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Carro elétrico vive à sombra do etanol

O clima entre os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento voltou a azedar. As duas pastas não conseguiram se entender sobre uma nova política de estímulo ao setor automotivo. O impasse, marcado por um confronto entre carros movidos a eletricidade e a etanol, chegou ao Palácio do Planalto e levou ao cancelamento, na última terça-feira, do anúncio de um estudo sugerindo medidas para incentivar a produção de veículos não poluentes.

Um grupo de trabalho criado no ano passado e composto pelos ministérios da Fazenda, do Desenvolvimento e da Ciência e Tecnologia, além de representantes das montadoras e dos fabricantes de autopeças, deveria discutir os incentivos a pesquisas de veículos menos poluentes, como carros elétricos e híbridos. O problema é que, enquanto a Fazenda defende créditos e benefícios para que as indústrias desenvolvam carros elétricos, o Desenvolvimento considera que o excesso de atenção prejudica o programa com foco no etanol brasileiro.

Na terça-feira, o cancelamento da divulgação do estudo do grupo de trabalho ocorreu em cima da hora. O anúncio seria feito pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega, do Desenvolvimento, Miguel Jorge, e da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende. Mas uma plateia repleta de empresários foi surpreendida com a suspensão.

Segundo fontes que acompanharam o incidente, a causa da polêmica foi o relatório reservado que passou a circular na Esplanada dos Ministérios. O documento, com mais de 40 páginas, mencionava o automóvel a álcool e gasolina. Mas, de forma geral, tratava de carros e ônibus elétricos, o que irritou a equipe do Desenvolvimento e causou estranheza aos técnicos da pasta de Ciência e Tecnologia.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também reclamou. Lula só teria ficado sabendo do estudo e de sua divulgação poucas horas antes do anúncio, que acabou não acontecendo. O presidente determinou a suspensão da divulgação, alegando que precisava se informar melhor, até mesmo para “dar pitaco”. Mantega, lembrou que, sempre que viaja pelo mundo, leva a bandeira do etanol.

Para um executivo de uma montadora, um ruído de comunicação pode ter sido a causa do impasse. Se a Fazenda tivesse, pelo menos, esclarecido que a ênfase dada a veículos elétricos se justificava pelo fato de ser uma área nova de pesquisas e que isso não significava deixar de lado o etanol, talvez isso não acontecesse.

“Pediram uma opinião técnica e dissemos que, se as montadoras estão pesquisando em outros países, podem fazer o mesmo aqui. Além disso, não esperávamos que fossem anunciadas medidas fechadas, mas sim o lançamento de novas diretrizes”, disse esse executivo.

Os técnicos da Fazenda defendem que dar incentivos à pesquisa e ao desenvolvimento de carros híbridos e elétricos não é incompatível com o programa do etanol. Eles afirmam que o Brasil é um país com condições inclusive de associar motores movidos a energia elétrica e álcool.

No estudo, os técnicos destacam que, atualmente, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para veículos elétricos tem alíquota de 25%. Além disso, há impostos estaduais, como o ICMS, que oneram o valor dos carros.

Esse comportamento vai na contramão de uma tendência mundial de estimular a produção de carros menos poluentes. Nos Estados Unidos e na Alemanha, por exemplo, os governos concederam financiamentos e estabeleceram metas para a entrada de veículos elétricos no mercado.

Em agosto de 2009, o presidente Barack Obama anunciou a concessão de US$ 2,4 bilhões em recursos federais para ajudar empresas e universidades na criação de baterias e veículos híbridos e elétricos. Foi criado ainda um subsídio de US$ 7.500 para quem adquirir um veículo elétrico.

Segundo um participante do grupo de trabalho, o desenvolvimento de veículos elétricos no Brasil enfrenta ainda problemas técnicos que precisam ser resolvidos com o tempo. Como esses carros são muito pesados e precisam de uma infraestrutura de energia especial para serem carregados, uma ideia inicial seria o governo investir primeiro em ônibus elétricos, o que poderia até mesmo baixar as tarifas.

Enquanto isso, o setor de etanol espera expansão e anuncia investimentos. A ETH Bioenergia, braço da Odebrecht no setor sucroalcooleiro, planeja investir entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões na construção de um alcoolduto para interligar a região Centro-Oeste do país ao município de Paulínia, em São Paulo. O investimento poderia ser menor se Petrobras e Cosan se unissem à companhia num projeto único.

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