Mercado

Margem estreita para liberalização agrícola

As barreiras que impedem a venda de produtos agrícolas brasileiros sofrerão pouca mudança, mesmo se países desenvolvidos e em desenvolvimento deixarem de se opor às propostas de negociação apresentadas na Organização Mundial do Comércio pelo coordenador das negociações sobre agricultura, Stuart Harbinson. Será preciso forte pressão para mudanças no sistema de subsídios, além das propostas por Harbinson, concluíram empresários e especialistas reunidos ontem na Câmara de Negociações Agrícolas Internacionais, no Ministério da Agricultura.

Os empresários foram unânimes em condenar qualquer iniciativa do governo para aceitar uma prorrogação no prazo final da chamada Cláusula de Paz – o compromisso firmado há quase dez anos pelos sócios da OMC de que, até dezembro deste ano, nenhum país questionaria a concessão de subsídios agrícolas, mesmo os que provocam distorção no comércio. Os governos europeus insinuam que vão querer a prorrogação dessa cláusula de paz, em troca de concessões como a redução de subsídios e promessas de redução de tarifas, e há rumores, em Brasília, de que a diplomacia cogita aceitar a idéia caso haja acordo sobre a continuidade das negociações agrícolas.

“O fim da cláusula de paz, com a ameaça de questionamento dos subsídios na OMC, é nosso maior trunfo”, observa o conselheiro e ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira, Pedro Camargo Neto, ex-secretário de Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura.

Os empresários não acreditam que a reunião ministerial da OMC, em Cancún, em setembro, traga perspectivas de derrubada sensível das barreiras tarifárias impostas a produtos de interesse do Brasil. Reunidos pelo Ministério da Agricultura, eles procuraram ontem traçar parâmetros para a ação dos diplomatas em Cancún e em uma reunião preparatória marcada para o fim deste mês, no Canadá.

O chefe do Departamento de Comércio Exterior da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Antônio Donizeti Beraldo, alertou os participantes da Câmara de que o Brasil terá de levar à Cancún alguma proposta de tratamento especial para países de menor desenvolvimento, com garantias de manutenção de altas tarifas para “produtos sensíveis”. Embora esses países sejam um mercado importante, destino de pelo menos 30% das exportações do Brasil, insistir em uma forte abertura nesses casos seria “um tiro no pé”, comparou Donizeti. Impediria uma aliança entre o Brasil e esses países e deixaria a diplomacia brasileira isolada nas negociações, argumentou. O desafio, segundo o vice-presidente da CNA, Gilman Rodrigues, será criar uma regulamentação estrita sobre os produtos “sensíveis” que teriam proteção garantida. Na ausência de ganhos importantes em redução de tarifas, o Brasil deve insistir na ampliação de cotas para produtos de grande interesse, como carnes, sugerem os especialistas.

O economista Marcos Jank, um dos principais especialistas em negociações comerciais no setor, mostrou que os países da UE e os EUA poderão se comprometer com reduções substanciais nos subsídios diretos à exportação, sem que isso afete os subsídios concedidos hoje. Isso porque a redução proposta por Harbinson, por exemplo (eliminação em nove anos, com corte de 50% nos primeiros cinco anos), toma por referência níveis de subsídios autorizados pela OMC, bem acima dos praticados pelos países, no caso dos subsídios diretos. No caso europeu, só dois produtos, açúcar e laticínios, dependem fortemente desses subsídios à exportação. “Os europeus vão vender muito caro qualquer concessão nesses subsídios”, prevê Jank.

Especialistas como Jank e Donizeti alertaram para a estratégia dos países desenvolvidos, de mudar certos aspectos dos subsídios agrícolas proibidos pela OMC – chamados subsídios da caixa amarela na OMC, vinculados ao aumento de produção – e manter os volumes da ajuda aos agricultores locais, sob outra forma (a chamada caixa verde dos subsídios na OMC, com ajuda financeira ligada a medidas como proteção animal e defesa do meio ambiente). O Brasil tem de ter como prioridade na OMC a discussão dos critérios para as “caixas” , as definições sobre que tipo de subsídio será proibido ou permitido pela OMC, argumentam os participantes da Câmara de Negociações Internacionais.

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