A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) chega aos primeiros seis anos de vida desde a instituição da Lei 13.576, em 26 de dezembro de 2017.
Como programa de Estado, que externaliza o potencial dos biocombustíveis para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa nos transportes, o RenovaBio oferece uma série de exemplos positivos.
Um deles: desde o início da operacionalização do programa, em janeiro de 2020 e até agosto de 2023, foram evitadas as emissões de 100 milhões de toneladas de CO2 equivalente para a atmosfera.
Para efeito de comparação, esse montante representa 5% das 2,42 bilhões de toneladas de CO2 lançadas pelo país em 2021, conforme a organização Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
A marca dos 100 milhões de CO2 “atesta o compromisso do Brasil com o meio ambiente, a partir de uma política de Estado construída a muitas mãos pelos setores público e privado, e aprovada pelo Congresso Nacional”, afirma Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (UNICA).
Outro exemplo positivo do RenovaBio: 318 produtores de biocombustíveis do país estão devidamente certificados no programa pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e, assim, estão aptos para emitir os créditos de descarbonização (CBIOs), equivalentes, cada um, a uma tonelada de CO2.
Luciano Rodrigues, diretor de Economia e Inteligência Setorial da UNICA, destaca a eficiência do processo de operacionalização da ANP no monitoramento da certificação e na geração de lastros dos CBIOs.
“Hoje, mais de 90% da capacidade produtiva dos biocombustíveis têm sua pegada de carbono auditada por planta industrial por esse processo”, afirma.
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Programa enfrenta desfiguração
Mas apesar da excelência dos resultados, o RenovaBio enfrenta tentativa de desconfiguração. Em novembro, um grupo de distribuidoras tentou pressionar o governo a desfigurar o programa e beneficiar os combustíveis fósseis, como revela matéria do Valor,
Em nota, a UNICA destaca que “os argumentos trazidos na matéria são evidente exercício de desonestidade intelectual com as autoridades e com a opinião pública brasileira.
A suposta escassez de CBIOs (Créditos de Descarbonização) foi levantada pelas mesmas empresas em julho deste ano, quando afirmaram que não haveria créditos suficientes para o cumprimento das suas metas em setembro.
Entretanto, o que se viu ao final de setembro foi uma oferta de CBIOs muito superior ao necessário para o atendimento das metas – vale ressaltar, inclusive, que na ocasião cerca de 6 milhões de CBIOs foram aposentados além do exigido, permitindo uma antecipação do cumprimento das metas previstas para março de 2024.
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Não fosse suficiente, os elementos trazidos vão de encontro à postura do governo brasileiro, que tem dado provas concretas de seu compromisso com o avanço no combate às mudanças climáticas”.
Conforme a UNICA, “infelizmente, contudo, a cena não é nova. Depois de terem atuado para que o Congresso Nacional não aprovasse o RenovaBio em 2017, essas distribuidoras pressionaram o Executivo para que ele não fosse regulamentado. Quando aprovado, fizeram de tudo para descaracterizar o programa, especialmente no governo passado.
Agora, mais uma vez, organizam-se para pressionar e para desmontar um conjunto de políticas públicas ambientais que fazem do Brasil uma referência global no processo de descarbonização do setor de transportes”.
Afinal de contas, o RenovaBio precisa ou não ser alterado?
Para saber mais a respeito, o JornalCana entrevista – com exclusividade – o pai do programa, Miguel Ivan Lacerda de Oliveira.
Analista da Embrapa, ele foi diretor do Departamento de Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME), sendo responsável pelo desenvolvimento da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituído pela Lei 13.576/2017. Oliveira também foi diretor do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET).
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Confira a entrevista:
JornalCana: Qual seu balanço desta política de Estado que completa os seis primeiros anos em dezembro de 2023?
Miguel Ivan – Em termos de política pública, o RenovaBio é um programa muito recente. E infelizmente ele foi interrompido pela pandemia da Covid 19, que mudou regras.
Depois, teve uma política de valorização do combustível fóssil tanto na redução da tributação, como para lidar com os efeitos da própria pandemia.
O RenovaBio é uma política de sucesso que tem se estruturado, que tem garantido um olhar estratégico para a bioenergia, mas que, devido à pandemia, precisa ainda de alguns anos para ser avaliado, corrigido, se isso for necessário.
Mas eu avalio que o RenovaBio é um programa que teve, sim, impacto ambiental, no modelo de produção mais sustentável para o país.
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JornalCana: Passados esses primeiros seis anos, o senhor, ‘pai’ do RenovaBio, faria alguma alteração em nome de ajustá-lo em alguma direção?
Miguel Ivan – O RenovaBio precisa, sim, de algumas alterações.
Entre as principais alterações necessárias está a desoneração tributária do crédito de descarbonização (CBIO). Isso porque a oneração encarece o modelo de tributação.
Outra alteração necessária nos processos é reduzir os custos de transação.
Além destes dois, há outro aspecto importante [de alteração] é que, se fosse possível hoje, com o aprendizado que temos, ampliar o RenovaBio para além da cadeia da usina.
Ou seja, a montante marcar o uso da terra, e, a jusante, marcar o tipo de como a energia é gerada e o uso da bioenergia com a biomassa.
Esses aspectos devem ser considerados, mas devem ser estudados. Isso tem que ser com base em ciência, não de vontade. Assim como quando foi construído o RenovaBio, a ciência que ser base de qualquer alteração a ser construída.
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JornalCana: A possível regulação do mercado de carbono veio para confundir companhias que voluntariamente estão certificadas no RenovaBio?
Miguel Ivan – Do jeito que está sendo feito, a regulação do mercado de carbono veio sem considerar o RenovaBio como caminho que poderia ser trilhado para toda despesa de energia. [Considerá-lo] faria muito mais sentido.
[Como a regulação é feita] gera confusões, mas acho que ainda há tempo de consertar, ou seja, estruturar o RenovaBio de uma forma que o CBIO seja valorizado e que funcione como crédito de carbono, mas não no modelo tradicional de mitigação, mas no modelo de fungibilidade [troca, substituição] e de adicionalidade.
Ou seja, em um modelo que abarcasse a transição de joule por CO2 equivalente por unidade. Essa energia CO2 capturada é que deveria ser a grande política de carbono.
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JornalCana: Diante as recentes ofensivas em que se pede renovação do programa – sugerindo que a parte obrigada deve ser a produtora de combustível e não as distribuidoras -, dá para dizer que o RenovaBio vive uma perseguição?
Miguel Ivan – Em toda política pública, em todo programa de desenvolvimento, sempre há aquelas pessoas que tinham ganho no modelo anterior.
Isso aconteceu, por exemplo, com os ludistas [movimento de operários], quando começou a industrialização na Europa, e que invadiam fábricas e queimavam máquinas, porque eram contra as máquinas.
Mas é inegável: existe mudança do clima, existe aquecimento global e ações precisam ser feitas.
Todas as ações para desestruturar as políticas de captura de carbono, de lidar com problemas de mudanças climáticas e aquecimento global, são movimentos retrógrados.
E isso é ruim para o país, é ruim para o mundo e é ruim para a própria indústria brasileira, porque se fica numa discussão de preservar o ganho de pequenos grupos em detrimento do ganho para a sociedade e para a humanidade.
Delcy Mac Cruz
Esta matéria faz parte da edição 348 do JornalCana