Mercado

Indústria combate lobby contra o açúcar

Alvo de ataques na mídia, indústria européia vai à Justiça e obtém € 6 milhões. O canal educativo de TV por assinatura Discovery Kids apresentou recentemente no Brasil um episódio do programa LazyTown em que o preguiçoso personagem Robbie Rotten envenena o super-herói atlético Sportacus com uma maçã feita de açúcar. A garota Stephanie percebe a malvadeza de Rotten e dá a Sportacus uma maça de verdade. O herói come a fruta e recupera a consciência a tempo de levantar-se e ganhar a corrida que disputava com o vilão da estória.

O episódio de LazyTown é apenas uma amostra de um amplo movimento realizado na mídia contra o açúcar, principalmente na Europa e Estados Unidos. “O açúcar, hoje, serve para promover outros produtos, como os lights, diets, além de sucos, chás e adoçantes. A publicidade denigre a imagem do açúcar para vender produtos sem adição de açúcar”, critica o francês Claude Risac, diretor-geral do Centro de Estudos e de Documentação do Açúcar, com sede em Paris.

Risac participou na última semana, em Ribeirão Preto, da 25ª. reunião do conselho da Associação Mundial dos Produtores de Cana e Beterraba (cuja sigla em inglês é WABCG). Risac apresentou uma série de comerciais de TV europeus em que o açúcar é desabonado em favor de outros produtos.

Indenização na Justiça

“A indústria européia foi à Justiça contra essa publicidade e ganhamos bastante dinheiro”, afirmou Risac. Segundo ele, os produtores europeus de açúcar de beterra-ba ganharam só no ano passado € 6 milhões em ações judiciais contra empresas que fizeram publicidade denegrindo o açúcar. “Segundo uma lei da Organização Mundial do Comércio (OMC), a publicidade tem que promover um produto, e não denegrir a imagem de outro”, afirma o francês.

Risac conta que em 2004 a indústria européia acionou a Pepsi para que a companhia retirasse do ar a propaganda de um refrigerante sem açúcar que relaciona o derivado da cana e da beterraba com o medo. “Infelizmente, perdemos a ação. Mas mostramos que estamos atentos e ativos na defesa do açúcar”, diz Risac. “A sugestão das propagandas é que o açúcar não é saudável, mas eles nunca dizem o porquê”, reclama Risac.

O secretário-geral da WABCG, o norte-americano David King, lembra que, em 2003, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apresentou estudo alertando para a necessidade de os países controlarem o consumo de açúcar, sal e gordura para evitar a propagação de doenças crônicas como obesidade, diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. A OMS propôs que o consumo de açúcar não ultrapasse a 10% do aporte alimentar, que para um adulto equivale a 2.500 calorias por dia.

Como cada grama de açúcar tem quatro calorias, o recomendável seria a ingestão de, no máximo, 62,5 gramas de açúcar simples por dia, o que resultaria num consumo anual de 22,8 quilos per capita/ano. É um volume bem abaixo do consumido em países como Cuba e Brasil (ver mapa acima), mas acima do consumido no Japão e em países pobres como Ruanda (2,2 kg/per capita/ano) e Bangladesh (2,4).

Na ocasião, a indústria americana rejeitou a recomendação por julgá-la muito restritiva e sugeriu o limite de 25%. Os produtores ameaçaram pedir ao Congresso a suspensão de sua contribuição anual de mais de US$ 400 milhões à OMS se a recomendação fosse mantida. A OMS atenuou a polêmica, afirmando tratar-se de uma simples recomendação e que, pelo menos naquele momento, não havia a intenção de propor negociação de um acordo internacional para combater o consumo de açúcar, como no caso do tabaco.

“A literatura científica me permite dizer que não há, em princípio, ligação direta de ingestão de açúcar com doenças do coração, obesidade e diabetes. Essas doenças têm causas complexas e não dependem apenas do açúcar”, afirma o médico José Eduardo Dutra de Oliveira, professor do departamento de clínica médica da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo Dutra de Oliveira, estudos mostram que dietas com baixa ingestão de açúcar são associadas à perda de peso e dietas com elevado consumo de açúcar têm ligação com o aumento de peso. “Mas os estudos não associam essas relações com fatores genéticos, biológicos e comportamentais, que são mais importantes”, diz o professor.

“Açúcar e gordura são os combustíveis da vida. Mas recomendamos uma distribuição sadia de macronutrientes, com 50% a 60% de carboidratos, 20% a 30% de gorduras e 10% a 15% de proteínas”, diz Dutra.

“Nenhum alimento faz mal, desde que ingerido sem excessos”, diz o médico e também professor da USP. Segundo ele, estudos associam o excesso de açúcar principalmente à obesidade, que, por sua vez, pode levar à hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares. “Mas a medicina não é tão exata assim, pois tudo depende dos fatores biológicos das pessoas”.

Consumo no Brasil

No Brasil, os produtores de cana não têm a mesma preocupação que os europeus e americanos. “Aqui, dificilmente vê-se alguma coisa contra o açúcar”, diz Manoel Ortolan, presidente da Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil (Orplana). “O consumo de açúcar e álcool cresce no mundo inteiro e o Brasil só tem a ganhar com isso”.

De fato, o economista-chefe da Organização Internacional do Açúcar (OIA), Sergey Gudoshnikov, apresentou durante a reunião da WABCG a previsão de aumento de 3,8% no consumo mundial de açúcar no ano-safra 2005/06, que começa a partir de setembro próximo. A previsão é de que o consumo cresça em 5,5 milhões de toneladas, para 150,5 milhões de toneladas.

Maior produtor e exportador mundial de açúcar, o Brasil produziu 26,5 milhões de toneladas na última safra, das quais 65% foram exportadas.

Mesmo que o consumo mundial da commodity caia, o que é pouco provável de acontecer, o País pode mudar o mix aumentando a produção de álcool combustível, produto energética e ecologicamente correto que tem despertado interesse em consumidores de todo o planeta.

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