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Eliminar pobreza é melhor estratégia, diz vice do IPCC

Tecnologia de redução de emissões pode ser criada rápido se governos derem o sinal certo às indústrias, afirma Mohan Munasinghe

A melhor estratégia de adaptação às mudanças globais no clima é a redução da pobreza, especialmente nos países africanos. Sem isso, afirma o economista cingalês Mohan Munasinghe, vice-chefe do IPCC, “as pessoas não vão viver o suficiente para sentirem os efeitos das mudanças climáticas”. Em entrevista à Folha, concedida na véspera do lançamento do sumário executivo do Grupo de Trabalho 2 do painel do clima, Munasinghe diz que o relatório não é catastrofista e que os países ricos devem tomar a dianteira na redução dos gases-estufa. Leia a entrevista. (MAC)

FOLHA – Qual é a principal mensagem deste relatório para os países pobres?

MOHAN MUNASINGHE – Ela é muito séria: o cinturão tropical, onde estão os países em desenvolvimento, será muito afetado, os países mais pobres sofrerão os piores efeitos e os grupos mais pobres são os mais vulneráveis. Na América Latina há três problemas específicos: a escassez de água é o primeiro. Se a temperatura subir entre 1C e 2C, que é o que se prevê para o fim do século, devemos ter 50 milhões de pessoas afetadas pela falta dágua. E isso também tem conseqüências na produção de comida. Outro é a redução da biodiversidade, principalmente na floresta amazônica. Com um aumento de até 2C, as árvores serão as principais afetadas. A partir daí, muitos animais serão afetados, porque não conseguem migrar no mesmo ritmo das mudanças climáticas. O terceiro é a perda de geleiras, especialmente na região dos Andes. Esses efeitos têm uma chance alta de acontecer, e, como já há uma quantidade de gases do efeito estufa na atmosfera, mesmo com a parada total das atividades humanas alguns vão acontecer.

FOLHA – O que se deve fazer?

MUNASINGHE – Para os países em desenvolvimento, que já têm problemas sérios de pobreza, a principal prioridade é aumentar a renda da população e a qualidade de vida. Afinal, se não resolvermos os problemas de desenvolvimento hoje -má nutrição, falta de saúde, de habitação- as pessoas não vão viver o suficiente para sentirem os efeitos das mudanças climáticas. E o modo de fazer isso é combinando melhorias de renda e erradicação da pobreza com redução de emissões.

Combater as mudanças climáticas e criar estratégias de adaptação a elas não significa que precisamos abrir mão do desenvolvimento.

FOLHA – Como devem ser divididas as responsabilidades sobre a redução de emissões? É cada vez mais consensual que os países pobres deverão também adotar metas.

MUNASINGHE – Os países desenvolvidos têm de mostrar liderança na mitigação das mudanças climáticas. Os países em desenvolvimento têm consciência e querem contribuir, mas suas emissões per capita são muito pequenas se comparadas com as dos países ricos, e eles precisam aumentar seu uso de energia para crescer, então eles ainda têm um espaço para aumentar suas emissões. Os países desenvolvidos é que precisam reduzir suas emissões, e podem fazer isso sem diminuir a qualidade de vida, há tecnologia para isso. Os países europeus são muito mais sérios nisso do que os EUA, que não aceitam o protocolo de Kyoto.

FOLHA – Qual é a sua opinião sobre o programa brasileiro do álcool?

MUNASINGHE – O etanol não deve ser visto apenas sob a ótica das mudanças climáticas, já que as emissões de carbono são apenas uma pequena parte da equação. O mais importante do etanol é seu papel na segurança energética, já que a demanda por petróleo segue aumentando e as reservas começaram a declinar. Ele só não serve para países com pouca terra, destinada só à produção de comida.

FOLHA – O resultado do relatório do Grupo de Trabalho 2 é motivo para pânico?

MUNASINGHE – Não será uma apresentação catastrofista. As pessoas verão que as mudanças não vão acontecer da noite para o dia. Até 2030 veremos alguns efeitos modestos, centrados principalmente nos ciclos hidrológicos e no derretimento das geleiras. Até 2050 os efeitos serão maiores e crescem daí por diante, mas nossos poderes de previsão não são tão apurados a partir dessa data. A informação mais dramática é que eventos extremos, como furacões, vão ficar mais comuns.

FOLHA – Ainda há espaço para ceticismo em relação ao aquecimento?

MUNASINGHE – Eu já achava há seis anos, no terceiro relatório, que havia pouco espaço para negação. Com os dois últimos relatórios, eliminamos a possibilidade de negar a influência da ação humana e a relação entre mudanças climáticas e mudanças naturais. O único argumento a que os negadores ainda podem se agarrar é o de que talvez precisemos de mais tempo para a mitigação. Alguns dizem que é muito caro começar esse trabalho agora, que daqui a 20 anos teremos novas tecnologias e poderemos resolver isso muito mais rapidamente. Se sinalizarmos hoje às empresas que estamos falando sério sobre as ações para mitigar as mudanças climáticas, elas desenvolveriam a tecnologia em poucos anos. Se ficarmos divididos, considerando começar a mitigação daqui a 20 anos, as empresas não farão nada.

FOLHA – Quanto o público ainda agüenta ouvir sobre mudança climática? A repetição excessiva da mensagem não pode acabar dessensibilizando a população?

MUNASINGHE – Como a mudança climática é um fenômeno que se manifesta a longo prazo e os interesses das pessoas são mais imediatos, esse cansaço pode acontecer. Mas o aumento dos eventos climáticos extremos pode mudar isso -um furacão Katrina desperta muita atenção sobre o clima. Não quero dizer que todos os eventos extremos são causados pelas mudanças climáticas, mas esses eventos lembrarão as pessoas, de tempos em tempos, que o problema está lá.

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