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O trunfo do Nordeste na produção de hidrogênio verde

Confira artigo de Renato Cunha

O trunfo do Nordeste na produção de hidrogênio verde

Há mais de um ano, o Nordeste brasileiro, com infraestrutura portuária e localização estratégica de acesso aos mercados europeu e norte-americano, tem dado passos ambiciosos em direção à era do baixo carbono.

Aproveitar este diferencial, somado às potencialidades energéticas da região, constitui uma das estratégias mais eficazes para o Brasil conquistar um novo mercado: a produção de hidrogênio verde (H2V).

Mundialmente classificado como o futuro das energias limpas, o produto é obtido de bases renováveis ofertadas por usinas hidroelétricas, solares, eólicas e por unidades processadoras de biomassa da cana-de-açúcar. Além de exportável para outros países, principalmente os da União Europeia (UE), o H2V brasileiro também poderá ser utilizado internamente para movimentar veículos elétricos equipados com célula de combustível, a partir do etanol.

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De acordo com relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o H2V vem recebendo forte apoio de governos e empresas em mais de 30 países. O Brasil, graças à liderança nordestina, figura nesta promissora articulação. Destaco três parcerias importantes entre governos estaduais e empresas de energia de grande porte, visando a construção de complexos industriais para a produção do H2V, ilustram esse momento positivo.

Inicialmente, em Pernambuco, vigoram acordos para expansão desta indústria entre o governo, por meio do Complexo Industrial Portuário de Suape, e empresas de energia. A Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI-PE) também desenvolvem com o Complexo de Suape uma rede de trabalhos e estudos que consolidam um cluster de inovação. A iniciativa envolve ainda outras representações do SENAI no país, com o protagonismo do presidente da FIEPE, Ricardo Essinger, e da diretora do SENAI em Pernambuco, Camila Barreto, dentre outros integrantes do sistema FIEPE.

No Polo Industrial de Camaçari, na Bahia, a empresa química brasileira Unigel está erguendo uma planta industrial com capacidade inicial de produzir 10 mil toneladas de H2V ao ano. Numa segunda fase do projeto, a fábrica pretende quadruplicar este volume até 2025, se tornando uma das maiores produtoras globais de H2V.

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Renato Cunha

Por fim, o Ceará também tem promovido medidas para consolidar o Nordeste como agente do futuro no mercado de H2V. No Complexo Portuário do Pecém, pretende-se construir o maior hub de H2V do Brasil em parceria com grandes empresas globais como White Martins, Eneva, Engie e EDP. O projeto tem apoio técnico da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC).

As multinacionais envolvidas miram reduzir impactos ambientais em suas cadeias de suprimento e, consequentemente, descarbonizar a economia na UE. No segmento industrial europeu, boa parte do H2V é produzido a partir de fontes de energia intermitentes,como a solar e a eólica, e os volumes de produção ainda são baixos. No mundo, segundo levantamento da IEA, a adoção do H2V poderia evitar a emissão de 830 milhões de toneladas de carbono anuais ao substituir o chamado hidrogênio cinza, oriundo de fontes fósseis como o gás natural e o carvão.

Vislumbra-se, portanto, uma oportunidade de ouro para o Brasil exportar o H2V para o continente europeu, cuja matriz energética não dispõe de tanta diversidade energética como no caso do Nordeste brasileiro.

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Some-se a isto o fato de que o Brasil, a partir do H2V, também pode aumentar sua produção de biofertilizantes, alternativa que substitui a aplicação de fertilizantes e defensivos químicos e proporciona dois ganhos importantes: reduz a dependência externa na aquisição de insumos químicos para a agricultura, problema agravado pela guerra entre Rússia e Ucrânia; e torna o agro brasileiro ainda mais sustentável graças ao aumento da matéria orgânica no solo, a preservação da biodiversidade local, o sequestro de carbono e a gestão eficiente de recursos hídricos.

Além de gerar produtos químicos e eletricidade para diferentes tipos de indústrias, o H2V também é visto como a “salvação da lavoura” na mitigação de gases causadores do efeito estufa (GEEs) no segmento de transporte. No segmento automotivo, dois projetos contemplam o uso da fonte em um sistema que opera com célula de combustível. Este processo extrai H2V diretamente do etanol para gerar eletricidade e impulsionar veículos elétricos.

A iniciativa mais antiga vem sendo desenvolvida pela Nissan desde as Olimpíadas no Brasil, em 2016. A marca realizou testes bem-sucedidos com dois protótipos da van e-NV200, que rodaram pelo Brasil utilizando a célula de combustível alimentada com etanol. Outro projeto tecnológico visando a produção de H2V embarcada nos carros ocorreu nas dependências do Laboratório de Otimização, Projeto e Controle Avançado (LOPCA) da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (FEQ Unicamp).

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Os pesquisadores da instituição desenvolveram um microrreator que possibilita a obtenção do H2V a partir do etanol. Com o apoio da Inova Unicamp, a tecnologia já foi patenteada e está pronta para ser utilizada por grandes marcas.

A despeito dos desafios para se viabilizar comercialmente esta tecnologia, a opção pelo etanol como fonte primária de H2V está disponível em mais de 42 mil postos de abastecimento espalhados pelo território nacional. É uma forma de superar a falta de uma rede de recarga de hidrogênio ou de eletricidade pura, algo de difícil implantação em um país de dimensões continentais como o Brasil.

Olhando para o futuro, está clara a conclusão das principais empresas globais, que veem no Nordeste brasileiro um trunfo para a obtenção do H2V em larga escala. Rico em sol e etanol, a região pode desempenhar um papel preponderante na construção deste hub produtivo no Brasil. Deste modo, além de incrementar nossas exportações na área da sustentabilidade, seguiremos contribuindo de forma significativa para a tão desejada bioeconomia, limpa e renovável.

Renato Cunha é presidente da Associação dos Produtores de Açúcar, Etanol e Bioenergia (NovaBio) , do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçucar-PE)  e vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (FIEPE).  

 

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