Mercado

Mercosul e G3 duelam na reunião da Alca

O Brasil não poderá pegar carona em acordos mais ambiciosos de liberalização comercial nas Américas se prevalecer a proposta do G3 (Canadá, Chile e México) para a reunião do Comitê de Negociações Comerciais da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a iniciar-se amanhã, na cidade mexicana de Puebla.

A Folha teve acesso aos dois documentos que darão a base para a batalha de Puebla, o do G3 e o do Mercosul. A grande e fundamental diferença entre eles está em uma regra de ouro do comércio internacional, batizada de MFN (sigla em inglês para Nação Mais Favorecida).

Significa que, se, por exemplo, o Brasil der determinada vantagem ao Canadá, no âmbito regional, terá que estendê-la a todos os 32 países que participam da Alca.

Mas o Brasil conseguiu, na Conferência Ministerial de Miami, em novembro, definir uma Alca em dois níveis: um primeiro básico, que terá um conjunto comum de direitos e obrigações válido para todos os 34 participantes.

O segundo serão acordos plurilaterais, mais ambiciosos, dos quais participarão apenas os países interessados. Em investimentos, serviços e compras governamentais, por exemplo, o Brasil mostra escasso interesse em liberalização. Pela cláusula MFN, firmas brasileiras ganhariam o direito de participar, por exemplo, em concorrências públicas no Chile, se e quando o acordo plurilateral nessa área for assinado.

Mas a proposta do G3 barra o que, no jargão da diplomacia comercial, se chama de “free rider” (carona). Diz o texto conjunto dos três países: “Os resultados nas negociações de acesso a mercado do nível plurilateral somente serão estendidos aos países participantes do nível plurilateral”.

Ou, posto em linguagem mais comum: quem não paga (o preço da liberalização), não come (os frutos dela em outros países).

Essa tende a ser a grande divergência a amarrar as discussões em Puebla. É verdade que há diferenças entre as propostas do Mercosul e do G3 mesmo no que se refere ao “conjunto comum de direitos e obrigações” que tem que ser definido na reunião do comitê de negociações.

A proposta Canadá/Chile/México visa, quase sempre, um conjunto obrigatório mais amplo que o papel apresentado pelo Mercosul. A exceção é agricultura, em que o sinal se inverte: ambicioso é o Mercosul. Fácil explicar: trata-se de um bloco tremendamente competitivo em matéria agrícola.

Das nove áreas de negociação para as quais a reunião de Puebla deve definir o “conjunto comum”, em três delas não há diferenças essenciais (política de competição; subsídios, antidumping e direitos compensatórios; e solução de controvérsias).

Mas há um segundo ponto de eventual confronto: o Mercosul propõe que, em matéria de investimentos, serviços e mesmo de acesso a mercados (derrubada das tarifas de importação), as negociações sejam bilaterais, não entre os 34 participantes.

Ou seja, o Brasil proporia por exemplo à Guatemala uma lista de bens que teriam sua tarifa de importação zerada imediatamente, mas essa lista não valeria como oferta aos EUA, que receberia uma relação diferente. A proposta do G3, de novo, veta que benefícios concedidos bilateralmente sejam estendidos aos demais.

A delegação brasileira chegou a Puebla consciente de que seria bombardeado o projeto de “Alca light”, sacramentado em Miami, na instância mais alta da Alca, que é a Conferência Ministerial.

Mas acredita que a posição norte-americana -decisiva, como é óbvio- não variou: os EUA não tentariam engordar o conjunto básico obrigatório.

O embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares, chefe da delegação brasileira, usa o acordo entre os co-presidentes sobre o que o jargão diplomático batiza de “esboço anotado da agenda” (para Puebla) como demonstração de que os EUA não serão um adversário do Brasil. Os co-presidentes são Adhemar Bahadian, pelo Brasil, e Peter Allgeier, pelos EUA.

Olho no cronograma

De fato, o esboço de agenda anotada, também obtido pela Folha, divide claramente as discussões, separando o nível um (o conjunto comum de direitos e obrigações) do nível dois (“procedimentos para o desenvolvimento, a nível plurilateral, de disciplinas e liberalização adicional”).

Pode ser apenas otimismo do embaixador, até porque as ONGs que também acompanham Puebla desconfiam que o G3 está funcionando como porta-voz dos EUA. Para o governo brasileiro, no entanto, “quem quiser revisitar as decisões de Miami está contra as negociações”, como diz Antônio Simões, há seis anos acompanhando todos os passos da Alca pelo Itamaraty. É alusão ao fato de que o cronograma original prevê o fim da negociação neste ano, para que, em 2005, os respectivos Congressos aprovem o acordo para que ele possa vigorar a partir de 1º de janeiro de 2006. Se a negociação em Puebla patinar, não haverá tempo para obedecer ao cronograma, o que tende a fazer desandar toda a negociação.

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