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Mercado faminto por agroenergia

Daqui dois meses, o contador da população mundial deve virar da casa de 6 para 7 bilhões de habitantes. Na corrida para alimentar toda essa gente, os biocombustíveis despontam como uma ameaça? Especialistas que participaram do 10.º Congresso Brasileiro do Agronegócio, na semana passada, em São Paulo, acreditam que não. Eles avaliam que conciliar – e integrar – a produção de alimentos com a de energia é perfeitamente possível.

Para chegar lá, contudo, é preciso rever alguns paradigmas. O primeiro deles: a era do alimento barato acabou. E não apenas por causa dos biocombustíveis. “Os preços se alteraram porque a demanda passou a controlar o mercado. E, com o aumento da população e da renda mundia l, a demanda por comida é basicamente crescente. Isso indica que os preços permanecerão em patamares superiores à média histórica”, declarou o economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados.

Para o analista, a crise internacional não altera esse quadro e a tendência é que o mercado de commodities agrícolas mantenha-se em alta por, pelo menos, mais 10 a 15 anos. “Apenas uma recessão muito forte na Ásia reverteria essa tendência”, sentenciou. Mendonça de Barros alertou para a necessidade de reduzir a dependência da China, que, segundo ele, “não será sempre essa máquina de crescimento”.

Ele considera que, apesar de não haver competição direta entre a produção de alimentos e a de energia, existe uma correlação de preços entre os dois mercados e que, por esse motivo, investir na produção de combustíveis renováveis avançados e de plásticos biodegradáveis é crucial para manter a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional. Por isso, resu miu o consultor da MB, “uma boa política agrícola nunca foi tão importante”.

A falta de políticas públicas claras e transparentes também foi citada como um dos principais entraves ao desenvolvimento do setor energético. “O Brasil passou de exportador a importador de gasolina e etanol. E vai continuar nesta condição por pelo menos mais três ou quatro anos”, previu o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. Segundo ele, a conjuntura atual reflete uma política equivocada de intervenções para manter, de forma artificial, o paradigma da energia barata. “O governo confunde regulação com intervenção”, afirmou.

“O que aprendemos nos anos de glória do etanol é que sempre que a produção dobra o preço cai 20%”, disse José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo (USP) especialista em energia. Ele avaliou que há espaço para que a produção brasileira cresça entre 5% e 10% ao ano, mas disse que isso não vai acontecer sem políticas públicas mai s acertadas e direcionadas para incentivar um novo ciclo de investimentos no setor.

“Se o Brasil produzisse cinco vezes mais etanol do que hoje, seríamos um player tão importante quanto a Arábia Saudita é para o petróleo. Para isso, precisaríamos produzir 10% do etanol consumido no mundo, mas hoje ainda estamos em 2%. O governo precisa dar mais atenção ao setor. Deixar o etanol definhar, de novo, é algo que vai custar caríssimo para o Brasil”, analisou Goldemberg.

Motor flex pode se tornar dispensável

Principal motor da expansão da indústria sucroalcooleria na última década, o carro flex pode se tornar um investimento inútil para o consumidor se não houver mudanças significativas no setor, alertam usineiros. “Se não houver alta da gasolina, alteração na Cide [tributo incidente sobre os combustíveis] e redução importante de custos, o consumo de álcool hidratado deve cair cada vez mais e vai desestimular a produção dos automóveis bicombustíveis”, prevê o pres idente da União da Indústria da Cana-de-açúcar (Unica), Marcos Jank.

“Não vejo políticas de incentivo ao plantio de cana. Sem investimentos, até onde vai sobreviver o carro flex? O cenário lembra o dos anos 1990, quando o etanol simplesmente desapareceu”, compara Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). De acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP), as vendas de etanol hidratado pelas distribuidoras caíram 22% e as vendas de gasolina subiram 15% em relação ao primeiro semestre de 2010.

O setor culpa o preço fixo da gasolina – congelado pelo governo em R$ 1,05 por litro desde 2009 – como responsável pela perda de competitividade do etanol nas bombas. Por outro lado, o custo dos combustíveis no Brasil para o consumidor final ainda é maior do que nos países vizinhos. “Os empresários estão se arriscando. O custo do setor sucroalcooleiro cresceu 38% em cinco anos e, se essa alta for repas sada para o consumidor, o hidratado será inviabilizado”, argumenta Pires.

A jornalista viajou a convite da Mecânica de Comunicação.

Gazeta do Povo

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