Usinas

Brasil pronto para deslanchar na adoção do hidrogênio para mobilidade

Confira artigo de Plinio Nastari, presidente da DATAGRO

Plínio Nastari, presidene da DATAGRO
Plínio Nastari, presidene da DATAGRO

Em 2022, a produção de autoveículos — automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus — no Brasil fechou o ano com 2,37 milhões de unidades, aumento de 5,4% sobre 2021, indicando ligeira melhora na cadeia de suprimentos depois de amargar dificuldades com o fornecimento de microprocessadores e outros componentes críticos importados, devido à crise do covid.

Em 2022, as vendas encerraram com cenário de estabilidade a 2,104 milhões de unidades, variação de -0,7% em relação ao ano anterior.

LEIA MAIS > Bioeconomia no Brasil pode gerar faturamento de US$ 284 bi anuais

Mais precisamente, a recuperação ocorreu no segundo semestre de 2022, quando houve crescimento de 29% sobre o primeiro, e de 13,5% em relação ao mesmo período de 2021. Nas exportações, 2022 foi o ano de melhor resultado desde 2019, com 481 mil unidades embarcadas, superando 2021 em 27,8%, com destaque para exportações destinadas à Argentina, México, Colômbia e Chile.

As vendas em 2022 segundo o uso de combustíveis foram distribuídas em 83,4% para veículos flex fuel etanol-gasolina; 2,3% para híbridos; 2,2% para veículos somente a gasolina; 0,4% para elétricos a bateria; e 11,6% para diesel.

As vendas de veículos eletrificadoshíbridos e a bateria — alcançaram 46.868 unidades, ou 2,7% das vendas totais, contra 2,4% no ano anterior. Os veículos elétricos equipados com baterias (BEV, ou battery electric vehicles) representaram 0,4% das vendas totais, e no segmento de híbridos, os maiores destaques foram alcançados pelas montadoras TOYOTA e CAOA, com os modelos Corolla Cross, Corolla, Tiggo 5X PRO e Tiggo 7.

LEIA MAIS > Cenicaña e Ingenios da Colombia preparam projeto que visa transformar plantas industriais em Indústria 4.0

A nível global, nos últimos dez anos desde 2012, chama atenção o crescimento da produção de autoveículos na China e na Índia, e a redução da produção no Japão, Coreia do Sul, Alemanha, Brasil e Tailandia. Entre 2012 e 2022, a produção de veículos na China passou de 18,2 para 26,1 milhões de unidades.

Na Índia, a produção passou de 3,8 para 5,1 milhões de unidades, transformando-a no quarto maior produtor, e nos EUA, Mexico e Espanha a produção vem se mantendo praticamente estável, ou com pouca variação.

Além da China, que é em si um enorme mercado, a Índia desponta como um país em acelerado crescimento, sendo já o maior mercado da Suzuki fora do Japão. A Índia também figura entre os três principais mercados para Hyundai, Kia e Skoda (do grupo VW), e desponta entre os cinco principais mercados globais para a Renault desde 2021.

LEIA MAIS > Jean Paul Prates assume presidência interina da Petrobras

As apostas na Índia aumentaram especialmente após a crise Rússia-Ucrânia. Empresas como Hyundai, Kia, Renault, Nissan e Skoda-Volkswagen saíram da Rússia, e o potencial de crescimento futuro está em poucos mercados selecionados. Portanto, é muito relevante o fato de que o governo e a indústria indiana estejam abraçando a tecnologia do etanol para alcançar objetivos de redução de emissão e aumento de eficiência.

Enquanto isso no Brasil, nos últimos dez anos a produção de autoveículos caiu de 3,4 para 2,37 milhões (-30,3%), e no mesmo período as vendas ou licenciamentos totais caíram de 3,80 para 2,10 milhões (-44,6%), comportamento observado também no mercado de motocicletas.

