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Limite em terra para estrangeiro agrava escassez de cana

A indústria de cana-de-açúcar avalia que uma situação de escassez de matéria-prima poderá se prolongar nos próximos anos se for mantida uma norma do governo que limita compras de terras por estrangeiros no Brasil e consequentemente novas unidades produtoras de etanol e açúcar.

Um ano após a Advocacia Geral da União (AGU) emitir um parecer restringindo aquisições de terras por empresas controladas por estrangeiros, a preocupação é de que as discussões sobre o tema demorem mais, limitando o potencial de um setor que precisa dobrar sua produção de etanol apenas para atender a demanda interna projetada em dez anos.

A barreira aos estrangeiros veio após membros do governo anterior, incluindo o presidente Lula, terem manifestado preocupação com o crescimento das aquisições de áreas agrícolas por empresas de outros países, em um momento de alta nos preços dos alimentos e de aumento da demanda global por commodities.

“Nas estimativas mais conservadoras, a produção de etanol teria que saltar de 22 bilhões de litros em 2010 para 47 bilhões em 2020… (Assim) serão necessários 84 bilhões de dólares em dez anos, e obviamente não teremos todo esse recurso vindo de capital brasileiro”, afirmou um porta-voz da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).

Segundo a Unica, pelo menos 25 por cento da moagem de cana do Brasil está nas mãos de grupos com controle estrangeiro. E muitos deles já detêm uma área que está no limite do que permite a lei.

A multinacional Bunge, uma das maiores empresas do agronegócio, com mais de cem anos de atuação no país, é um bom exemplo. Durante recente anúncio de investimentos para expandir unidades de cana já existentes , executivos da companhia afirmaram que, enquanto não for resolvida a questão das terras para estrangeiros no Brasil, descartam novas usinas.

“Normalmente nos greefields (projetos novos) você precisa inicialmente ser dono das terras… é necessário ter o controle sobre as terras para ter a garantia de fornecimento da cana”, explicou o presidente mundial da Bunge, o brasileiro Alberto Weisser, após encontro com a presidente Dilma Rousseff, no qual o tema foi discutido.

Mesmo aquelas companhias que não estão no limite da propriedade permitida também enfrentam problemas. “Uma empresa associada da Unica que testou o rito regular (estabelecido pelo parecer da AGU) não teve acesso (ao registro da terra). E era uma propriedade na porta da usina… Hoje qualquer ato para ter registro de imóveis vai enfrentar problemas, o próprio registrador está com o pé atrás, ele ainda não entendeu muito bem a nova regra”, disse o representante da Unica.

A CNA (Confederação da Agricultura e da Pecuária do Brasil) diz que por conta do parecer investimentos de aproximadamente 16 bilhões de reais no setor de cana previstos até 2017 estão represados. O dado foi apresentado pela entidade que representa os agricultores em audiência na quarta-feira na Comissão de Agricultura e Pecuária da Câmara.

O Congresso Nacional, aliás, é onde o setor privado acredita que poderá encontrar uma solução para o tema.

“O parecer não será revertido. Existe uma resistência muito forte da própria Advocacia de voltar atrás na posição dela, o que leva a uma conclusão de que a única saída possível é fazer uma nova lei”, afirmou o especialista da Unica, lembrando que dentro do governo ainda não há uma posição uniforme.

A Advocacia Geral da União informou que está rediscutindo a questão com vários ministérios. Mas, segundo a assessoria de comunicação da AGU, ainda “não há definições quanto a eventual medida de aperfeiçoamento” da norma.

CHANCE PARA CONCORRENTES

Enquanto o Brasil discute o tema, abre oportunidades para outros países concorrentes do Brasil crescerem no setor, disse o diretor da Job Economia, Júlio Maria Borges.

“Hoje as multinacionais que analisam investimentos em cana estão considerando outros países também, a Austrália é uma opção, a Tailândia, a África, a própria América Central… Então é bom colocar as barbas de molho”, afirmou.

Arnaldo Corrêa, diretor da Archer Consulting, também criticou a “falta de transparência” para investimentos em terra e disse que a questão está entre os fatores que colocam em risco a potencial expansão da produção nacional -o controle estatal dos preços da gasolina é outro item que limita investimentos em etanol.

Segundo Corrêa, com a grande expansão da frota flex a demanda potencial será tão expressiva que o setor teria que moer 900 milhões de toneladas de cana até 2016, contra cerca de 500 milhões atualmente no centro-sul.

Mas caso não consiga elevar sua produção, o Brasil também poderá perder seu próprio mercado de etanol, para a gasolina, como vem ocorrendo em 2011.

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