Mercado

A nova cor da Petrobrás

Solange Monteiro, Rio de Janeiro e São Paulo com Felipe Aldunate M.

Para José Sergio Gabrielli, o sorriso vem fácil. Afinal, não faltam motivos para que o mais alto executivo da Petrobras esteja satisfeito: depois de assumir em meados de 2005 como presidente da maior estatal brasileira, Gabrielli tem encabeçado grandes marcos nos 53 anos de história da companhia. O mais importante é ter conquistado em 2006 a auto-suficiência em petróleo, graças a contínuos aumentos da produção, que em janeiro chegou a 1,78 milhão de barris/dia de petróleo e gás só no Brasil. Também registrou recorde de vendas em 2006, de US$ 77,15 bilhões, uma alta de 16% em relação a 2005. E, apesar da polêmica relação com os vizinhos sul-americanos, vem aumentando significativamente os investimentos em seu projeto de internacionalização. Até 2011, somarão US$ 12,1 bilhões e estão voltados a lugares tão diversos como Índia, Tanzânia e Paquistão.

Para Gabrielli, 2007 é “o ano da Petrobras”. E um dos melhores motivos pode vir de um setor diferente ao dos hidrocarbonetos, o mais tradicional de seus negócios. O executivo quer transformar a empresa na locomotiva exportadora de um processo que ameaça tornar o Brasil o epicentro de um novo Oriente Médio: a revolução energética do álcool. O combustível que ganhou fama em todo o mundo nas últimas semanas devido aos anúncios de George W. Bush de fomentar seu uso nos Estados Unidos não tem melhores condições de produção no mundo do que as brasileiras. Isso não somente devido ao clima e às imensas áreas cultiváveis.

Também porque o País leva décadas investindo em tecnologia para obter da cana-de-açúcar a maior produtividade na fabricação de etanol que se conseguiu até hoje. Enquanto os Estados Unidos – outro grande produtor e consumidor de etanol do planeta – produzem 3.037 litros de álcool de milho por hectare, a cana brasileira permite tirar 6.879 litros da mesma área. “Somos os mais eficientes na produção de etanol e temos uma infra-estrutura logística que não existe em nenhum país do mundo”, diz Gabrielli. “E a Petrobrás quer ser uma empresa de energia, ou seja, muito mais diversificada que a produção única de petróleo e gás.”

As vantagens do Brasil na fabricação do etanol, somadas às pressões ambientais pela busca de uma energia limpa e renovável e a instabilidade no fornecimento – e possível escassez – de petróleo fizeram milhares de investidores de todo o mundo correr para o País para colocar sua bandeira nos campos e usinas. O resultado será um aumento da atual produção brasileira de 20 bilhões de litros anualmente (dos quais 15 bilhões são para abastecer o mercado interno). Um dos casos de destaque que ilustram essa tendência foi o anúncio da criação do Brasil Energy, fundo encabeçado pelo ex-presidente da Petrobras Henri Phillip Reichstul, que conseguiu reunir US$ 2 bilhões entre nomes como James Wolfenson, ex-presidente do Banco Mundial, Vinod Khosla, fundador da Sun Microsystems e Steve Case, fundador da America Online, com foco na criação de um pólo de produção de etanol. E os boatos não param, envolvendo inclusive empresas concorrentes da petrolífera nacional. “Hoje o álcool envolve mais marketing que volume de produção, mas até 2015 pode se tornar um combustível de peso no mundo”, diz o brasileiro Jean-Paul Prates, da consultoria de petróleo e gás Expetro, no Rio de Janeiro.

Na dianteira

Enquanto os novos participantes se posicionam para a largada, a Petrobras corre com a vantagem de conhecer o território há 30 anos, quando apoiou a implementação do primeiro programa de uso do etanol no país (Proálcool). Desde então, não só passou a testar a mistura de álcool com gasolina como foi estruturando uma rede de transporte e distribuição do novo combustível por todo o País. Mas agora os interesses da companhia vão além e se estendem à produção. “Estamos interessados na logística e comercialização, mas também se está discutindo a integração no processo de produção”, declarava conservadoramente Gabrielli à AméricaEconomia, dias antes da assinatura de um memorando de entendimento com o Japan Bank for International Cooperation (JBic), no início de março.

