Mercado

“Há outros caminhos”

Dia 1º de março de 2005. Este dia entrou para história como a maior renegociação já feita por um governo diante de seus credores, nacionais e internacionais. Os protagonistas desta história foram nossos vizinhos argentinos que conseguiram a renegociação de 75% de uma dívida de US$ 81,8 bilhões. Mágica, não. Este foi o resultado da mais dura proposta de renegociação já feita por um país devedor – a oferta consistia em pagar de 25% a 30% do débito, trocando os papéis antigos por novos, com juros baixos e prazo de 42 anos. Claro, este tango ainda não chegou ao final, mas pode significar um marco nas negociações envolvendo os órgãos financeiros internacionais e países em desenvolvimento como Brasil, Argentina e tantos outros.

Em dezembro de 2001, a Argentina deixou de pagar seus credores privados, num contexto de colapso econômico e convulsão social. A crescente recessão econômica, associada a abrupta desvalorização do peso, causou um empobrecimento sem precedentes na história Argentina e proporcionou uma instabilidade política na Casa Rosada, que teve nada menos que seis governantes no curto período de 16 meses, incluindo os interinos. Ou seja, a moratória não foi uma escolha, mas uma necessidade.

A medida causou espanto no mundo todo, o país viveu momentos de extrema dificuldade no seu relacionamento com órgãos de financeiros internacionais – alguns chegaram a propor medidas de intervenção internacional.

Mas, o interessante neste caso se refere a alguns dados apresentados pelo Idec – Instituto Nacional de Estatísticas e Censo, o IBGE argentino. A economia, no período de 2001 a 2004, cresceu US$ 19,155 bilhões. Um patamar de 7,2%, portanto, mais do que o Brasil de Lula em seus dois anos de administração, sem moratória. O desemprego, que chegou ao índice de 18,3%, em 2001, fechou 2004 em 12,1%.

Mas vale lembrar, o crescimento argentino não se deu por conta da moratória, mas apesar da moratória. Um dos pilares desta retomada é uma política monetária expansionista, com juros negativos. O rendimento dos títulos de referência do Banco Central argentino varia entre 2,75% e 3,25%. Mesmo assim, a inflação de lá vem sendo menor que a brasileira. No ano passado, os preços subiram 6,1% na Argentina, enquanto no Brasil foi de 7,5%. Em vez de conter a inflação via juros, o BC argentino tenta contê-la pelo controle da quantidade de moeda em circulação. No campo externo, a Argentina tem uma política agressiva de acumulação de reservas, o que dá fôlego para um sistema de câmbio competitivo voltado para as exportações. Além disso, o governo também estuda a possibilidade de controle dos capitais. Os próximos passos: retomar as negociações com o FMI, mas para produzir um superávit fiscal de 3% do PIB, bem menos que o arrocho brasileiro de 4,25%.

Não sou daqueles que acham que a moratória Argentina foi a descoberta do novo século. Também não sou partidário de que o caminho defendido tenha sido o mais perfeito de todos, pois acredito que foi uma solução argentina para os problemas argentinos. Mas, não há como ignorar o fato de que lá se tentou uma alternativa que desencadeou um processo de renegociação que diminuiu a carga sobre o país.

Será que isso pode ser feito aqui no Brasil, que tem outro montante de dívida e outra inserção internacional? Será que isso poderá agora ser repetido de uma forma impune? Será que o rigoroso cumprimento de todas as metas negociadas com o FMI, não nos permite sonhar? Tentar redefinir o que se conceitua côo déficit e superávit? Pleitearmos que investimentos em infra-estrutura sejam excluídos do cálculo do superávit?

Hoje, assistimos quase uma unanimidade de economistas, inclusive dentro do governo petista, afirmando que não há nenhuma alternativa fora do modelo econômico que aí está. O caso da Argentina demonstra que há outros caminhos, ou pelo menos variações, que permitam um crescimento realmente sustentável. O que está claro é que simplesmente viver de fatos consumados ou se submeter a dogmas sem questioná-los não abre novos caminhos. Afinal, apesar de sermos “o menino de ouro” do FMI, a maioria da população brasileira merece bem mais que isso.

Arnaldo Jardim é deputado estadual e líder do PPS na Assembléia Legislativa – e-mail: [email protected] ou www.arnaldojardim.com.br.

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