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Doce hoje, amargo amanhã?

Confira artigo de Arnaldo Luiz Corrêa

Doce hoje, amargo amanhã?

O mercado futuro de açúcar em NY se comportou razoavelmente bem esta semana. O contrato com vencimento para março/24, o mais líquido agora, encerrou o pregão da semana cotado a 27.32 centavos de dólar por libra-peso, uma elevação acumulada de apenas 16 pontos comparativamente à semana passada, ou seja, pouco mais de 3.50 dólares por tonelada.

Estamos confiantes de que a semana em curso será um marco crucial para a direção dos preços, especialmente em vista da entrega física contra o vencimento do contrato de outubro de 2023, que ocorrerá na próxima sexta-feira.

Uma coisa nos chamou a atenção: os contratos futuros em NY correspondentes à safra 2024/25 do Centro-Sul, encerraram a semana praticamente inalterados, com valorização pouco acima de um dólar por tonelada. Enquanto a safra seguinte – a 2025/26 – experimentou uma valorização média de 9 dólares por tonelada. Por que será que isso ocorre?

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Na nossa opinião, as cotações de fechamento de NY nos vencimentos de março/24 até março/25, convertidas em reais por tonelada pela curva do NDF (Non-Deliverable Forward), um contrato a termo de moeda com liquidação financeira, oferecido pelos bancos e outras instituições e, descontados para o valor presente usando a curva média do IPCA (Inflação) mostra um valor presente líquido de R$ 2,833 por tonelada.

Se olharmos a distribuição normal desses preços ajustados pela inflação desde janeiro de 2000, que a Archer Consulting mantém no seu banco de dados, descobrimos que em apenas 7.5% (na média dos cinco vencimentos citados), os preços de NY estiveram acima desse nível. Por isso, nossa recomendação para as usinas continua sendo a de fixar o preço dos açúcares de exportação para este período.

Para a safra seguinte, de maio/25 até março/26, temos falado que os preços em centavos de dólar por libra-peso têm potencial de subida uma vez que o preço médio do fechamento desses contratos, há poucas semanas, estava abaixo de 20 centavos de dólar por libra-peso. Orientamos os compradores industriais a se protegerem contra eventual alta desses contratos. Ora, na semana, a valorização média deles foi de quase 10 dólares por tonelada. Em nossa visão, os preços da 25/26 tem um potencial de alta de pelo menos 150 pontos. Por quê?

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Arnaldo Correa

As usinas se surpreenderam com o aumento de produção este ano e com a melhora na produtividade. “É muita cana”, como me disse um usineiro. Existe por parte de algumas empresas a preocupação de que não terão condições de moer tudo o que produziram o que faz com que sejam forçadas a vender cana para algum concorrente vizinho.

Ora, se o volume de cana esse ano foi bom ao ponto de precisar vender o excesso, abre-se a possibilidade que a renovação do canavial – normalmente de 1/6 da área – deixe de ser prioridade. Essa determinação pode comprometer a produção da 25/26. Não há dúvidas de que tudo isso ainda é muito prematuro, no entanto, nossa recomendação é não fixar preços de exportação de açúcar contra maio/25 em diante.

Se houver necessidade imperiosa de se fixar preços de venda de açúcar – em especial para as usinas que investiram em fábrica de açúcar e querem garantir um mínimo de remuneração para pagar o investimento – que pelo menos fixem os preços combinando com a compra de uma opção de compra fora-do-dinheiro para se proteger contra uma eventual recuperação do açúcar.

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Um dos principais desafios no processo de tomada de decisão para as usinas — particularmente na escolha entre fixar ou não fixar preços futuros — advém da volatilidade informativa gerada pelas agências de notícias. Antes mesmo do início da safra 2023/24, que tem previsão de começar em outubro, já circulam projeções cada vez menores sobre a produção de açúcar na Índia.

O intrigante é que essas estimativas surgem com um nível de precisão que vai até a terceira casa decimal, mesmo sem que a primeira cana tenha sido moída no país. Em contraste, no Brasil, onde mais de 60% da safra já foi processada, ainda enfrentamos dificuldades em chegar a um consenso sobre as estimativas de produção. Confesso que não sei a lógica.

Independentemente disso, como bem lembrou em seu comentário diário esse mestre Jedi dos mercados futuros, Michael McDougall, da PGM, em setembro de 2009, pouco antes do início da safra 2009/10 da Índia, o mercado embarcou numa narrativa segundo a qual aquele país iria importar açúcar em 2010.

Isso fez os preços futuros do açúcar em NY subirem para o estratosférico patamar de 30.40 centavos de dólar por libra-peso em fevereiro de 2010, para, em seguida, ver o mercado derretendo para 13.00 centavos de dólar por libra-peso em maio, ou seja, em pouco mais de 60 pregoes o mercado futuro em NY despencou 57%.

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O maior derretimento do açúcar num trimestre, desde 2000. Para se ter uma comparação, na pandemia, o derretimento do açúcar no mesmo período foi de “apenas” 38%. E você achando que a montanha-russa do parque era emocionante!

Alimentando os altistas, os fundos não-indexados aumentaram sua posição total comprada segundo o COT (Commitment Of Trades), relatório dos comitentes, publicado nesta sexta-feira pelo CFTC (Commodity Futures Trading Commission), agência independente do governo dos Estados Unidos, que regula os mercados de futuros e opções das commodities, com base nos dados apurados na última terça-feira em relação à semana anterior. Agora os fundos estão sentados em cima de 198,670 contratos comprados, equivalentes a 10 milhões de toneladas de açúcar.

É digno de nota que a ICE, a bolsa de futuros de açúcar em Nova York, optou por manter as margens de garantia inalteradas, apesar da notável alta de mercado. Esta inação não contribui para mitigar os riscos de volatilidade significativa, frequentemente instigados por fundos, que podem resultar em restrições de liquidez para as casas comerciais e até ameaçar a estabilidade do setor como um todo. Um ajuste nas margens de garantia poderia incentivar os fundos a desalavancar suas posições.

Vamos ver o que nos aguarda a próxima semana. Como diria Keynes, “É melhor estar aproximadamente certo do que precisamente errado”.

Arnaldo Luiz Corrêa é sócio-diretor da Archer Consulting

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