Mercado

Nem o álcool escapa

Se a adulteração de gasolina já é um fantasma antigo, agora os proprietários de carros bicombustíveis têm uma preocupação a mais: o álcool batizado. Os estragos que ele provoca no motor são tão devastadores quanto os causados pela colega de bombas. O problema é tão grave que foi o foco do estudo apresentado pela Bosch no Congresso SAE Brasil semana passada, em São Paulo, e acaba de ser aprovada a proposta da Agência Nacional do Petróleo (ANP) de usar corantes para identificar o produto irregular.

São dois os tipos de álcool combustível: o anidro, que entra na composição regular da gasolina, numa razão de 25% para cada litro; e o hidratado, usado nos motores flex. Como o primeiro está livre de impostos e por isso acaba saindo mais barato, espertinhos têm vendido o anidro misturado com água – o álcool molhado, como já é conhecido. Um veneno, como explica o assessor técnico da Fiat, Carlos Henrique Ferreira:

– O álcool hidratado leva até 7% de água pura. O que os adulteradores fazem é colocar água da torneira, que vem com cloro e sais mineirais, em quantidades fora da especificação. Já chegamos a encontrar álcool com 20% de água adicionada – alarma-se.

Para o mercado, a alteração significa sonegação de impostos e concorrência desleal. Para o carro, uma doença que ataca todo o circuito percorrido pela mistura. Bombas de combustível estragadas, bicos injetores entupidos e corroídos, borrachas deterioradas, tubulações e catalisador danificados, depósitos na câmara de combustão e outros males acarretam perda de potência, aumento no consumo e falhas no funcionamento do motor. Os prejuízos chegam facilmente aos R$ 5 mil.

Segundo o estudo apresentado pela Bosch no Congresso SAE Brasil, não é só. A empresa preparou combustíveis com as mesmas características das amostras recolhidas em postos do estado de São Paulo para testá-los em um carro com motor bicombustível 2.0 de 8 válvulas, que rodou cerca de 2 mil quilômetros. A pesquisa apontou que a adição de água no álcool altera o nível de pH, condutividade e densidade do combustível, além de aumentar a emissão de gases poluentes.

– Os maiores problemas encontrados nas amostras com baixo teor alcoólico foram casos de limite de condutividade elétrica que estavam abaixo do recomendado. Isso acarreta problemas com os componentes elétricos do motor – explicou Kellen Christina Peil, engenheira de desenvolvimento de produtos da Bosch. Segundo ela, o estudo foi feito depois de a empresa receber várias reclamações das montadoras, afirmando que muitos carros apresentavam problemas antes mesmo do período indicado para a primeira revisão.

Em tempo: a pesquisa foi desenvolvida no ano passado, quando o número de carros com motores flexíveis vendidos no mercado não era tão alto quanto o de hoje. Atualmente, pela oferta cada vez maior de modelos flexíveis, esse número atinge mais da metade do total de veículos comercializados.

Para ajudar o motorista a não ser ludibriado, a ANP bolou uma tática simples: acrescentar uma tintura laranja ao álcool anidro. Assim, se a bomba estiver colorida, o combustível que está ali não é o álcool hidratado, mas a mistura irregular. A medida, aprovada dia 8 de novembro em audiência pública, vai para o Diário Oficial e passará a valer 30 dias pós a data de publicação. A multa para o posto que comercializar o produto adulterado vai girar de R$ 20 mil a R$ 5 milhões. O consumidor pode denunciar o estabelecimento através do telefone da ANP: 0800- 900267.

De tanto as pessoas procurarem as concessionárias com problemas causados pelo álcool batizado, a Volkswagen já trabalha no desenvolvimento de peças mais resistentes à corrosão. Já a Fiat não considera correto encarecer o custo final do carro por causa de irregularidades externas, práticas ilícitas que não cabe às montadoras resolver.

– Não há um padrão de adulteração, por isso fica difícil desenvolver peças adequadas às misturas que são usadas por aí. E não deveria ser da alçada da montadora fazer reparos causados por combustível batizado. Mas, como o problema não ocorre por vontade ou descaso do cliente, uma vez que muitos nem suspeitam da adulteração do álcool, estudamos caso a caso e muitas vezes efetuamos o conserto, mesmo que o problema não seja propriamente do carro – afirma Carlos Henrique.

Enquanto montadoras e motoristas quebram a cabeça para não sofrer com os piratas das bombas, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) se recusa a comentar qualquer coisa que diga respeito a álcool adulterado – embora sejam dela os dados apontando um prejuízo das montadoras de R$ 1, 7 milhão na substituição de peças danificadas pelo álcool molhado em carros ainda na garantia, entre abril de 2004 e janeiro de 2005. Dicas para o consumidor, problemas causados no veículo? A Anfavea se cala.

De olho na mistura

O problema

Álcool molhado, ou seja, o anidro acrescido de água não pura – com cloro e sais mineirais, por exemplo – e em quantidades muito acima do estabelecido.

As conseqüências

Corrosão e entupimento de componentes do motor e de todo o circuito percorrido pelo combustível. Bombas, bicos injetores, tubulações, borrachas, catalisador, câmara de combustão: todos sofrem. O prejuízo chega facilmente aos R$ 5 mil.

Os sintomas

Perda de potência, aumento no consumo e falhas no funcionamento do motor.

Previna-se

A utilização de corante laranja no álcool anidro, proposta pela ANP, vai se tornar obrigatória ano que vem. Então, olho na bomba: se o álcool estiver colorido, rejeite. Só serve se for transparente. Procure abastecer em posto de confiança, desconfie de preços excessivamente baixos e sempre peça nota fiscal – ela é seu álibi caso você queira brigar por ressarcimentos.

Denuncie

O consumidor pode denunciar o posto de gasolina irregular através do telefone da ANP: 0800-900267. O site é www.anp.gov.br. Também pode recorrer ao Procon. Consulte o telefone do seu Estado ou disque 1512. No Rio, pode-se ligar para 2233-5039.

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