Mercado

Independente da cana, Piracicaba agora procura mão-de-obra

“Procuram-se aposentados para trabalhar em metalúrgicas.” A notícia corre de boca em boca nas principais indústrias de transformação e autopeças da cidade de Piracicaba. E a demanda por mão-de-obra especializada tem levado parte das indústrias locais a contratar trabalhadores aposentados ou de fora da cidade para compor seu quadro de funcionários.

Cesário Brossi Neto, 51 anos, é um deles. Aposentado, recebeu uma proposta para voltar a trabalhar na NG Metalúrgica. Aceitou o convite na hora. Brossi, que já tinha trabalhado na empresa, experimentou carreira solo no início de sua aposentadoria, mas decidiu pendurar as chuteiras para ficar mais perto da família. Há sete meses, voltou à NG e assumiu o cargo de controle de qualidade. Com salário de R$ 1.300, dobra sua renda.

Coordenador de Recursos Humanos da NG, Nilson Furoni disse que a metalúrgica possui 10% de aposentados em seu quadro de funcionários (de um total de 1.000). “Não há profissionais especializados no mercado. Temos que buscá-los com lupa”, afirma. Além dos aposentados, a NG procura no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) novos talentos para a linha de produção da empresa. É o caso de Gilvan da Silva, 23 anos, recém-formado no Senai. Ex-feirante, Silva decidiu ser metalúrgico de olho nos benefícios que a empresa oferece.

Na Dedini Indústria de Base, a situação é parecida. Márcia Mendes, 28 anos, ex-operadora de caixa, formou-se no ano passado como soldadora no Senai e logo foi absorvida pela companhia. Márcia foi a primeira mulher contratada pela Dedini para ocupar este cargo. Sérgio Leme, vice-presidente da companhia, dá uma explicação poética para a contratação da jovem. “As mulheres têm maior aptidão para o trabalho manual, parecido com a função do soldador.” Leme pode até ter razão sobre as aptidões femininas, mas ele mesmo admite que este tipo de profissional está em falta no mercado.

A corrida por mão-de-obra especializada em Piracicaba ocorre há pelo menos três anos. O reaquecimento do setor sucroalcooleiro, devido ao boom do etanol, é um dos fatores que impulsionam a economia. Mas não é só isto. O prefeito Barjas Negri (PSDB/SP) lembra que a cidade teve forte investimento com o Proálcool nos anos 70, mas passou por uma crise provocada pelo próprio álcool no fim dos anos 80 e durante os anos 90. Para não fechar as portas, a indústria teve de se adaptar à realidade.

É o caso da Dedini, que nos anos 80 tirava quase 100% do seu faturamento do açúcar e álcool, diz Sérgio Leme, vice-presidente da empresa. Atualmente, são quatro os principais ramos de negócio e açúcar e álcool tem peso de 50%. Os segmentos de papel e celulose, térmicas e indústrias em geral, abocanham 20%; os equipamentos para cervejarias, alimentos e tratamentos de afluentes, outros 15%; e equipamentos para siderurgia, mineração, petróleo e gás, 15%. A diversificação ocorreu pela crise do açúcar e álcool. “Muitas empresas que trabalharam para a Dedini àquela época quebraram”, afirma Leme, lembrando que a própria companhia passou por uma das piores crises naquela época. A busca por mão-de-obra não se restringe apenas ao chão de fábrica, Leme conta que já foi sondado várias vezes por “head hunters”.

Apesar de considerada um celeiro intelectual e de mão-de-obra especializada – a cidade abriga três grandes universidades, escolas técnicas profissionalizantes, duas unidades do Senai e a promessa de abrigar uma Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec), Piracicaba não tem dado conta da demanda. Levantamento da Universidade Metodista de Piracicaba, com base nos dados do Ministério do Trabalho, mostra que o saldo de empregos na cidade ficou em 4.590 vagas de janeiro a maio deste ano, alta de 160% em relação a igual período de 1997. Segundo Francisco Crocomo, coordenador do curso de Ciências Econômicas da Faculdade de Gestão e Negócios (FGN) da Unimep, a demanda por trabalhadores em alguns setores, como metal/mecânica, é maior que a oferta. “Muitas indústrias buscam mão-de-obra de fora da cidade.”

Sérgio Fortuoso, diretor-executivo da Associação Comercial e Industrial de Piracicaba (Acipi), acredita que uma eventual crise no setor sucroalcooleiro hoje não provocaria o mesmo efeito devastador na região como no fim dos anos 80 e 90. “A cidade cresceu, expandiu as atividades, tem várias universidades e várias empresas varejistas e de serviços na região.”

Luciano Almeida, secretário de Indústria e Comércio da cidade, faz o coro. “Temos três pilares de sustentação econômica. Além do setor sucroalcooleiro, autopeças é forte, com empresas como Delphi, como grande empregadora, além de uma cadeia múltipla de companhias, como a Belgo Mineira, Votorantim, Kraft Foods, Klabin, entre outras”, diz. “Há pelo menos sete anos, Piracicaba descolou-se de Campinas e faz parte de um pólo, que abrange outros 14 municípios (1,5 milhão de habitantes).”

Neste segundo semestre, entra em operação na cidade a primeira fábrica da coreana Cheil Jedang (CJ) Corporation, um investimento inicial de US$ 100 milhões para produzir lisina (aminoácido para ração). “Boa parte dessa produção será exportada”, diz Almeida. “Eles sinalizaram que os investimentos na ampliação da fábrica podem chegar a US$ 500 milhões.”

Maior empregadora da cidade, com 4.800 trabalhadores, a Caterpillar Brasil, fabricante de máquinas e equipamentos de construção, está formando um cluster na região, que deverá incluir outras cerca de 20 empresas. José Carlos Maranha, diretor industrial da empresa, faz parte de um grupo de empresários da região que trabalha no programa Piracicaba 2010, traçando planos estratégicos para a região nos próximos anos. “Esse programa abrange aspectos socioambientais e planos de desenvolvimento para a região, em uma parceria com o setor público e privado.”

A agropecuária, que dominou a atividade econômica da região há algumas décadas, também passa por diversificação. A pecuária foi transferida para outras regiões, como Centro-Oeste. O avanço da cana, devido ao álcool, ainda encontra certa resistência na região. Além das terras mais caras, Piracicaba encontrou seu perfil na indústria. As usinas de açúcar e álcool não têm presença maciça na cidade, que tem apenas uma usina, a Costa Pinto, do grupo Cosan. A região, que abrange 14 municípios, processa em torno de 13,2 milhões de toneladas de cana, 5% do que é colhido no Estado. O pólo de Ribeirão Preto responde por 60%.

O forte da atividade sucroalcooleira na região está nas indústrias que fornecem equipamentos para as usinas da região (10 unidades). Por isso que Aparecida de Jesus Pino, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Piracicaba, diz que os problemas deflagrados pelo Ministério Público do Trabalho em canaviais como trabalhadores em péssimas condições de trabalho em outros pólos do Estado não atinge sua região. Mesmo assim, a cana inflaciona os salários de Piracicaba. O rendimento médio do cortador de cana da região gira em torno de R$ 700, 40% mais que de um lavourista de laranja.

Banner Revistas Mobile