Mercado

A indústria automobilística, o consumidor e o etanol

A indústria automobilística no Brasil iniciou suas operações no dia 23 de março de 1953, com a instalação da indústria alemã Volkswagen que, inicialmente, se instalou num galpão alugado no bairro de Ipiranga, na cidade de São Paulo. Seis anos depois, em 18 de novembro de 1959, a empresa inaugurou a sua fábrica Anchieta, que teve a histórica participação do inesquecível presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira. Aí se deu a fabricação do primeiro Fusca nacional. Na sequência, vieram outras tantas multinacionais.

Não sou adverso ao capital estrangeiro, ao contrário, sou totalmente favorável ao mesmo e às suas tecnologias avançadas. Mas, convenhamos, é um absurdo que após 59 anos de a indústria automobilística estar instalada no Brasil, o país não tenha uma só marca nacional. Todas as tentativas de se instalar uma indústria nacional foram frustradas; a última foi a Gurgel, que nunca teve apoio das autoridades nacionais. O curioso de tudo é que, em muito menos tempo de instalada, a indústria automobilística da Coreia do Sul tem várias marcas nacionais fortes, onde desponta a Hyundai. A Suécia tem a Volvo e a Scania. Isso, sem falar no Japão, destroçado após a Segunda Guerra Mundial, que tem marcas mundialmente respeitadas como Toyota e Honda. E a China que, em menos de 20 anos, já desponta como um grande produtor e exportador de marcas nacionais. Temos uma brilhante e eficiente indústria aeronáutica de ponta representada pela Embraer, respeitada mundialmente, mas não temos uma simples montadora de veículos nacional.

O curioso de tudo isso é que, mesmo com essa reserva de mercado, as montadoras instaladas no Brasil a qualquer sinal de competição com veículos importados (mais completos e baratos), iniciam a lenga-lenga da competição desigual e exigem barreiras ao importado. Ao menor sinal de perda de mercado, os representantes das montadoras representadas pela todo-poderosa Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), fundada em 15 de maio de 1956, correm – ou melhor voam em seus jatinhos – para Brasília para pedir barreiras aos veículos importados, impedindo o brasileiro de ter acesso ao que melhor lhe convém, como aconteceu recentemente, com o absurdo aumento do IPI para os veículos importados.

O governo federal, sempre benevolente com a indústria automobilística, nunca se faz de rogado e atende aos clamores das montadoras, esquecendo-se (?) de que o Brasil não pode privilegiar um só determinado setor industrial. Por que esses privilégios que corroem as contas públicas, pois são renúncias fiscais, não são estendidos a outros setores produtivos?

Interessante notar que, apesar dessas benesses, a indústria automobilística, por pura ineficácia do governo federal, nunca demonstrou transparência nas suas margens de lucro, que são sabidamente maiores no Brasil do que nos seus países de origem. A indústria automobilística (como os demais setores da economia e todos os cidadãos), com razão, sempre se queixa da alta carga tributária, mas nunca teve a coragem de abrir a sua “caixa preta” dos custos reais e suas margens de lucro. Não resta a menor dúvida de que, se o governo federal fosse menos ganancioso na carga tributária e a indústria automobilística diminuísse suas margens de lucro, o automóvel brasileiro seria infinitamente mais barato, mais completo e competitivo.

Outro fato de suma importância, e que nunca foi exigido pelas autoridades federais, é o urgente melhor desempenho dos automóveis no que se refere ao consumo de combustíveis e à implementação de novas tecnologias (veículos elétricos e híbridos, por exemplo). Enquanto toda a frota de ônibus da capital da Suécia, Estocolmo, roda com etanol, os nossos ônibus coletivos continuam utilizando o poluente e subsidiado óleo diesel. É simplesmente inaceitável que, 37 anos após o Pró-Álcool haver sido implantado (14/11/1975, Decreto n° 76.593), os veículos que utilizam o etanol como combustível continuem consumindo 30% mais do que aqueles movidos a gasolina, que, diga-se de passagem, também não são nada econômicos.

Ora, após a retração em 1990 da fabricação de veículos que rodavam unicamente com etanol (E-100), quando a fabricação desse tipo de veículo chegou quase a zero, no início de 2003 foram lançados os inovadores e revolucionários veículos “flexible-fuel vehicle – FFV”, mais conhecidos como flex, que, como sabemos, utilizam gasolina e etanol em qualquer proporção; o que importa é o preço do combustível na bomba. Se tivemos a capacidade técnica para criar o revolucionário sistema flex, por que não desenvolvemos a tecnologia para melhorar o desempenho do consumo de combustível dos veículos?

Mesmo com o preço da gasolina artificialmente congelado há mais de cinco anos (o recente aumento de 7,83% em 25/06/12 está longe dos necessários 15%), e tendo a indústria sucroalcooleira que repassar os seus custos do etanol para o mercado, se os veículos tivessem consumos equiparados, é claro que o consumidor optaria por abastecer com etanol. A impressão que fica para o consumidor comum é que existe uma tremenda má vontade – do governo federal e das montadoras – em manter o etanol na dianteira de consumo da gasolina.

Infelizmente, as nossas autoridades e empresários do setor automobilístico só se preocupam em vender veículos e, como se diz popularmente, “não estão nem aí” para os problemas e custos de saúde provocados pela poluição emitida pelos caros combustíveis fosseis. O consumidor continua fazendo, e bem, a sua parte. Tendo como referência o período de janeiro a maio/2012 (www.anfavea.com.br), o total de veículos licenciados novos nacionais e importados de todos os combustíveis foi de 1.363.716 (automóveis e comerciais leves, 1.291.137 + caminhões, 59.628 + ônibus, 12.951). Desse total, 1.101.492 foram do tipo flex, ou seja, 80,77% de tudo que foi licenciado no Brasil.

Já passou da hora de a nossa indústria automobilística pensar menos em ônus e mais em bônus para o consumidor; ele merece!

*Humberto Viana Guimarães, engenheiro civil e consultor, é formado pela Fundação Mineira de Educação e Cultura, com especialização em estruturas de concreto, geração de energia, saneamento e materiais explosivos.

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