Mercado

“Brasil será a solução mundial”

O Brasil desponta como o principal país para suprir a demanda mundial por alimento e biocombustível. Com a gradual saída dos Estados Unidos do mercado internacional, a oferta de produtos vai cair e os preços se elevarão. Com o preço em alta, os demais países vão querer comprar produtos do Brasil, já que o País tem capacidade para atender a demanda.

Mas para que essa perspectiva se torne realidade, o Brasil precisa enfrentar alguns desafios, conforme o engenheiro agrônomo Décio Luiz Gazzoni, pesquisador da Embrapa Soja, consultor do Banco Internacional de Desenvolvimento (BID) e colunista do JL. Na última sexta-feira, Gazzoni apresentou o painel “Produção Agropecuária e a Geração de Energias Renováveis”, durante o Seminário Internacional em Busca da Produção Sustentável, que integrou a programação da 48ª Exposição Agropecuária de Londrina.

O primeiro desafio brasileiro, de acordo com o pesquisador, é melhorar a infra-estrutura, pois não conseguirá transportar uma grande produção com as rodovias precárias que tem. Também terá que se articular para não ser apenas fornecedor de matéria-prima, vendendo não soja em grão, por exemplo, mas proteína de soja, frango, porco. “A Argentina fez isso silenciosamente; a partir de 2010 não exportará mais soja em grão. O Brasil precisa usar mais sua barganha, o seu poder de detentor do produto”, enfatizou Gazzoni. Por isso que ele sentencia: “O Brasil está condenado a ser uma das soluções do mundo.”

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“Estamos vivendo uma revolução, tudo acontecendo ao mesmo tempo”

JL – Qual é a demanda hoje de alimentos e biocombustível?Décio Luiz Gazzoni – Estamos vivendo um momento muito particular e dois fatos estão gerando demanda agrícola forte. Um deles é biocombustível. Mas eu não acho que seja o mais importante. O que mais está pressionando é a inclusão social e eu não estou falando de Brasil. A fome no mundo passa longe do Brasil. Não que aqui não tenha. Mas não é a fome brava de não ter realmente o que comer e não é uma população muito grande. Eu estou falando de estimados 800 milhões de pessoas – e esse número é da FAO – que estão concentrados no sudeste asiático e na África. Ali a fome é brava e a mortalidade infantil é fortíssima. Acontece que, se a gente olha para esses países, a China é um bom paradigma, a Índia também. A China há 20 anos está crescendo a números monstruosos. São 1,3 bilhão de pessoas crescendo a 10% ao ano e chegando ao mercado. Eram pessoas que não tinham o que comer. Quando essa massa passou a ter recursos para comprar comida, o mundo não estava preparado. Isso começou a pressionar a produção agrícola; e aconteceu junto com a tomada de consciência da necessidade de mudar o padrão de energia de fóssil para renováveis. São duas coisas pressionando ao mesmo tempo. Um terceiro fator é que estamos vivendo um momento de mudanças climáticas sérias. Isso afeta a produção agrícola. Então temos mais gente querendo comer, mais necessidade de se produzir energia limpa, mas em um momento em que o clima resolve se vingar das atrocidades cometidas contra a natureza.

Tudo ao mesmo tempo…Estamos vivendo uma revolução, tudo acontecendo ao mesmo tempo. Mas não podemos dar razão quando se usa o exemplo do milho americano dizendo que existe conflito entre produção de alimentos e de energia, porque o milho disparou de preço e isso realmente deu problema para a tortilha mexicana. Mas o que não se pode fazer é pegar esse exemplo particular dos Estados Unidos e construir uma tese para o mundo de que sempre que se produzir energia a partir de produtos agrícolas isso vai acontecer. No Brasil produzimos em energia de cana-de-açúcar o equivalente ao que produzem dez Itaipus. Vamos produzir em cana o equivalente a tudo que a Petrobrás vai colocar em petróleo. Quantos países do mundo podem se dar a esse orgulho? Você vai dizer: “mas olha o que os EUA estão produzindo em etanol”. Mas o que eles estão gastando em área, estão gastando em subsídio para produzir isso. A confusão que criaram lá é enorme. Para nós, isso significa 5 ou 6 milhões de toneladas de cana. O que são 5, 6 milhões de hectares para um país que tem 850 milhões de hectares de terras, dos quais quase 400 são agricultáveis e onde temos, só em áreas de pastagem que não são mais úteis ao gado, mais de 100 milhões de hectares? Estamos usando 5%, 6% da área futura.

