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Os usineiros não querem virar xeiques

Nem o papa, que estará por aqui em maio, conseguiria tanto. Bastaram a divulgação de um relatório científico em janeiro, em Paris, dando conta de que o efeito estufa causará uma catástrofe ambiental já neste século, e a visita do presidente dos EUA, George W. Bush, ao Brasil, focada na retomada da proposta de cooperação na área de biocombustíveis, para que o etanol ganhasse o status definitivo de “combustível do futuro”.

Etanol é o álcool etílico, produzido com cana-de-açúcar, e que os brasileiros utilizam em seus automóveis desde a segunda metade da década de 70. É o único setor que dá ao Brasil o título de melhor do mundo, já que atualmente nem o futebol é capaz disso. Com o know-how totalmente dominado, terras e água em abundância e condições climáticas extremamente favoráveis, o Brasil tem tudo para virar, a médio prazo, algo como “a Arábia Saudita do álcool”, ditando o abastecimento e os preços mundiais. Mas os nossos produtores querem mesmo isso?

“A abundância é pior que a escassez”, diz a produtora paulista Dora Zanini. “O setor produtivo não tem interesse em ganhar uma dimensão como a dos árabes em relação ao petróleo”, afirma o consultor Isaias Macedo. “O estoque de um mês já deprime o preço do álcool”, complementa o presidente do Sindicato dos Produtos de Cana, Igor Montenegro.

Afinal, o que os produtores querem?

As respostas começam a surgir no livreto contendo as conclusões do seminário “Uma estratégia para o etanol brasileiro”, realizado no Rio de Janeiro. Basicamente, os produtores querem a constituição de um fundo setorial para o etanol, a capacitação da mão-de-obra, o estreitamento de relação entre as áreas de pesquisa e industrial, a implementação de uma alíquota nacional de ICMS para a comercialização do produto, a estruturação e ampliação de uma rede de logística com recursos vindos do Cide (imposto sobre a comercialização de combustíveis), o uso de novas variedades de cana-de-açúcar, a promoção comercial do combustível brasileiro no exterior, a criação de um estoque regulador e a compatibilização da oferta do produto no mercado interno com o volume de produção de carros movidos a álcool. Em resumo, o setor quer ver o etanol transformado numa commodity mundial, como a soja, o milho e o suco de laranja.

O Brasil processou 420 milhões de toneladas de cana no ano passado, das quais 51, 7% viraram açúcar, e 48, 3% álcool. Em 2012, a relação deverá estar invertida: 40% de açúcar e 60% de álcool. Da atual safra de cana saem 17, 5 bilhões de litros de álcool. Dos 684, 7 milhões de toneladas da safra 2012/2013 sairão 35, 7 bilhões de litros. Serão mais 3 milhões de hectares com plantações de cana. “Somente no estado de São Paulo há 10 milhões de hectares de terras com pastagens degradadas e, portanto, disponíveis para o plantio da cana”, afirma o presidente da Unica (entidade representativa dos usineiros), Eduardo Pereira de Carvalho.

Cada hectare plantado com cana pode produzir quase 7 mil litros de etanol. O mesmo hectare, com milho, rende metade desse volume. O etanol brasileiro interessa não só aos americanos como também aos japoneses, nigerianos e venezuelanos. É para isso que os nossos usineiros pretendem investir US$ 14, 6 bilhões em reformas e instalação de novas unidades de produção até 2012. No lugar das atuais 336, o país terá 409 usinas – algumas controladas pelo capital estrangeiro, mesmo que os donos rejeitem o apelido de xeiques do álcool.

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