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Dirigindo pelo corredor do E-85, à procura de etanol

Em pé ao lado de sua picape em um posto de gasolina daqui, Robert Beck apertou a mangueira amarela e abasteceu com um combustível composto de 85% de etanol à base de milho e 15% de gasolina que as montadoras, agricultores e políticos adoram promover como uma solução para o vício americano em petróleo.

Beck, um agrônomo barbado que viaja pelo Meio-Oeste, gosta da idéia do E-85, como a mistura de combustível é conhecida, porque é feito em grande parte à base de um produto doméstico. Mas para ele, comprar o combustível é quase mais difícil do que vale a pena.

“Todos falam a respeito, mas onde encontrá-lo?” ele disse. “É preciso ter mais combustível disponível para os consumidores comprarem.”

Isto poderá levar algum tempo.

Para avaliar como os esforços para ajudar o E-85 a pegar estão se saindo, um repórter do “New York Times”, acompanhado parte do tempo por um fotógrafo, dirigiu 3.380 quilômetros pela região onde é maior sua popularidade. Eles descobriram que apesar de toda boa vontade em relação ao etanol (álcool), o sucesso está longe de estar garantido.

O combustível conta com muito apoio poderoso. A General Motors usou o Super Bowl (a final do futebol americano) neste ano para lançar sua campanha “Viva Verde, Compre Amarelo”, para encorajar os americanos a comprarem veículos que rodem tanto com E-85 quanto com gasolina comum. A Ford Motor e a VeraSun Energy, a segunda maior produtora de etanol depois da Archer Daniels Midland, batizou os 480 quilômetros de estrada entre Chicago e Saint Louis de “Corredor do Etanol do Meio-Oeste” em uma campanha de marketing que teve início em junho.

Mas também há muitos reveses. A maioria das companhias de petróleo não quer ter nada a ver com o E-85, que consideram como uma alternativa causadora de prejuízo aos seus próprios produtos baseados em petróleo. Sem a ajuda da indústria do petróleo ou muito mais carros flex nas ruas, os postos de gasolina estão hesitantes em instalar bombas caras, que podem custar até US$ 200 mil com um novo reservatório de armazenagem subterrâneo.

“Não há como o E-85 sobreviver por conta própria sem enormes subsídios dos governos estaduais e federal”, disse Lawrence J. Goldstein, presidente da Fundação de Pesquisa da Indústria do Petróleo, uma consultoria de energia em Nova York.

Muitos motoristas cujos veículos rodam à base de etanol não comprarão o E-85 a menos que seja bem mais barato do que a gasolina comum, o que nem sempre é o caso. Parte do motivo é economia básica: o E-85 proporciona apenas três quartos de energia por galão que a gasolina, o que significa que os motoristas terão que encher seus tanques com mais freqüência se quiserem usar o combustível.

Mais de 850 postos de gasolina vendem o E-85, um aumento em comparação aos 350 desde o início de 2005, mas o combustível ainda não está disponível na maioria dos 169 mil postos nos Estados Unidos. As vendas são tão baixas que alguns postos contam seus clientes regulares de E-85 em uma mão.

Clientes como Beck, que querem o combustível, lutam para encontrá-lo: em Illinois, 135 postos o vendem, mas na vizinha Missouri apenas 54 postos possuem bombas de E-85. Kansas tem apenas 13.

Nada disto desencoraja os defensores do E-85, que estão pressionando

incansavelmente pela expansão do uso do combustível, que já se beneficia de um subsídio de 51 centavos por galão para produtores de todas as formas de etanol.

E em Estados como Illinois, o segundo maior produtor de milho do país, atrás de Iowa, os políticos estão preparando financiamento estadual para subsidiar a instalação de bombas, oferecendo ao mesmo tempo incentivos fiscais para os clientes que usarem o combustível.

“O E-85 é na verdade I-85″ -se trata de independência em energia”, disse Daniel Yergin, presidente da Cambridge Energy Research Associates, uma consultoria de energia.

Mas tal sonho ainda permanece longe do alcance. Por um lado, o E-85 mal

existe fora do Cinturão do Milho. Não é possível abastecer com o combustível em Nova York ou na Nova Inglaterra. A Califórnia possui apenas um posto.

E mesmo em Chicago, na entrada do corredor do etanol, foi difícil encontrar um carro flex para a viagem. Quando Janet Conlon, uma agente de viagens da Garber Travel, contatou quatro grandes empresas de aluguel de carros, nenhuma disse dispor de tais veículos.