E a fome?Para combater a fome, se o mundo mantiver o aumento da produtividade agrícola, começando com 1,5% agora e ao longo de 20 anos ir subindo aos pouquinhos, chegando a 1,75%, isso é fácil. Só com aumento da produtividade agrícola em 20 anos acabaria com a fome no mundo. No mundo, alguém vai ter plantar mais e vem novamente a responsabilidade do Brasil, que tem terra, tem sol, tem mão-de-obra. O Brasil está condenado a ser uma das soluções do mundo.

Quanto mais se precisa produzir para atender essa demanda mundial?Em termos equivalentes, só para substituir gasolina por etanol, nós precisaríamos daqui a 20 anos ter o equivalente a 30 milhões de hectares de cana de açúcar [hoje se planta 5,6 milhões de hectares de cana no Brasil]. Se pegar uma planta menos eficiente que a cana, a área é maior. Mas ainda tem que substituir o diesel pelo biodiesel. Tem que tirar isso de oleaginosas, de soja, dendê, que é a cana de açúcar para produzir óleo. Imagino que precisaríamos entre 15 e 20 milhões de hectares de dendê. Onde? Nas regiões tropicais do planeta: Tailândia, Indonésia, Malásia, Nigéria, Brasil, Colômbia, Equador, Costa Rica. A área tem. A coisa complica quando se pergunta ‘e o Brasil’? O Brasil tem que plantar no Pará e na Amazônia. As pessoas já questionam: ‘na Floresta Amazônica!’. Dá para a gente plantar sem derrubar uma árvore sequer porque as plantas já foram derrubadas, não adianta chorar o leite derramado. Com alimentos vai acontecer o seguinte: os EUA, que são o grande produtor agrícola no mundo, não têm mais como expandir a área. Pode aumentar a produtividade de soja, de trigo, de milho. Mas cada vez mais ele está se voltando para o seu mercado interno e cada vez mais está perdendo importância no mercado mundial. Cada vez mais vamos sentir, principalmente no Brasil e na Argentina, uma pressão muito grande para produzir mais.

Quais são os maiores desafios nesse cenário? Nós temos desafios de ordem de logística, de capital e de tecnologia. Capital é o que menos me preocupa, pois está sobrando no mundo. [Precisa] trazer esse dinheiro para os países que têm capacidade de expansão agrícola, entre eles o Brasil. Isso já se discute, mas é muito preliminar. Aí você amarra com a questão de logística. Quando se olha para o Brasil, qual é a realidade do interior do país? Começa a safra de soja e vemos aqueles caminhões atolados, estradas com buracos, filas dos caminhões para descarregar. Temos que ter hidrovias e ferrovias e isso demanda muito dinheiro e não pode ser dinheiro público. No Brasil, a logística é um desafio sério. E tem o desafio da tecnologia. Podemos expandir a produção por aumento de área ou por aumento de produtividade. O aumento de produtividade é só por tecnologia, colocando muito dinheiro em instituições de pesquisa para garantir o 1,5% de aumento de produtividade a cada ano.

O senhor falou que o Brasil está condenado a ser a solução para a demanda de alimentos e biocombustível. Mas como o País é visto lá fora? É realmente o principal país para apresentar uma solução?Sem sombra de dúvida. O Brasil desperta, como o Roberto Jefferson falou, os instintos mais primitivos. Eu que tenho andado aí fora, tenho notado que há um dualismo com relação ao Brasil. Por um lado se olha como uma grande solução para o futuro, que não é de demanda apenas por comida e biocombustível. Tem produtos florestais, madeira, flores, fibras, algodão, linho… Quando falamos quem pode aumentar a produção, realmente o Brasil é líder. Mas quando chega na hora da onça beber água, aí vêm as questões comerciais. Eles pensam “se o Brasil aumentar a produção de etanol, vai derrubar a renda do meu produtor aqui nos Estados Unidos, aqui na Europa…” Aí vem os famosos conflitos comerciais, as cotas, sobrecotas, as barreiras não tarifárias, ficou essa questão da carne voltada para a Europa. Fica essa dualidade em relação ao Brasil: na solução que se mostra vem embutido uma ameaça. É assim: “o Brasil aumenta a produção desde que não mexa nos nossos produtores”. Isso significa que o governo brasileiro, associado à iniciativa privada, vai ter um longo trabalho nos próximos 10, 15 anos de public relation, de negociações, de esforço, de publicidade, de dizer que estamos produzindo sem derrubar floresta, sem assorear rios, sem escravizar o trabalhador rural. O cenário é positivo.

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