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A venda de armas no mapa da violência

Das dez cidades mais violentas do país, sete rejeitaram, no referendo de 2005, a proibição à venda de armas numa proporção muito superior à média nacional. A maior parte delas também se manifestaria, um ano depois, contrária à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A grande maioria também experimentou surtos de crescimento econômico nos últimos anos e apenas uma delas, a que ocupa o décimo lugar, está no eixo Rio -Sâo Paulo.

Tome-se Colniza (MT), por exemplo. Na cidade recordista em homicídios per capita, encravada na divisa dos Estados de Mato Grosso, Rondônia e Amazonas, nove em cada dez de seus eleitores foram contrários à proibição da venda de armas (o resultado nacional foi de 63,9%) no referendo.

As urnas de Colniza, à luz do mapa da violência, mostram que lá, mais do que qualquer outro lugar, a população não aceita se desarmar porque o Estado não oferece garantias suficientes de que é capaz de protegê-la. No matadouro de Colniza, Estado é regularização fundiária e fiscalização da exploração de madeira. Para suprir a ausência do Estado, eles preferiram ficar com as armas, agora se vê, com as mortes.

Em Juruena (MT), segunda na lista do mapa da violência, Estado é demarcação de terra indígena e regularização do garimpo. O Estado em que estão quatro das dez cidades mais violentas do país é governado pelo aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Blairo Maggi. Com a perspectiva de o Brasil se tornar a Arábia Saudita do etanol, é no Mato Grosso que estão concentradas boa parte das expectativas em relação à expansão da área plantada de cana. Mas há evidências de sobra de que o crescimento, sozinho, não será capaz de civilizar a região.

Lula reelegeu-se porque a maioria da população aumentou seu poder de compra. Isso foi obtido em parte com a atuação direta do governo federal na montagem da rede de beneficiários dos programas sociais. Mas o combate à violência requer uma engenharia política mais sofisticada do que a de colocar um prato de comida três vezes por dia na mesa do brasileiro. Para desenvolver uma política de segurança pública eficiente não há como abrir mão da intermediação de governadores e prefeitos.

O primeiro mandato de Lula teve pífios 2,6% de crescimento médio da economia, mas não se lhe negará o mérito de ter promovido uma melhor distribuição desse crescimento com uma elevação, acima desse patamar, da massa salarial e de regiões menos desenvolvidas do país. O que o mapa da violência mostrou é que essa interiorização do crescimento, desacompanhada de Estado, é como subir um degrau no desenvolvimento para descer dois.

Tome-se Pernambuco, por exemplo, Estado que, como todo o Nordeste, cresceu mais do que a média nacional no governo Lula. Mas foi em algumas das cidades de maior crescimento econômico do Estado, onde se desenvolvem os pólos têxtil, agrícola e mineral, que a violência mais avançou a ponto de colocá-lo como recordista na taxa de homicídios por 100 mil habitantes no país. O histórico de radicalismos políticos do Estado tem servido de anteparo ao estreitamento da relação entre o governo estadual, os municípios e as organizações não-governamentais do setor para a implantação de políticas de combate à violência.

Tome-se o exemplo de São Paulo, o único Estado a registrar, nos últimos cinco anos, queda contínua no número de homicídios. Os analistas do mapa da violência atribuem esse desempenho à articulação entre o governo estadual e as prefeituras para manter as escolas abertas nos finais de semana, implantar a lei seca e reforçar o policiamento municipal.

Não há cadáveres municipais, estaduais ou nacionais mas há um único governante que hoje alimenta a pretensão de, ao final de seu segundo mandato, ter mudado a face do país. Por isso a sobrevivência desses indicadores alarmantes de violência é um retumbante fracasso do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Em contraste com os crimes que ganham maior divulgação, a principal vítima da violência é o homem jovem, pobre e negro. Não há dúvidas, portanto, de que se trata de uma tragédia social. Lula está para anunciar novos programas sociais e educativos para jovens dos centros urbanos e para a população de comunidades isoladas no país. Também ajudaria se impedisse os cortes nos investimentos do orçamento da Segurança e nos repasses no Fundo Penitenciário. Mas o presidente, sobretudo, não avançará muito, sem integrar os governadores e os prefeitos na força-tarefa.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras – [email protected]

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