Em seu processo natural de sobrevivência e multiplicação, o novo coronavírus mostra-se eficiente, pois segue vencendo a guerra contra o ser humano. Nesse embate, como ocorre com todo organismo vivo, procura as melhores condições para se propagar. No Brasil, além dos fatores biológicos e naturais observados ao redor do mundo, ele encontra mais um vetor favorável, embora pouco usual como agente de disseminação de doenças infectocontagiosas: a política.
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A desarticulação entre os governos federal, estaduais e municipais e o desentendimento entre os poderes, que está inviabilizando uma estratégia eficaz e coesa de enfrentamento da pandemia, favorece a proliferação da enfermidade, dificulta muito a adoção de medidas para manter a economia respirando e vai criando gargalos de risco no sistema de saúde. Os números relativos ao contágio e óbitos pela Covid-19 crescem exponencialmente, sem contar as subnotificações, que seriam pelo menos cinco vezes maiores do que os casos reportados nas estatísticas oficiais, segundo estimativas de distintas instituições científicas.
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Diante de um quadro de tamanha gravidade, que tem sido objeto de harmonia interna em numerosas nações e que representa um dos maiores desafios à civilização em todos os tempos, é inadmissível que se mantenha e se exacerbe no Brasil a polarização política tóxica observada nos últimos anos. Não é hora de pensar em eleições, índices de popularidade e dividendos de imagem. Não pode haver antagonismo entre a morte/sobrevivência de CPFs e de CNPJs, como se a prevalência de um desses indicadores excluísse o outro.
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Num momento que exige sinergia, solidariedade, gestos de grandeza e de caráter humanitário de todas as pessoas (físicas e jurídicas), a atitude das lideranças tem influenciado e dividido a sociedade. Parece que temos hoje apenas duas agremiações políticas no imaginário dos brasileiros: o Partido de Defesa da Vida e o Partido de Defesa da Economia.
Os seguidores de ambos, seja na adoção de medidas emergenciais, na retórica eleitoral, na mídia, nas redes sociais ou no posicionamento dos respectivos “eleitorados”, seguem agindo como se a principal questão atual do País fosse o exercício do poder e a reafirmação de quem manda. Criou-se uma inoportuna Torre de Babel num contexto no qual se exige unificação de linguagem e propósitos.
Enquanto isso, o novo coronavírus vai proliferando e atacando número crescente de brasileiros, sem “perguntar” sobre ideologia e em quem sua vítima votará nas próximas eleições. A situação é grave e o inimigo biológico, poderoso. Em várias cidades, o sistema de saúde – principalmente a capacidade de leitos nas unidades de terapia intensiva, fator decisivo para a recuperação dos pacientes – está se aproximando de uma situação de colapso; o próprio Ministério da Economia admite uma queda de quase cinco por cento no PIB nacional este ano; o desemprego, que já era alto antes da pandemia, cresce, podendo atingir mais de 13 milhões de pessoas.
Os que têm origem no campo, como no meu caso, conhecem a saga do produto da terra que aramos, semeamos, regamos e colhemos. Muito além de nosso pedaço de chão, ele alcança largos horizontes. Assim sendo, o cenário atual não pode ser analisado por um único ângulo. Como numerosas nações, temos um desafio complexo a ser enfrentado. É fundamental uma visão ampla, holística e integrada do problema e, sobretudo, uma estratégia coesa, apartidária e desapaixonada para a guerra contra o coronavírus. Não se trata de discutir quem tem razão ideológica, pois isso é o que menos importa agora. A prioridade é vencer o vírus e a crise.
Nesse contexto, nem deveria ser necessária a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre prerrogativas na adoção de medidas pelos entes federativos e seria fundamental o entendimento entre os Três Poderes. Sugerimos o diálogo entre as principais autoridades, para que se adote uma política nacional de contingência para a pandemia. É o que precisamos, com urgência, mas lamentavelmente ainda não temos.
*JOÃO GUILHERME SABINO OMETTO, engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos - EESC/USP), é vice-presidente do Conselho de Administração da Usina São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).