“Ninguém tinha idéia do que eu estava falando”, disse Conlon. O “Times”

acabou alugando um Chevrolet Impala flex de uma empresa afiliada da General Motors.

Na primeira parada, no Beckers Hotrod BP em Dwight, Illinois, a 120

quilômetros ao sul de Chicago, o E-85 custava US$ 2,70 o galão

(aproximadamente R$ 1,52 o litro), 50 cents mais barato do que a gasolina sem chumbo do posto.

Quatro anos atrás, a Associação dos Produtores de Milho de Illinois abordou Phillip E. Becker, o dono do posto e um antigo vendedor de gasolina, com a oferta de pagar pela instalação de uma bomba de E-85, um investimento de cerca de US$ 100 mil. Como o álcool no E-85 corrói os reservatórios tradicionais de gasolina, um novo reservatório subterrâneo era necessário, juntamente com mangueiras especiais de combustível e um distribuidor especial.

Becker, disposto a ajudar os agricultores locais, aceitou o acordo,

concordando em vender o E-85 sem nenhum lucro por pelo menos cinco anos, para que pudesse vender o produto a um preço mais baixo que o da gasolina.

“Eu estou vendendo a preço de custo por boa-vontade”, disse Becker. O E-85, ele disse, também ajuda a trazer clientes para sua loja à procura de refrigerantes e miniaturas de carros, assim como ao Burger King vizinho, no qual tem participação nos negócios. Mas sem a ajuda da associação dos produtores, ele disse, ele provavelmente não teria feito o investimento.

Becker tem desfrutado da celebridade local que a bomba de E-85 lhe trouxe. As autoridades do Estado de Illinois até mesmo tiraram fotos de lá para cartões postais que são colocados nos veículos dos funcionários públicos, pedindo para que abasteçam no posto de Becker.

Mas as vendas do E-85 em seu posto têm sido erráticas. Elas chegaram até 34 mil litros por mês em setembro do ano passado, quando os preços da gasolina ultrapassaram US$ 3 o galão (3,785 litros), aumentando a diferença em relação ao etanol. Mas em julho, Becker vendeu apenas 11.400 litros de E-85, após a queda no preço da gasolina e o aumento do preço do etanol.

Becker disse contar com “quatro clientes realmente bons”, dois deles com uma crença tão forte no E-85 que trocaram seus veículos por carros flex. “Eles só usam E-85, independente de qual seja o preço”, ele disse.

Os agricultores continuam defendendo seu projeto. Em junho, eles

estacionaram uma carrinho de milho dos anos 40 em um acesso rodoviário perto dos postos de Becker, para promover o preço do E-85. A General Motors o incluiu em uma recente promoção regional, na qual a empresa dava US$ 1 mil em combustível gratuito -E-85 ou gasolina- para os compradores de veículos flex.

Entretanto, os três meses de promoção não ajudaram nas vendas na vizinha Tyler Chevrolet/Buick, disse Byron Moore, um gerente de venda de carros novos. Quanto muito, ela fez alguns compradores que já tinham se decidido por certos modelos a escolher o motor flex para ganhar o combustível gratuito.

Mas Moore disse que duvida que os compradores de fato abastecerão com E-85 com freqüência, por causa da informação do menor desempenho do combustível que o da gasolina. O etanol é composto em grande parte por álcool, que queima de forma mais quente e rapidamente que a gasolina, gerando menos energia sustentável.

Becker disse ter visto as vendas de E-85 caírem quando o preço se aproximou da gasolina. Beck, o consumidor de E-85 em Springfield, disse que decidiu que não vale a pena comprar E-85 para sua picape Ford a menos que o preço esteja pelo menos 30 cents mais baixo que o da gasolina.

Os preços voláteis do etanol nos últimos meses, provocados pelas mudanças regulatórias que levaram ao aumento para 10% de seu uso como aditivo em mais Estados, atrapalharam as metas dos defensores do E-85. A Coalizão Nacional dos Veículos a Etanol, um lobby fundado pelos produtores de milho, estimou que o número de postos cresceria para 2.500 neste ano. Atualmente a coalizão está disposta a chegar a 1.200, disse Michelle Kautz, uma porta-voz do grupo

Ainda assim, a badalação em torno do E-85 está crescendo -onde está

disponível. Mais ao sul na Interestadual 55, Theresa Kight, uma caixa do Qik-n-EZ, em Normal, Illinois, disse que mais clientes estão perguntando sobre as bombas de E-85 do posto. “Muitos deles estão interessados em comprar apenas para apoiar os agricultores”, disse Kight.