Esse foi o empurrão definitivo para que a Petrobras assumisse a intenção de estender de vez sua atuação ao setor produtivo. Além de anunciar a busca de sócios para construir 40 usinas de álcool em parceria com a empresa japonesa Mitsui e avaliadas, segundo o diretor de abastecimento da empresa, Paulo Roberto Costa, em US$ 200 milhões cada, a estatal passou a admitir inclusive a possibilidade de, no médio prazo, constituir uma nova subsidiária voltada exclusivamente para a produção e comercialização de álcool.

É assim que Gabrielli pretende levar a cabo os planos da empresa de exportar 3,5 bilhões de litros do produto em 2011. Desse total, a maior parte (cerca de 90%), irá para o Japão, onde a Petrobras criou em 2006 a joint venture Brazil-Japan Ethanol Co. Ltd. (BJE), com a japonesa Nipon Alcohol Banhai, para cuidar da importação e distribuição. É uma escala muito superior aos parcos 120 milhões de litros de álcool exportados pela companhia em 2006, para a Venezuela e a Nigéria, e a previsão de embarque de 850 milhões de litros este ano, com possíveis novos contratos na Ásia e União Européia.

Para conseguir tudo isso, a Petrobras também projeta aumentar a eficiência logística da produção de etanol, concentrada no centro do País, e evitar o gargalo das longas filas de caminhões que carregam e descarregam os milhares de litros que levam. A solução está na construção de um álcoolduto de 800 km que conectaria a região Centro-Oeste do País, Minas Gerais e o interior de São Paulo ao porto de São Sebastião, com investimento de US$ 600 milhões em seis anos e que aliviaria em parte a pesada carga logística que implica exportar no País.

Apesar de o envolvimento da maior empresa nacional poder ajudar a dar credibilidade a um movimento ainda nebuloso, nem todos vêem com bons olhos a investida da petroleira estatal nessa indústria. Alguns se preocupam que a construção do duto, por exemplo, possa implicar oficializar uma estrutura monopsonista (monopólio na demanda), em que muitos vendedores teriam que vender seu etanol a um só comprador. “Isso se complica ainda mais se a Petrobras começar a produzir também em grande escala, porque será concorrência desleal”, diz um empresário do setor que não quis se identificar.

Os maiores temores vêm das possíveis ingerências políticas no mercado por intermédio da empresa. “Quando a Petrobras se volta rigidamente a seus interesses empresariais, onde é competitiva e possui um modelo de gestão elogiado, está beneficiando seu maior acionista, que é o País”, diz Laura Tetti, consultora da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), que atualmente concentra 65% da produção brasileira de álcool. “Mas a essência da Petrobras é outra e o fato de ser estatal não dá a ela o direito de definir o que é política de desenvolvimento nacional.”

São fantasmas que acompanham a Petrobras por onde a empresa vá e que nem a obstinação de Gabrielli em negá-lo poderá resolver. Embora quase metade da propriedade (44,3% do capital votante) esteja pulverizada no mercado de ações, é o governo quem nomeia o presidente da empresa e seus principais executivos. Tratam-se de postos mais cobiçados que muitos ministérios, já que o orçamento da estatal supera o da maioria deles e até o PIB de alguns países latino-americanos. “A Petrobras tem uma administração profissional e entra em negócios de viabilidade comprovada. Isso é um mérito dela”, diz Jean-Paul Prates, da Expetro. “Agora, dependerá do governo e dos agentes do setor não deixar que isso aconteça.”

Para outros, o recomendável é que a Petrobras apóie o desenvolvimento dessa indústria, participe em projetos quando for preciso e ofereça uma tarifa justa e condizente com os investimentos feitos. O papel preponderante da Petrobras dentro desse mercado foi apresentado pelo governo ao próprio George W. Bush, que em sua visita ao Brasil foi convidado por Lula e Gabrielli para conhecer uma das subsidiárias da estatal, em Guarulhos, antes de os dois presidentes assinarem um acordo de pesquisa e investimento em álcool. Dias antes da visita do presidente norte-americano, seu irmão Jeb Bush, governador da Florida, também tinha desembarcado em São Paulo. Em reunião com empresários, afirmou preferir “comprar álcool do Brasil que petróleo da Venezuela”.

