para R$ 3, porque senão volta para aquele cenário de desastre de agosto”, prevê a fonte, referindo-se às perdas da companhia provocadas pelo aumento do consumo somada à forte desvalorização do real naquele mês.

A defasagem no preço dos combustíveis, que obriga a estatal a importar diesel e gasolina por um valor acima do que vende para as distribuidoras, certamente é uma das principais explicações para a piora nas margens bruta e líquida, e também para a minguada rentabilidade sobre o patrimônio líquido da companhia, que está próxima de 6% ao ano e mal bate a inflação.

Em qualquer conta que se faça nos últimos dez anos, a área de abastecimento da Petrobras – que vende combustível refinado para as distribuidoras – não agregou nem um tostão de retorno para o grupo. Pelo contrário, acumula prejuízo. E nesse caso o governo tem responsabilidade, já que na posição de acionista controlador vem usando a estatal como instrumento de política monetária.

Ao não garantir a paridade internacional dos preços dos combustíveis, na prática a companhia hoje está desrespeitando três preceitos legais. O primeiro é a Lei do Petróleo (9.478) que diz que os preços no Brasil são livres; o segundo é o próprio estatuto da estatal, que diz, no artigo 33 que uma das atribuições da diretoria executiva é, entre outras, aprovar “a política de preços e estruturas básicas de preço dos produtos da companhia”, mas na prática as decisões têm sido tomadas pelo controlador. O terceiro preceito desobedecido hoje é a lei da livre concorrência, que estabelece que vender produtos abaixo do preço de custo configura “dumping”. Não que a atual prática pareça ser uma escolha da diretoria.

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