Entre 2012 e 2022, a produção de motocicletas no Brasil caiu de 1,69 para 1,46 milhão (-13,7%), e as vendas caíram de 1,64 para 1,35 milhão (-17,4%). E é por conta da participação da indústria automotiva em toda a cadeia industrial, que essa retração na produção e nas vendas de autoveículos e motocicletas explica parte da desindustrialização observada no país.

LEIA MAIS > Especialistas veem perspectivas de crescimento para o mercado de biogás

Não precisava ser assim, pois o Brasil possui todas as condições para se posicionar como supridor de tecnologia de mobilidade sustentável para o mundo, como está fazendo nesse momento para a Índia. Nas últimas quatro décadas o Brasil desenvolveu uma bem-sucedida tecnologia automotiva calcada na utilização de combustíveis líquidos de baixa pegada de carbono capazes de utilizar eficientemente etanol e biodiesel, e já se encontra tecnologicamente pronto para deslanchar no uso de biometano em ônibus e veículos pesados, todos com muito baixa pegada de carbono.

O Brasil é um dos maiores produtores e exportadores de minério de ferro, matéria prima básica para a produção de aço. Tem uma competente indústria local de produção de plásticos e elastômeros, inclusive com relevante produção de plásticos verdes.

Além disso, dentre as maiores economias do mundo possui a matriz energética mais renovável, capaz de produzir aço, componentes e peças com baixa pegada de carbono que podem alavancar o processo de eletrificação com motorizações que otimizam o uso de combustíveis limpos e renováveis, acelerando a adoção de tecnologias híbridas.

LEIA MAIS > Porto Ponta do Félix prevê aumentar em 65% a movimentação de cargas neste ano

Estas condições permitem ao Brasil associar essas vantagens à adoção de uma eletrificação que utiliza infraestrutura já instalada de distribuição de energia na forma de combustíveis limpos. Uma tecnologia que é ao mesmo tempo renovável e acessível em preço para o consumidor, e que permite às montadoras atingirem o tão sonhado objetivo de emissão zero até 2050.

Pelo elevado teor de hidrogênio contido no etanol, em realidade o Brasil já possui instalada a maior rede de distribuição de hidrogênio do mundo, através dos mais de 41.700 postos de revenda distribuindo etanol em um país de dimensões continentais.

O objetivo preconizado pelas economias mais desenvolvidas do mundo de instalar uma rede de distribuição de hidrogênio renovável está à mão do Brasil com a possibilidade de reforma do etanol nos postos de revenda, e o abastecimento do hidrogênio resultante em veículos na ponta do consumo.

LEIA MAIS > Produção de etanol de milho chega a 3,44 bilhões de litros

Isso permitirá a rápida, eficiente, econômica e segura distribuição de hidrogênio na forma de etanol. O metanol de origem renovável, obtido a partir do uso de dióxido de carbono biogênico gerado pela fermentação alcoólica e pela biodigestão de resíduos, é outro vetor de grande potencial em particular para a descarbonização do transporte marítimo.

Uma política industrial alicerçada na valorização da tecnologia desenvolvida no Brasil para a produção local de veículos de baixa emissão e elevado rendimento, e a exportação desse modelo de mobilidade para outros países, é uma oportunidade que o país, seus empresários e trabalhadores devem reconhecer e valorizar.

Estímulos à conversão de veículos antigos e mais poluidores, por novos com menores emissões, associados à devida reciclagem de materiais e recompensas aos consumidores pelo uso de combustíveis renováveis, poderão recuperar e alavancar a indústria automotiva brasileira, reconhecidamente estratégica e de grande impacto para o desenvolvimento econômico e social, por seu elevado efeito multiplicador.

LEIA MAIS > Evento que marca a abertura de safra de cana acontecerá nos dias 8 e 9 de março

Plinio Nastari foi presidente do Conselho da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), e representante da sociedade civil no CNPE. É atual presidente da DATAGRO.

Artigo originalmente publicado pela Agência Estado.

Banner Revistas Mobile