Deu a louca no mundo? Como as usinas perdem dinheiro com a subida dos preços? Onde erram?
A partir desses questionamentos percebemos que algo não faz mesmo sentido. É preciso, então, buscar o cerne da questão e perguntar: quem criou este modelo?
A leitura que faço dessa área vem sendo construída ao longo dos 35 anos em que atuo no agronegócio, nos 20 anos de experiência no setor de suco de laranja — numa empresa totalmente voltada para o ramo da exportação, que “respirava” em dólar — e mais recentemente, nos 15 anos em que atuo no setor canavieiro, que apenas recentemente começou a navegar por esses mares.
É fato que mesmo diante das muitas crises vividas pelo setor, devido às subidas rápidas dos preços das commodities e da taxa cambial na história recente, não há evolução na compreensão dos intrincados mecanismos do mercado do açúcar.
Neste mês de julho, por exemplo, vemos grandes grupos do setor (nacionais e internacionais) revelando que estão com os preços fixados por volta de 14,5 cents por libra peso, enquanto usinas que se encontram em dificuldades (muitas em recuperação judicial e sem crédito) conseguem vender o açúcar por maior valor, na faixa de 20 cents por libra peso.
Estes números significam algo em torno de US$ 130 por tonelada de VHP, e podem implicar em uma chamada de margem de US$ 13 MM em 100.000 toneladas de VHP (cerca de R$ 45 MM), fato que pode gerar sérias dificuldades para qualquer empresa.
A minha leitura sobre este sério e grave problema é simples, mas exige de nós muito trabalho e reflexão para questionar, rever e mudar o modelo que foi criado “fora” das usinas, ou seja, pelo próprio mercado (tradings, bancos e corretoras).
Os nossos profissionais do assunto se desenvolveram neste ambiente e precisam sair dele, voltar às origens, ao “arroz com feijão”, pois quem não aprender a pensar de forma diferente, “fora da caixinha”, vai ficar resolvendo problema que não tinha.
No meu entendimento, por terem ingressado neste mercado de forma significativa há pouco de mais de 10 anos e no regime de mercado livre, as usinas, ainda não tiveram tempo para descobrir seus próprios caminhos, para gerar informações específicas do setor e usá-las para balizamento e reflexões.
Sabe-se que o mercado disponibiliza soluções, mas cabe a cada usina saber do que ela realmente precisa, pois assim como na vida, de nada adianta tomar o remédio errado, pois além de continuarmos doentes, corremos o risco de fragilizar algum órgão que estava são.
Precisamos entender que o mercado (tradings, bancos, corretoras e amigos) muitas vezes pressiona para uma fixação de preço antecipada com base em parâmetros inexistentes no momento, como por exemplo, o custo da safra.
Porém, se refletirmos sobre a dinâmica natural do nosso negócio, veremos que o custo só é definido quando a safra se encerra, pois estamos sujeitos a muitas intempéries e imprevistos que afetam o custo de produção.
Que fique bem claro, não estou sugerindo que as usinas estão desobrigadas de fazer uma gestão forte nas práticas do dia-dia, para controlar e reduzir seus custos.
Contamos com bons sistemas informatizados, boas praticas e metodologias para apurar os custos, e o desafio é melhorarmos a cada dia.
Entretanto, afirmar que conhecemos realmente o custo corrente e o custo das safras futuras, para induzir a uma fixação de preços que garanta margem de lucro é falacioso.
Outro argumento utilizado pelos bancos é que a fixação de preço garante a receita para liquidar o financiamento, o que é igualmente enganoso, pois caso tenha uma oscilação forte de preço que exija grande volume de margem call perde-se liquidez e o Caixa não carimba recurso.
Tenho convicção de que tomamos remédios sugeridos pelo médico errado; sem criar nossa própria convicção, ouvimos as sugestões que o mercado nos dá e fixamos, “protegemos”, fazemos “hedge” quando, na verdade, fazemos exatamente o oposto do que deveríamos fazer, que é basicamente seguir a velocidade de comercialização normal.
Penso, sim, que o melhor não é acertar — ou adivinhar — preços a qualquer custo, mas construir a melhor média, vivendo o mercado intensamente e diariamente.
Nesse sentido, devemos eleger apenas três caminhos ou “velocidades” de comercialização: preço para baixa; preço para alta e preço para neutro. É o que basta para nos balizarmos e buscarmos os melhores caminhos para a tomada de decisões.
Devemos seguir no mercado futuro, a mesma lógica de velocidade utilizada para comercialização no mercado físico, e também não podemos perder de vista que o mercado físico é muito mais simples e não exige sistemas complexos, pessoal sofisticado e estrutura cara.
Também não há sentido em fixar a receita de modo dissociado das despesas, pois elas tem uma forte correlação; aliás a contabilidade como ciência definiu e os contadores bem sabem que para toda receita temos uma despesa correspondente, elas devem sempre estar mais próximas possível no tempo, senão trata-se de “custos”.
Creio que fixar algo em torno de 30% da receita no início da safra é razoável, mais do que isso se torna um exercício de adivinhação e, no nosso doce mundo, não temos bolas de cristal confiáveis, certo?
Ademais, não há parâmetros confiáveis, pois não há como saber se o preço médio obtido somente no mercado físico seria inferior àquele obtido no mercado futuro.
Na gestão das empresas, assim como na vida, os caminhos são construídos mais com perguntas do que com respostas prontas.
Assim, no comitê de gestão de risco devemos sempre usar o teste do stress e perguntarmos insistentemente “e se” … “e se os preços e moedas subirem muito?”… “e se caírem muito?” se a resposta for desagradável de ouvir, então é melhor não correr esse risco.
Conseguir manter a saúde das empresas é um desafio constante. Não podemos ficar a mercê de receitas prontas que foram pensadas e testadas em outros pacientes.
Precisamos, sim, botar a cabeça para pensar e questionar os modelos que nos são oferecidos, não adotá-los simplesmente porque funcionaram para os outros, afinal temos muita responsabilidade na preservação de nossas empresas e dos empregos que elas geram.
*Gerson Ferreira é diretor administrativo financeiro da Usina Diana, de Avanhadava (SP)