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A um passo do paraíso

Talvez seja um pouco cedo para comemorar, mas recentes desdobramentos internacionais podem simbolizar uma nova era para as fontes renováveis de energia. A mais ambiciosa tentativa do mundo de combater o aquecimento global ganhou um aliado de peso: o anúncio do presidente russo Vladimir Putin de ratificar o Protocolo de Kyoto pode acabar com o marasmo que impera nas negociações em torno de um acordo global sobre emissões de gases causadores do efeito estufa.

Aprovado em 1997, o tratado estabelece que os países signatários são responsáveis por reduzir o volume de emissões de gases até atingir 5,2% abaixo dos níveis registrados em 1990 o prazo para alcançar esta meta é 2012. O acordo só entra em vigor se for ratificado por países que juntos respondam por cerca de 55% das emissões registradas em 1990. Como os Estados Unidos, na administração de George W. Bush, optaram pela não-ratificação, o protocolo estava em compasso de espera. Afinal, os norte-americanos são responsáveis por 36,1% do total das emissões mundiais. A Rússia, o terceiro maior poluidor mundial (responsável por 17% das emissões globais), seria o único país capaz de se juntar aos 125 países que já aprovaram o protocolo para atingir o índice mínimo de emissões.

Depois de muitas idas e vindas, o governo russo deu sinal verde. O próximo passo é a Duma, câmara baixa do Parlamento russo, ratificar o protocolo nas próximas semanas. A decisão, entretanto, deve encontrar grande resistência, mesmo com a maioria do legislativo sendo controlada pela administração Putin. Não me cabe julgar os motivos que levaram a Rússia a aceitar participar deste esforço global no combate as mudanças climáticas, mas comemorar o fato de que, pela primeira vez, Kyoto poderá sair do papel para entrar, efetivamente, na prática.

Vale enaltecer que o interesse dos países signatários do Protocolo de Kyoto não decorre apenas do “bom-mocismo” ambiental. Na base deste acordo global reside uma equação na qual o que se deixa de poluir terá um equivalente em dólares americanos, ou seja, quem polui é obrigado a incentivar o desenvolvimento de fontes renováveis. Para tanto, foi criado, no âmbito das Nações Unidas, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que consiste num balcão de negócios onde países podem comprar e vender créditos de carbono, no sentido de financiar o desenvolvimento, produção e uso de fontes energéticas alternativas aos combustíveis fósseis em diversos países.

Atualmente, uma tonelada de gases poluentes equivale a US$ 5, mas o valor tende a subir proporcionalmente ao número de países que ratificarem o acordo global. Especialistas calculam que o MDL deve movimentar cerca de US$ 2,5 bilhões em 2007, e o Brasil poderá obter um quarto deste montante, ou seja, US$ 625 milhões por ano, graças às características de sua matriz energética, o uso em escala de fontes renováveis como o álcool, a co-geração a partir da biomassa e, futuramente, o biodiesel.

Já são cerca de 30 usinas sucroalcooleiras que dispõem de certificação de créditos de carbono, por conta de seus projetos envolvendo co-geração de biomassa, e este número só tende a aumentar nos próximos anos.

Além de diminuir a dependência brasileira em relação aos combustíveis fósseis, o incremento na produção de fontes renováveis pode colocar o País em um lugar de destaque no comércio internacional de biocombustíveis. A recente visita do primeiro ministro japonês, Junichiro Koizumi, a uma usina sucroalcooleira na região de Ribeirão Preto só vem confirmar o inevitável. Após o Japão aprovar a mistura de 3% de álcool na gasolina, o único país capaz de fornecer o produto é o Brasil. E as possibilidades não param por aí China e Estados Unidos também podem se tornar os próximos destinos deste combustível genuinamente brasileiro.

Cabe ao governo brasileiro criar as condições necessárias para que este diferencial ambiental possa se desenvolver e atender essa nova demanda mundial. Para isso, precisamos de uma expansão sustentável da produção de biocombustíveis, que começa com a definição do papel do álcool na matriz energética brasileira. Garantir um tratamento diferenciado para os chamados carros flexíveis, incentivar as pesquisas e a produção do biodiesel, além de oferecer uma remuneração adequada para estimular a expansão do uso da biomassa da cana são princípios pelos quais devemos lutar. Nesse sentido, o País caminharia a passos largos para uma nova ordem mundial, pautada pelo uso racional e sustentável dos recursos naturais.

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