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"Amazônia é fronteira energética"

ENTREVISTA: Mauricio Tolmasquim | Presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE)

O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim, é taxativo: a nova fronteira para a geração de hidreletricidade no país é a Amazônia e que está quase pronta uma série de estudos para gerar investimentos na região. Já são esperados atritos com os setores ambientalistas. Tolmasquim acha que o leilão da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira, a primeira grande obra no Norte, está garantido, mesmo que haja liminares na Justiça. Tolmasquim defende o programa nuclear brasileiro e descarta a possibilidade de falta de energia no país, mesmo com um crescimento de 5% do Produto Interno Bruto (PIB), como estima o governo.

O Brasil deve crescer 5% ao ano, segundo dados do governo. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, já disse que a indústria, que é uma grande consumidora de energia, deve crescer 6% neste ano. Diante do cenário, temos energia para um crescimento sustentado nos próximos anos?

– Temos uma situação bastante tranqüila. Realmente, a energia não é, e não será, um gargalo para o crescimento do Brasil a taxas elevadas. Até 2010 temos um equilíbrio estrutural entre oferta e demanda. Em 2011, existe necessidade de contratar cerca de 1.400 megawatts (MW) médios, o que será atendido com o leilão de junho. Em 2012, as distribuidoras compraram energia para atender 110% da demanda. E em 2013 está entrando a usina de Santo Antônio, além do leilão de junho de A-5 (para entrar no sistema em 5 anos). Além disso, estamos fazendo um leilão de reserva que vai contratar energia para 2010. É um leilão só de biomassa no dia 15 de abril.

O país tem um sistema integrado de distribuição de energia, sem as linhas de transmissão a energia não chega. Como estão esses investimentos?

– Desde 2003, construímos mais de 14 mil quilômetros de linhas de transmissão. O que é mais do que foi construído entre 1995 e 2002, nos oito anos anteriores. E entre 2007 e 2010 serão construídos outros 14 mil quilômetros de linhas. Ou seja, 28 mil quilômetros ao todo. No ano passado, tivemos a pior seca dos últimos setenta anos no Sul do Brasil e a população do Sul não ficou nenhum momento sem energia. O Sudeste mandou quantidades recordes de energia para o Sul. Isso só foi possível porque duplicou a capacidade de transmissão de energia entre o Sul e o Sudeste.

E os investimentos em transmissão para as usinas que estão começando a produzir com bagaço de cana no Centro-Oeste?

– O grande boom de usinas que vem por aí está ocorrendo no Mato Grosso do Sul, Goiás e Minas Gerais. As distribuidoras estão impondo uma série de dificuldades para os usineiros conectarem-se à distribuição. Em Goiás, a distribuidora é frágil e no Mato Grosso do Sul faltam investimentos. A solução é pegar a rede básica, de alta tensão, e levar até próximo dessas usinas. Vamos permitir que as usinas se conectem diretamente à rede básica, sem precisar passar pela rede da distribuidora.

Quem vai pagar o custo dessa linha de transmissão?

– É o conjunto dos consumidores do Brasil. O que é justo, porque essa energia será despachada para todo o país.

Qual a sua expectativa quanto ao leilão da Usina de Santo Antônio no rio Madeira? Tem risco de adiamento?

– Não. A não ser que haja uma liminar. Isso é imprevisível. Mas é pouco provável. Vai haver o leilão nesta segunda-feira. Quinta-feira passada, a ONG Amigos da Terra entrou com uma liminar. Mas todo o sistema jurídico do governo está de prontidão, se houver algum problema. Vai haver o leilão e estou com uma expectativa muito boa.

Mesmo com a participação só de três consórcios?

– Sim. São três consórcios muito fortes. Essa usina é um marco.

Por quê?

– Primeiro porque marca o retorno das hidrelétricas. A última hidrelétrica construída foi no Xingó, em 1994. Em segundo lugar, será a primeira grande usina da Amazônia. Grande parte do nosso potencial hidrelétrico está na região do Amazonas. O Brasil utiliza apenas um terço de seu potencial hidrelétrico. Dos dois terços que faltam ser utilizados , 65% estão na Região Norte. O terceiro marco importante é que o capital privado não teria interesse em investir em hidrelétrica. E estamos vendo que temos três consórcios privados, com participação estatal minoritária de 49%. O quarto ponto importante é que essas usinas não seriam viáveis devido à grande distância do centro de consumo, 2.500 quilômetros. Apesar da tarifa de transmissão (Tust) ser cara, representa R$ 25,00 dos R$ 122,00 por megawatt/hora (MW/h) do preço inicial do leilão, o empreendimento é viável. Estamos com uma tarifa inicial bem competitiva.

A Amazônia é a nova fronteira energética do País?

– A nova fronteira do Brasil em hidreletricidade é a Amazônia. Estamos fazendo um grande inventário da região que deve estar pronto até março de 2009. Já temos estudos do Araguaia com potencial estimado de 3,1 mil MW, Rio Branco com 2 mil MW, Rio Trombetas com 3 mil MW, Rio Aripuanã com 3 mil MW, Rio Zuluena com 5 mil MW, Jari com 1,1 mil MW, Sucunduri com 650 MW. Isso com avaliação ambiental integrada. Também já fizemos estudos da Bacia do Rio Uruguai, Parnaíba, Paranaíba, Tocantins, Doce e Paraíba do Sul. Por isso, acredito que teremos uma grande oferta de energia no futuro, o que poderá fazer o preço da energia cair em um futuro próximo. No Brasil, não falta potencial, o que falta são estudos técnicos.

– As usinas do Madeira não eliminam a necessidade das usinas nucleares no País?

– Não. A energia nuclear tem que ser vista como estratégica para o país. Se olharmos no longo prazo, de 25 anos, as hidrelétricas vão se tornar mais escassas. Então é fundamental implementar as nucleares. Mas será algo complementar. Nos próximos 25 anos vamos necessitar de mais 130 mil MW, hoje gastamos cerca de 100 mil MW. Desses 130 mil MW, 88 mil MW virão de hidrelétricas e o restante de outras fontes, inclusive nuclear, mas de forma minoritária.

E quanto à segurança energética. O Operador Nacional do Sistema (ONS) previa uma curva de aversão ao risco de 61% e resolveu reduzir para 36%. Isso não gera insegurança no abastecimento de energia?

– Não estamos tendo fornecimento de gás da Argentina e o parque termelétrico está funcionando só com 40% de sua capacidade instalada. Isso ocorre porque o Termo de Compromisso (da Aneel com a Petrobras) deixa fora o restante do parque em 2008. Então, ao se fazer a atualização dessa curva se chegou a valores muito altos. Mas com as chuvas de janeiro não seria razoável um nível tão alto para os reservatórios. Subiria muito o preço da energia no mercado spot (livre, não contratado). E poderia gerar algum problema de fornecimento de gás para alguns setores. Como teve em outubro. Portanto, acho que a decisão final do ONS é bastante razoável.

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