Mercado

DESAPROPRIAÇÃO DE USINA FAVORECE 5 MIL FAMÍLIAS

Os trabalhadores que comandam a maior experiência de autogestão no país tiveram uma vitória este mês. O grupo que assumiu uma usina de cana-de-açúcar decadente em Pernambuco, a Catende, finalmente foi contemplado com a desapropriação de 19 mil hectares de terra de 23 unidades administrativas do empreendimento, na realidade 79 engenhos. A medida beneficiará 5.200 famílias, sendo quatro mil do campo e 1.200 lotadas no parque industrial. Foi a maior desapropriação em bloco da história da reforma agrária no Nordeste, e, em quantidade de terras, significa 30% de tudo que foi feito até hoje em Pernambuco.

No decorrer da semana, lavradores e operários discutiram o uso das terras. Na verdade, elas funcionarão como pagamento de débitos trabalhistas deixados pela Catende.

— A usina quebrou com um passivo de R$1,3 bilhão. Além disso, ficou como herança um crédito trabalhista monumental, estimado em 90% de seu patrimônio, avaliado em R$100 milhões — explicou o advogado Bruno Ribeiro, que representa os sindicatos da Federação de Trabalhadores de Agricultura de Pernambuco (Fetape).

Projeto de recuperação já atraiu apoio de 20 ONGs

Considerada, por quase meio século, a maior e mais eficiente usina da América Latina, a Catende era o retrato da pujança da aristocracia açucareira do Nordeste até a década de 50, quando chegou a ter mais de 5 mil empregados, sustentava a economia de pelo menos cinco municípios de Pernambuco e estendia seu poderio ao vizinho Alagoas. Depois, entrou na decadência que tomou conta da região canavieira, onde restam funcionando apenas 25 indústrias, entre usinas e destilarias. Há 56 anos, eram 72 em Pernambuco.

A autogestão na Catende — que envolve 48 comunidades e cinco sindicatos — vem sendo considerada pelos especialistas um dos melhores exemplos de economia solidária no país. O projeto, que começou a ser implantado na última gestão do falecido governador Miguel Arraes (PSB), já atraiu o apoio de 20 ONGs do país e do exterior. A decretação da falência, em 1993, inaugurou um modelo na zona açucareira, onde os liquidantes costumavam ser os próprios usineiros.

A empresa ainda é deficitária. Mesmo assim, está adimplente junto ao Programa de Agricultura Familiar (Pronaf), no qual já conseguiu captar R$9 milhões para seus pequenos produtores de cana-de-açúcar.

O síndico e administrador judicial, Marivaldo Andrade, de 40 anos, esteve em Brasília na semana passada para participar da solenidade em que foi anunciada a desapropriação. Para outro colaborador do projeto, o ex-padre Arnaldo Liberato, ao pedir a falência da usina os trabalhadores evitaram a dilapidação do patrimônio. Os empregos estão mantidos e até mesmo as louças com brasões pertencentes à casa grande são preservadas.

— Interessante foi a superação do arraigado conceito segundo o qual o trabalhador é incompetente. Com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e o método de alfabetização Paulo Freire, em 1997 chegamos a ter três mil alunos aprendendo a ler. Até então, 80% da massa eram analfabetos. Seis mil lavradores passaram por bancos escolares e cursos profissionalizantes — diz Liberato.

Hoje, somente 20% dos funcionários e “sócios” da usina são totalmente analfabetos. Os salários na Catende variam de R$370 a R$6 mil. Este ano, somente para o Fome Zero, a Catende entregará R$10 milhões em açúcar.

Das 450 mil toneladas que espera moer na safra atual, a Catende esmagará 330 mil provenientes da produção em regime familiar ou de engenhos mantidos pela própria usina. Precisará adquirir 120 mil toneladas de terceiros. A usina deverá produzir 846 mil sacas de açúcar e 22 mil toneladas de melaço, e espera faturar mais de R$49 milhões.

— Os trabalhadores herdaram uma monumental destruição da estrutura produtiva e passaram cinco anos recuperando-a. Mas aí enfrentaram duas calamidades: uma enchente que destruiu parte de seu parque industrial e um incêndio — conta Ribeiro.

Pouco a pouco, os antigos empregados da usina começam a se entrosar no meio antes fechado e aristocrático dos produtores de açúcar.

Banner Revistas Mobile