Mas fora do posto, Kevin Hart, um prestador de serviço de manutenção de

aquecimento e ar condicionado, estava abastecendo sua van com gasolina.

“Usar mais E-85 não vai resolver o problema” de grande consumo de petróleo e pouca economia, ele disse. “As pessoas apenas pensarão que estão ajudando o meio ambiente, então agora posso queimar mais combustível.”

Mas os donos do Qik-n-EZ disseram acreditar no potencial do E-85 de

diversificar as fontes de combustível do país -e ajudar a economia do

Meio-Oeste. Grady Chronister, o presidente e fundador da empresa, disse que os postos, que recebem seu etanol da VeraSun, estão vendendo o E-85 bem próximo do custo.

“Este não é um produto que justifique o investimento financeiro por ora”, disse Chronister, que acrescentou que sua família é dona de fazendas que cultivam milho, o que lhes dá um incentivo adicional para apoiar o E-85. “Mas estamos felizes por estarmos fazendo isto. Nós somos favoráveis a formas alternativas de energia, especialmente as produzidas aqui nos Estados Unidos.”

Ao longo do corredor do etanol, poucas pessoas realmente compram o E-85. No Qik-n-EZ em Springfield, demorou 45 minutos até que o primeiro cliente, Beck, chegasse para reabastecer sua picape Ford F-150 2006 na única bomba de E-85, montada distante das quatro fileiras de bombas de gasolina.

Após comprar sua picape em abril, Beck descobriu apenas dois meses depois que se tratava de um veículo flex. No passado, a maioria dos motoristas nem sabia que tinha um veículo flex porque as montadoras não se davam ao trabalho de lhes informar e os motores são virtualmente indistinguíveis.

Mas de agora em diante, “nós nos esforçaremos mais para informar as pessoas sobre o que têm”, disse Susan Cischke, vice-presidente de engenharia de energia e ambiental da Ford. Ela disse que a Ford marca seus veículos flex no capô e na tampa de combustível.

As montadoras americanas esperam dobrar a produção anual de veículos flex, para 2 milhões, até 2010. Há cerca de 5 milhões nas ruas, de um total de 238 milhões de veículos.

Detroit tem muito a ganhar com a produção de veículos prontos para o E-85. Além de servir como uma distração positiva para seus problemas financeiros mais amplos, os veículos flex ajudam as montadoras a atender as metas federais de economia média de combustível sem terem que produzir carros híbridos bem mais caros.

Mas as montadoras se arrepiam com a noção de que podem sozinhas tornar o E-85 um sucesso nacional ou mesmo regional. “Este é um problema maior do que um setor pode resolver”, disse recentemente Frederick Henderson, o diretor financeiro chefe da General Motors.

As grandes companhias de petróleo, que possuem menos de 10% dos postos de gasolina do país, disseram que não atrapalharão os donos de postos que desejarem colocar bombas de E-85. Mas também não ajudarão.

Isto colocou o fardo sobre os Estados onde o E-85 está ligado ao sucesso do etanol. Neste ano, Iowa, o maior produtor de milho do país, começou a dar aos postos um crédito de 25 centavos por galão nas vendas de E-85 e está arcando com metade do custo da instalação das bombas de etanol. O governador de Illinois, Rod R. Blagojevich, acabou de propor o gasto de US$ 30 milhões para adicionar 900 bombas ao longo dos próximos cinco anos, um aumento de sete vezes.

Mas no varejo, o esforço para promover o E-85 é, quanto muito,

inconsistente. Beck disse que encontrou o posto em Springfield após

pesquisar, porque o site sobre E-85 mantido pela Coalizão Nacional dos

Veículos a Etanol lista bombas apenas por cidade, com uma função limitada de mapeamento que não mostra referenciais aos motoristas.

Diferente das bombas de gasolina comuns, a bomba de E-85 no Qik-n-EZ não aceita cartão de crédito, o que forçou Beck a permanecer na fila por 15 minutos atrás de clientes que compravam cerveja, cigarros e bilhetes de loteria.

“Você imagina que seria tão fácil quanto comprar gasolina”, ele disse, “mas é uma encheção de paciência”.

E não há espaço para erro quando se trata de dirigir apenas com E-85. Não deixe Emporia, Kansas, por exemplo, sem abastecer primeiro. Caso contrário, perto do pedágio de Kansas, o medidor de combustível apontará para vazio.

E aí? Desligue o ar condicionado, dirija parte do caminho em marcha neutra e, finalmente, um posto -o único nos próximos 50 quilômetros- tem gasolina. Mas não E-85.

*Micheline Maynard, em Detroit, contribuiu com reportagem para este artigo

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