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Acordo da Alca provoca pressões contra o Brasil

Os ministros dos 34 países que discutem a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) devem aprovar, hoje, um documento elaborado pelos diplomatas reunidos desde o fim de semana, em Miami, que, na prática, deverá reduzir o alcance do acordo para redução de barreiras e criação de regras em todo o continente americano. A decisão sobre a Alca, alcançada graças a um acordo entre Brasil e Estados Unidos, despertou insatisfação entre empresários de vários países, inclusive brasileiros e norte-americanos, que anunciaram, em Miami, a disposição de pressionar o governo brasileiro para fazer mais concessões.

O acordo que deverá ser oficializado hoje prevê que os países da Alca negociarão um “conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações”, e os governos que quiserem mais concessões de seus parceiros na futura área de livre comércio buscariam essas vantagens em acordos paralelos, não obrigatórios a todos. O Mercosul, por exemplo, não admite criar novas regras de proteção à propriedade intelectual (softwares, patentes), o que os Estados Unidos têm exigido em todos seus acordos comerciais. Os EUA também não aceitam redução em seus subsídios agrícolas. Só em fevereiro, porém, os governos decidirão o que será o conjunto mínimo de regras exigidos nesses e em outros temas.

“A nova estrutura proposta (para as negociações da Alca) amplia em muito o grau de complexidade das negociacões e as incertezas sobre os resultados”, queixou-se o coordenador da Coalizão Empresarial Brasileira, Oswaldo Douat, ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. “Ambientes com regras múltiplas e superpostas geram incertezas, insegurança e dificuldades para participação das empresas de menor porte.”

“É evidente que o Brasil é o navio lento no comboio, mas os outros têm pressa e vamos continuar a pressionar”, afirmou Frank Vargo, vice-presidente da National Association of Manufacturers (NAM), o equivalente norte-americano – e mais poderoso – à brasileira CNI. Um dos problemas enfrentados pelo mundo dos negócios é convencer o Brasil que vai perder se não entrar em uma Alca de “alta qualidade”, disse Vargo, afirmando que o Brasil deve sofrer pressões também devido aos acordos bilaterais de livre comércio recentemente anunciados pelos Estados Unidos com países da América Central e da região andina.

A estratégia de mostrar ao Brasil que poderá vantagens no comércio continental caso dificulte as negociações da Alca ficou clara no encontro entre o representante comercial dos Estados Unidos, Robert Zoellick, e o ministro Celso Amorim, quando o brasileiro perguntou ao norte-americano como iniciariam as negociações para um acordo de livre comércio também entre Mercosul e os EUA. “O mais rápido possível, em Puebla”, disse Zoellick, indicando a cidade mexicana onde ocorrem as negociações da Alca. Um graduado assessor de Zoellick, em conversa reservada com um grupo de jornalistas deixou claro, mais tarde:não haverá negociação com o Mercosul, a não ser na Alca. “Não queríamos nada diferente”, garante Amorim.

Celso Amorim disse estranhar a decisão norte-americana, de, diferentemente do que faz com o Mercosul anunciar o início de uma série de negociações de livre comércio paralelas à Alca, com países da América Central e da região andina.

Ao lhe perguntarem se seria uma “perda de tempo” a tentativa dos Estados Unidos de pressionar o Brasil com esses acordos, afirmou que não acreditava ser essa a estratégia dos norte-americanos, mas que, de fato, estariam perdendo tempo se tentassem algo do gênero. “em comércio, a monogamia não é uma virtude, quanto mais poligâmicos formos, melhor”.

Mas a ameaça de uma proliferação de acordos dos países vizinhos com os Estados Unidos teve efeitos sobre os empresários brasileiros reunidos no fórum do setor privado para a Alca, em Miami, como ficou clara na manifestação de Douat para Amorim. Insatisfeitos, integrantes da Coalizão Empresarial chegaram a preparar uma sabatina, com queixas sobre um possível isolamento do Brasil, para o ministro Celso Amorim, no encontro entre os empresários e os negociadores brasileiros.

O encontro, a pedido do ministro, se limitou, porém, a uma exposição dos resultados da negociação, em Miami. A Coalizão Empresarial também teme que, ao se recusar a fazer concessões em temas de interesse dos Estados Unidos, como regras de defesa da propriedade intelectual, serviços e investimentos, o Brasil só consiga negociar abertura do mercado norte-americano aos produtos agrícolas baixando muito as barreiras que protegem as indústrias no país.

Contraditóriamente, porém, em um documento de “contribuição” da Coalizão Empresarial, os empresários chegavam a defender explícitamente que “itens mais sensíveis”, como proteção à propriedade intelectual (software, patentes) fossem removidos da negociação da Alca e transferidos para as discussões na Organização Mundial do Comércio (OMC). “O que li na lista (da Coalizão Empresarial) é exatamente o que queremos: discutir propriedade intelectual na OMC, limitar o debate dos serviços ao acordo também na OMC e discutir investimentos com base em uma lista positiva (que delimita um número pequeno de setores a serem abertos à participação estrangeira)”, comentou Amorim.

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