Mercado

Na alegria e na tristeza

Aconteceu em Bonito (MS), há poucos dias atrás, durante a reunião do Conselho Deliberativo do FCO (Fundo Constitucional do Centro Oeste). O ministro Ciro Gomes emitiu a seguinte declaração: “O FCO não irá financiar, neste ano, investimentos na geração de energia elétrica”. E explicou que não devemos financiar setor que apresenta excesso de oferta produção.

À primeira vista, parece correta a posição do ministro, como guardião de recursos públicos que devem ser direcionados para atividades prioritárias. Porém, é discutível o diagnóstico, uma vez que as atuais condições climáticas favoráveis (que permitiram normalizar os estoques de água dos reservatórios das principais geradoras hidrelétricas do país) provavelmente não ocorrerão para sempre, e um novo período de chuvas escassas poderá reeditar o “apagão” em 2005 ou 2006.

O mais grave de toda essa questão é o seguinte: como ficam os empresários que estão com solicitações de financiamento junto ao FCO, e que há muitos meses já investiram em projetos ambientais e de engenharia, sendo que alguns até encomendaram equipamentos? A resposta oficial poderá ser: o risco do negócio é inerente à atividade privada. Assim deve pensar o ministro Ciro e parte da sociedade. Porém, para estes é necessário lembrar alguns fatos relevantes:

a) No período de junho de 2001 a fevereiro de 2002 a sociedade brasileira conviveu com um dramático racionamento de energia elétrica causado pelos baixos volumes das águas armazenados nos reservatórios. Conseqüência do nosso modelo energético, onde 90% da oferta de energia elétrica provém de fontes hídricas.

b) Junto com o racionamento veio o apelo do governo federal para que a iniciativa privada fizesse os investimentos necessários na geração de energia elétrica, uma vez que o Estado não dispunha de recursos públicos e o modelo adotado era o de privatizar as grandes geradoras.

c) Neste cenário foi criado o PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes de Energias Renováveis, através da Medida Provisória nº 14, de 21/12/2.001 (convertida em lei em abril de 2002). Este programa garante condições de preços e prazos para a compra, através da Eletrobrás, da energia elétrica gerada por pequenos produtores que utilizam como fontes a biomassa, o vento e pequenos aproveitamentos hidrelétricos (PCH). Ficou estabelecido o limite de 1.100MW para cada segmento, sendo que esses novos empreendimentos devem ser contratados até abril de 2.004, e iniciarem a operação até dezembro de 2006.

A criação do PROINFA representou clara opção do Governo Federal em inserir as energias renováveis na matriz energética do país, a médio e longo prazo. E provocou forte adesão de empresários nacionais, atraídos e enquadrados como pequenos produtores independentes de energia (PIE).

d) Nesta mesma época, mais precisamente em junho 16/07/2.002, foi lançada a Agenda 21 brasileira, em solenidade coordenada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Trata-se de um documento resultante de ampla consulta pública junto a toda a sociedade brasileira. Aqui no Estado de Mato Grosso do Sul contou com o apoio das agências do Banco do Brasil, e coordenação da Secretaria de Meio Ambiente. Dentre as 21 Ações Prioritárias apresentadas pela Agenda 21, destaca-se a de nº 4 “Desenvolver e incorporar tecnologias de fontes renováveis de energia, considerando sempre as disponibilidades e as necessidades regionais”.

d) Antes mesmo da publicação da Agenda 21 e do PROINFA, surgiu a proposta “Um Projeto para a Energia Renovável”, apresentada pelo Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, em agosto de 2000, no Seminário promovido pelo Instituto Cidadania em São Paulo.

e) Diversos empresários como Antonio Ermírio de Moraes, cientistas como José Goldenberg e diversas entidades da sociedade civil como o Greenpeace, vieram a público manifestar apoio aos programas nacionais de energias renováveis, em diversas oportunidades e mais intensamente durante os últimos dois anos. Com esse respaldo, os representantes do governo brasileiro desembarcaram em Johanesburgo – África do Sul, para participarem da Conferência sobre Mudanças Climáticas, promovida pela ONU em agosto de 2002. E apresentaram uma proposta avançada para ampliar a adoção das energias renováveis a nível mundial, como forma de mitigar as conseqüências do efeito estufa sobre o planeta.

f) É fundamental priorizarmos a geração de energia renovável, através do uso dos recursos naturais abundantes que dispomos: água, vento, energia solar e biomassa. Os combustíveis fósseis, dentre os quais se destacam o petróleo e seus derivados, são escassos e caros, e portanto devem ser preservados para uso mais adequado pelas gerações futuras.

Os argumentos anteriormente apresentados levam a uma clara conclusão: como indutor do processo de desenvolvimento sustentado, o governo brasileiro fez uma forte opção pelo uso de fontes renováveis de energia. A iniciativa privada foi induzida a participar desse processo, motivada pela criação do PROINFA.

Ao investir na geração de energia elétrica, a iniciativa privada aceitou as regras apresentadas pelo governo federal, e consumou uma parceria. Para vigorar a longo prazo: na alegria e na tristeza, na abundância e na escassez de chuvas.

Esperamos que a ministra de Minas e Energia confirme as decisões já tomadas, e implemente o PROINFA, primeiro com a realização das chamadas públicas previstas. Depois, com o fortalecimento desse programa de governo, através de diversas ações, dentre elas o apoio creditício (inclusive através dos fundos constitucionais).

Ética, competência e seriedade no trato da coisa pública são pressupostos básicos para um governo alcançar credibilidade, e assim contar com o apoio dos mais diversos segmentos da sociedade, para implementar as reformas estruturais necessárias.

Isaías Bernardini é engº agrônomo

Banner Revistas Mobile