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Fermentação de Milho vs. Cana: Diferenças Operacionais

Confira artigo de Marcus Lages

Fermentação de Milho vs. Cana: Diferenças Operacionais

A descoberta do mecanismo de fermentação por Pasteur em 1876 marcou o início de uma evolução constante no processo produtivo e na matéria-prima utilizada para a produção industrial de etanol.

A produção de etanol no Brasil a partir da cana-de-açúcar, iniciada nos anos 70, cresceu continuamente, tornando o país um dos principais produtores mundiais.

No entanto, na última década, a tecnologia de produção de etanol a partir do milho foi introduzida no Brasil, emergindo como uma indústria significativa, com investimentos crescentes e instalação de novas plantas anualmente.

Existem notáveis diferenças na condução operacional entre os processos de fermentação de cana e milho, destacadas algumas a seguir.

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  1. Tempo de Fermentação: Na fermentação da cana, o processo ocorre em aproximadamente 8 horas, com um tempo total de utilização da dorna em torno de 12 horas. Já na fermentação do milho, esse período se estende de 50 a 70 horas. Essa diferença substancial é atribuída ao início do processo do milho, onde a propagação começa com cerca de 30 kg de fermento em cada dorna, tornando o processo mais lento em comparação com a fermentação da cana que inicia o processo com toda levedura necessária no interior da dorna numa proporção de aproximadamente 1∕3 do volume total do fermentador.
  2. Concepção do Processo: A produção de etanol a partir da cana-de-açúcar adota amplamente a concepção de Melle-Boinot, onde as células de levedura são recicladas e tratadas entre os ciclos de fermentação. Essa abordagem permite uma propagação única de fermento no início da safra e a partir deste ponto, todo o fermento utilizado nas dornas seguintes são provenientes da centrifugação e reciclo da levedura, resultando em um tempo de fermentação mais curto. Por outro lado, na fermentação do milho, ocorre uma propagação de levedura para cada dorna iniciada, demandando um crescimento populacional junto com a conversão para etanol, prolongando o processo.
  3. Composição do Mosto Alimentado: No mecanismo de reação descrito por Pasteur a fermentação ocorre com a levedura convertendo a glicose em etanol e CO2, sendo a glicose o principal substrato desta reação. Na composição do mosto quando se utiliza o caldo da cana-de-açúcar e∕ou melaço de açúcar a glicose já está totalmente disponível e a sacarose presente no mosto é imediatamente convertida em glicose pela enzima presente na levedura, desta forma, todo substrato necessário para a fermentação já está livre na dorna fazendo com que ocorra a reação de forma instantânea em contato do mosto com a levedura presente na dorna. No processo do milho o mosto alimentado na dorna está com todo sólido necessário, porém em forma de amido e através da adição de enzimas se cria um perfil de conversão de amido em glicose em função da quantidade de levedura presente e crescente na dorna, desta forma é possível controlar a quantidade de glicose suficiente para conversão em função da quantidade de levedura sem que haja sobra de açúcar ao final da fermentação.
  4. Teor Alcoólico: Devido maior tempo para fermentar e a capacidade de distribuir a glicose ao longo do tempo, a fermentação do milho alcança um teor alcoólico volumétrico próximo de 20% v/v. Em contrapartida, o processo da cana atinge máximo em torno de 12% v/v. Essa diferença é relevante no consumo de vapor durante a destilação para obtenção do etanol. Sendo o processo de milho mais eficiente nesta etapa específica.

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O que acontece quando se tenta operar reciclando fermento no processo de milho? Durante o período que trabalhei com o milho, fizemos vários testes sobre esta questão, e algumas limitações foram observadas. A primeira observação é que havia um limite que variava entre 3 a 5 vezes a quantidade de reciclo, após isto a dorna travava no final sem converter toda glicose, sobrando açúcar ao final da fermentação.

Outro ponto fundamental que inviabilizava economicamente o reciclo de fermento era que quando retornava a levedura para dorna, também retornava todos os contaminantes juntos, inclusive proteína que servia como cultura para as bactérias, causando alta taxa de crescimento bacteriológico e provocando aumento do consumo de antibiótico para controlar esta contaminação bacteriológica em 3 a 4 vezes superior ao consumo normal, desta forma, o ganho que se tinha economizando por não utilizar levedura era inferior ao gasto com o antibiótico.

Outro ponto crucial e de grande relevância as dornas com fermento reciclado obteve menor rendimento  devido o desvio de substrato para o crescimento bacteriológico e a sobra de açúcar ao final da fermentação, com a levedura mais lenta devido aos contaminantes presentes no meio, oriundo do reciclo.

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Na minha opinião, a fermentação através do milho requer maior disciplina operacional e acompanhamento mais técnico porque ocorre simultaneamente na dorna a transformação de amido em glicose e a conversão de glicose em etanol. Outro ponto importante, como o volume de levedura no início da fermentação é menor no milho que na cana qualquer falha no controle da fermentação o impacto negativo provocado é maior no processo do milho que no processo da cana.

Ambos os processos de fermentação têm suas peculiaridades e requerem equipes operacionais bem treinada, disciplinada e continuamente atualizada para atingir o máximo rendimento que é o principal objetivo desta etapa produtiva.

Marcus Lages é engenheiro químico com especialização em gestão no Setor de Bioenergia pela UniUdop e MBA em gestão de negócios pela Esalq/USP, com 24 anos de experiências em indústria com processamento de cana e milho.

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