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NÃO HAVERÁ "LEI DO GÁS". E TALVEZ NEM PRECISEMOS DELA

Após longo período sabático no trato das questões regulatórias relacionadas à indústria de gás, o Governo Federal resolveu acordar e acelerar-se em relação ao assunto – propulsionado por um projeto de lei apresentado por Senador da oposição. A decantada “Lei do Gás” é, no entanto, um instrumento desnecessário do ponto de vista jurídico-legislativo – embora alguns dos aspectos que tenta contemplar sejam de importância regulatória indiscutível. A nosso ver, há todos os elementos e possibilidades do ponto de vista da hierarquia das normas e da seara regulatória para resolver-se todos os problemas aventados pelos agentes da indústria ao nível infralegal.

Em primeiro lugar, é falso que a Lei do Petróleo não trate de gás. Ela o faz, de forma genérica, e na medida certa do que uma Lei Federal pode fazer sobre o tema. Como no caso dos segmentos de refino de petróleo, comercialização de combustíveis e importação e exportação de hidrocarbonetos, os princípios básicos que regem a logística de transporte, armazenamento e comercialização de gás encontram-se ali devidamente consignados.

Também é falso que uma nova lei daria “mais poderes à ANP”. A possibilidade de regular a tarifa de transporte já existe e já é exercida (ou pelo menos tentou ser, inclusive adotando um critério incorporando distância e volume transportado). Se não se foi adiante nisso, foi exatamente por que a Agência vem sendo enfraquecida e desprestigiada a cada dia, mas não apenas no que diz respeito ao gás e sim em todos os aspectos da indústria que preside.

A figura do “Operador Nacional de Transporte de Gás – ONGÁS”, é totalmente irrelevante e suas atribuições são inteiramente passíveis de realização por meio da estruturação de um sistema centralizado (web-eletrônico, inclusive) de controle das capacidades ociosas, prioridades de acesso e arbitragem instantânea de tarifas, quando necessária, pela própria ANP. Criar mais uma entidade com “poderes regulatórios” é aumentar a burocracia, o conflito de jurisdições e a folha de empregados públicos, ineficazmente.

Segurança para o investidor não se dá necessariamente por lei, muito menos com a proliferação de entidades. O fortalecimento do órgão regulador e a correta utilização dos instrumentos regulatórios ao seu alcance – juntamente com a sua atuação transparente, objetiva e interativa com os agentes do setor – podem perfeitamente dar conta de resolver os impasses da cadeia do gás. Basta haver mobilização, trabalho intenso de implantação e respaldo político imparcial do Governo Federal.

A Lei do Gás parece ser uma tentativa de “arrependimento eficaz” do ex-Ministro e atual Senador da República Rodolfo Tourinho (PFL-BA) que provavelmente se recorda de, na sua gestão à frente do Ministério de Minas e Energia (MME), não ter priorizado as já prementes indefinições regulatórias do setor de gás que, à época, batiam exaustivamente às suas portas em busca de iniciativas para fortalecer as tentativas regulatórias da ANP.

Por sua vez, a atual gestão federal, após anunciar na Rio Oil & Gas 2004 que 2005 seria o “ano do gás” no MME, somente não conseguiu fazê-lo passar em brancas nuvens porque o seu Secretário Executivo conseguiu atiçar a ira das empresas e investidores do setor ao declarar que “mercado de gás natural veicular (GNV) não deveria receber investimentos federais por não oferecer garantias de fornecimento do produto em todo o Brasil”.

No mesmo mês, a ABEGÁS anunciara a expectativa de que o País iria aumentar em 15% as vendas de GNV ao longo de 2005, e o Brasil alcançara a marca de 900 mil veículos a gás (a segunda maior frota mundial) e 1000 postos de venda do combustível. O secretário talvez estivesse, já à época, melhor informado a respeito da descoberta de gás de Santos – cujas reservas inicialmente anunciadas/estimadas “murcharam” ao longo de meses de análises subseqüentes.

Despertado pela iniciativa do ex-Ministro de propor lei sobre o assunto, o MME anunciou um projeto próprio que, no entanto, ainda se encontra guardado a sete chaves – e cuja divulgação já foi por diversas vezes postergada. Até a semana passada, o mercado ainda esperava pela convergência das propostas do governo federal e do Senador, que já se encontra em tramitação no Senado. O Governo deverá tentar apensar sua proposta e mesmo tentar com que prevaleça sobre a pré-existente, estratégia que também foi utilizada à época da votação da própria Lei do Petróleo, em 1997.

Tendo ficado praticamente para 2006, a discussão do projeto governamental deverá ser atropelada por novas crises políticas, prioridades legislativas emergenciais e finalmente pelas eleições gerais do final do ano – de forma que começamos a duvidar que a tal “Lei do Gás” (qualquer que seja sua origem) venha a vingar. Melhor seria se o setor, a ANP e o Ministério tratassem de discutir formas alternativas de resolver os impasses do setor o quanto antes. Do contrário, será mais um ano perdido neste segmento, para o Brasil.

Do lado otimista, Santos, Espírito Santo, Campos e as bacias marítimas do Nordeste ainda nos surpreenderão muito positivamente com novas reservas de gás natural. Isso desesperará uns e premiará outros, como em todo natural conflito entre fontes energéticas e competição de seus respectivos investidores. O álcool e o biodiesel são claramente a “bola da vez” governamental, com seus méritos. Mas seria um crime não se considerar a importância atual e futura do gás para a saudável diversidade de nossa matriz energética e para os investimentos no Brasil em geral.

Jean-Paul Prates

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