Mercado

Pecuária e Cana uma Crise Anunciada

Há exatamente um ano escrevi um artigo, onde dizia que o Brasil precisa de projetos e não simplesmente de corrida desenfreada na agricultura, como tem acontecido na substituição da pecuária paulista pela cana no decorrer do último ano. O censo do IBGE, nos seus resultados preliminares, mostra que o Estado de São Paulo perdeu dois milhões de cabeças e que passou a consumidor leite de outros estados. Hoje, nos damos conta de como teria sido necessário um planejamento a longo prazo para reformular a pecuária paulista e ter evitado as perdas que sofreram centenas de pecuaristas, o impacto ambiental ainda por vir e as conseqüências sociais de inseminadores, retireiros e campeiros que, depois de certa idade, não são assimilados pelo setor sucro-alcooleiro e assim deixam de ser profissionais valorizados na pecuária para perambular pelas praças das cidades do oeste paulista.

A integração do binômio cana – pecuária no Estado de São Paulo ainda pode transformar-se num processo interativo com inúmeras combinações desejáveis, mas a substituição pura e simples não foi a melhor saída para os pecuaristas.

O setor sucro-alcooleiro aumentou 13% a área plantada para a safra 2007/2008, a produção de cana-de-açúcar deverá aumentar acima de 11% e a produtividade média ao redor de 3%, neste ano agrícola. Porém os fornecedores não participarão deste crescimento. Além de ter amargado preços baixos pela cana recebida, os preços no mercado futuro não sinalizam aumentos significativos.

No Estado de São Paulo, estes produtores representam mais de 60% do total produzido e quem vendeu seu rebanho e acabou com toda a infra-estrutura de manejo está seriamente ameaçado em continuar sua atividade, porque além da diminuição de cerca de 40% dos preços recebidos, em comparação com a safra passada, o preço tende a cair e os custos de produção da lavoura deverão aumentar.

Todo este cenário foi provocado pela queda de 24% nos preços do álcool anidro, ao redor de 33% do álcool hidratado, e de 17% do valor em dólares do açúcar exportado. Para os produtores que indexaram os recebimentos em ATR (kg de Açúcar Total Recuperável) e tomaram financiamentos a juros mistos, a situação se agrava, pois estão praticamente com os mesmos valores da safra de 2003/2004 e correndo juros de mercado. Estes fornecedores que não pensaram em diversificar e deixaram a pecuária, evidentemente terão baixa produtividade da cana em kg de ATR, pois a baixa remuneração da cana implica em falta de recursos suficientes para realizar o manejo adequado da soca e a renovação do canavial. Para a safra futura os preços da cana devem continuar no mesmo patamar que nesta safra, ou seja, será um ano complicado para os produtores de cana-de-açúcar, que continuarão com os preços abaixo do custo de produção e sem gado para vender em ciclo de alta.

Mais de 30 novas unidades industriais em todo o país começarão a esmagar cana na safra 2008/2009, resultando em um crescimento esperado da produção e da área plantada acima de 10%, mas o mercado futuro indica que a oferta ainda estará maior que a demanda, tendo como conseqüência a queda continuada dos preços da cana, do álcool e do açúcar.

Por outro lado, mesmo com a crise que enfrentamos com a União Européia, as exportações de carne bovina, estimadas em 9,2 milhões de toneladas em equivalente carcaça para este ano, deverão representar acima de 25% da produção total do Brasil. As expectativas para o ano 2008 são de um novo ciclo de crescimento, devido à melhoria dos preços dos bezerros e do aumento da arroba do boi gordo, que deve consolidar-se, pois o longo ciclo de preços baixos provocou um elevado índice de abates de matrizes.

O Brasil deverá manter a liderança das exportações mundiais, uma vez que os principais concorrentes do Brasil, como Argentina, Austrália, Estados Unidos, Nova Zelândia e Uruguai enfrentam problemas de diferentes tipos para aumentar a oferta de carne bovina. As demandas mundiais de carne deverão se fortalecer em 2%. A União Européia precisará substituir rapidamente seus fornecedores para atender as novas demandas e evitar uma alta de preços. Aparentemente existe um equilíbrio mundial entre oferta e demanda e há expectativas de concretização de abertura do mercado chinês. Os produtores, que estão com suas propriedades no SISBOV e auditadas com o selo de conformidade, poderão vender carne para a UE com preços largamente compensadores, mantendo assim favoráveis as expectativas para a carne bovina brasileira.

Além disso, o Secretário de Agricultura de São Paulo, João Sampaio está desenvolvendo ações em várias frentes para recuperar a pecuária paulista. O Plano Risco Zero para o estado, embora tecnicamente difícil de realizar, filosoficamente define a intenção do governo paulista em modernizar a defesa animal estadual.

Nesta ótica precisamos delinear novos cenários da integração cana-pecuária e reformular os sistemas de produção para leite e carne. A pecuária paulista passará por transformações profundas, onde só haverá lugar para sistemas de produção ordenados, inteligentes, em sintonia com a utilização de recursos genéticos e em consonância com o aproveitamento de resíduos da indústria canavieira. Com investimento em difusão de tecnologia, relacionamento moderno entre os agentes da cadeia, seriedade governamental, agregação de valor e marketing lutaremos pela habilitação do Estado de São Paulo para o mercado globalizado de carne bovina.

* Nelson Pineda é engenheiro químico, agricultor, pecuarista nos Estados de São Paulo e Bahia e membro da Câmara Setorial Paulista da Carne Bovina

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