Por enquanto, porém, tratam-se de palavras que ainda não transcendem as boas intenções. O que há de concreto atualmente é muito pouco, pois os países que usam o álcool como combustível e em grande escala são apenas Brasil (40% do consumo total) e Estados Unidos (2%). No Brasil, apesar de já ter uma história de décadas, é um mercado que se consolidou em definitivo há apenas dois anos, graças à popularização dos carros flexfuel, que somente no ano passado representaram vendas de 1,4 milhão de unidades. Mas os Estados Unidos, apesar das boas palavras e da projeção de demanda de 132,5 bilhões de litros do combustível verde até 2017, não poderá ser considerado oportunidade para o etanol brasileiro enquanto não for eliminada a tarifa de importação de US$ 0,54 por galão, mais imposto de 2,5%.

E ainda demorará até que outros mercados potenciais contem com o mesmo privilégio brasileiro de ter ao menos uma bomba de álcool em cada posto de gasolina e carros adaptados para serem abastecidos com mais de um combustível. Primeiro será necessária uma mudança nas regulações de cada país para que o álcool possa se misturar à gasolina, como ocorre no Brasil (até 25%) e está sendo negociado no Japão (3%). “Isso já será suficiente para os países terem de garantir abastecimento e começarem a buscar contratos de longo prazo”, diz Prates.

Esse é um fator-chave para um produto cuja produção ainda depende da decisão do usineiro, que ainda costuma substituí-la pela produção de açúcar dependendo do preço de mercado de cada um. “Hoje o produto fica na rabeira entre um mercado agrícola de pré-revolução industrial e o preço dos combustíveis. Isso não gera estabilidade”, diz, Laura Tetti, da Unica, elogiando a iniciativa do Brasil e dos EUA de estudar as formas de transformar o etanol numa commodity. A consultora ainda destaca a necessidade de investimentos no estudos de novas tecnologias, já que “os EUA conseguiram em sete anos o que demoramos 30 para alcançar”, e o estímulo à produção em outros países, para dar mais solidez ao mercado.

Mesmo que esse novo nicho energético não deva dar grandes resultados no curto prazo, a Petrobras pode colher dividendos imediatos, refletidos numa possível valorização da empresa por estar atrelada à revolução verde brasileira. Não seria mal, já que as estatísticas não têm sido favoráveis à companhia. No acumulado do ano, suas ações já se desvalorizaram 12%, enquanto a Bovespa perdeu 2,3%. “A valorização do mercado do etanol e o investimento da Petrobras nessa área são fatores positivos para a companhia. Demonstram que ela segue a tendência das maiores do setor de não contar somente com petróleo e gás em suas operações futuras”, afirma Mauro Andrade, analista da Deloitte Petroelum Services, no Rio de Janeiro. “A Petrobras possui elevada capacidade de obtenção de recursos para novos projetos e a entrada da empresa em novo segmento com alta correlação com suas atividades é favorável”, diz Marcos Paulo Pereira, analista do Banco Fator, em São Paulo.

Isso poderia significar um alívio não somente em sua batalha contra a vulnerabilidade aos preços internacionais do petróleo e a desconfiança do mercado por seu vínculo estatal. A escolha de Lula de elevar a companhia a baluarte da integração regional também já mostrou seu preço para o bolso dos acionistas. Apesar de registrar um lucro recorde de US$ 25,9 bilhões em 2006, o maior entre empresas de capital aberto na América Latina nos últimos 20 anos, a queda no lucro das operações internacionais foi vertiginosa: 75%, tendo entre os principais responsáveis os novos contratos assinados com Bolívia e Venezuela. A isso ainda se somou a renegociação com a Bolívia do preço do gás comprado pela empresa em fevereiro, que segundo cálculos do governo boliviano podem gerar um prejuízo para a empresa de US$ 100 milhões ao ano. Ainda assim, Gabrielli não tira o sorriso do rosto. Sente que a cor verde cai bem e que em breve a força do etanol poderá se refletir em bons números.

“A questão da receita petrolífera é um problema mundial”

O empenho no mercado de etanol é apenas um dos desafios para o presidente da Petrobras. Gabrielli também quer reforçar a internacionalização da petrolífera e busca a autonomia do gás boliviano – prevista pela empresa para 2008, como revelou em entrevista a Solange Monteiro, editora-assistente da AméricaEconomia.

A Petrobras foi criticada por ter sido contra a nacionalização do petróleo na Bolívia e depois ter mudado de posição. A que se deve isso?

Não houve mudança de posição. A Petrobras é uma empresa que respeita a lei em todos os lugares onde atua, e evidentemente tem que se adaptar à situação legal de cada país e vai defender seus interesses nessa situação. Em nenhum momento perdemos o controle operacional de nossas refinarias. Hoje elas estão sob um processo de avaliação de valor para a indenização justa, como diz a constituição boliviana. Em alguns momentos, existe mais tensão, em outros menos. Mas o processo continua e esperamos uma solução. Estamos dispostos a analisar a possibilidade de novos investimentos, não só estender a produção porque estamos na Bolívia, mas porque estamos também na Argentina, distribuindo, produzindo e vendendo gás lá.

O plano de internacionalização da empresa implica uma descentralização dos negócios que hoje estão concentrados na América do Sul?

Nosso maior investimento não está na América do Sul, mas nos EUA. Temos US$ 1,5 bilhão em exploração e compramos uma refinaria (Passadena, Texas) na qual vamos investir algo em torno de US$ 2 bilhões. Nosso novo investimento máximo internacional vai ser no Golfo do México, onde temos mais de 280 blocos exploratórios em águas ultraprofundas, e nossa maior produção internacional virá da Nigéria, não da América do Sul. Também diversificamos para áreas potencialmente exploratórias. Estamos entrando em países como Tanzânia, Irã, Líbia,Turquia, Índia, Paquistão e Portugal.

A mudança regulatória é um fator de risco inerente para a Petrobras?

Sim, existe em todo o mundo. Nos EUA, por exemplo, o fisco americano avaliou em 2006 que havia erros e que as empresas tinham que se adaptar e mudar voluntariamente seu contrato. É evidente que é um processo de negociação, não tem ato de violência, mas há mudanças sérias que impactam fortemente nos campos de exploração de águas profundas. Além disso, há uma discussão no Congresso americano muito forte de mudança substantiva no imposto de renda sobre o lucro das petrolíferas. Estou falando dos EUA para demonstrar que a questão da renda petrolífera é um problema mundial. Toda vez que aumenta o preço do petróleo, todos os Estados vão buscar taxar mais essa renda.

Há críticas de que a Petrobras decidiu adiantar investimentos para beneficiar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)…

Todos os projetos que estão no PAC são projetos que têm significado econômico para a Petrobras. Nós antecipamos e aceleramos os projetos relativos à produção de gás porque o mercado de gás brasileiro vive uma fase de transição muito grande. Saímos de uma situação em que quatro anos atrás o gás representava 4%, 5% da matriz energética e que poderá chegar a 12% – um crescimento de mais de 17% ao ano da demanda –, e hoje metade desse gás é fornecido pela Bolívia. A expansão prevista do mercado de gás brasileiro é gigantesca e vamos sair da situação atual de oferta de 20 milhões de m3 até atingir 71 milhões de m3 em 2011. Vamos construir 4,6 mil kms de gasoduto dentro do País. Temos investimentos de US$ 22 a US$ 26 bilhões, que também incluem refinarias. Todas essas acelerações têm um significado econômico real.

Como imagina a Petrobras daqui a dez anos?

Vejo a Petrobras como uma empresa de energia, ou seja, que vai estar mais diversificada além da produção de petróleo e gás. Nossa visão é de que em 2011 estaremos com produção em torno de 3,5 milhões de barris ao dia e, em 2015, de 4,5 milhões, o que significa metade da produção da Arábia Saudita e da Rússia e mais do que a produção atual da Exxon. Propomos ser a empresa líder de energia do mercado latino-americano. Estaremos presentes amplamente na América Latina, seremos uma empresa integrada, disputando e cooperando com empresas latino-americanas, dependendo da situação de mercado.

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