Mercado

Volatilidade de preço preocupa produtores de cana-de-açúcar

O setor de combustíveis, especialmente o de álcool, precisa de marcos regulatórios mais claros, o que exige esforços do governo e da iniciativa privada. Sem normas bem definidas, poderão surgir problemas de abastecimento e fortes oscilações de preços, como ocorre agora com o álcool, o que desorganiza a produção, impede um crescimento sustentável e provoca prejuízos para o país, alertou ontem o presidente da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), Eduardo de Carvalho, ao abrir os trabalhos do seminário “Os desafios do álcool combustível”, patrocinado pela entidade e promovido pelo jornal Valor Econômico, que contou com a participação de mais de 250 pessoas.

Na última safra de cana-de-açúcar, de 2003/04, houve aumento de produtividade de 10% e os preços médios foram 15% inferiores ao período anterior, lembrou Carvalho. Com preços menores e elevação de custos em torno de 30%, a situação do setor de álcool apresenta algumas semelhanças com 1988/89, quando ocorreram sérios problemas de abastecimento de álcool e que levaram a uma quebra de safra de 1989/90. “Uma cultura sazonal e permanente precisa de medidas regulatórias para ter maior estabilidade”, disse.

O governo, segundo ele, atuou no ano passado, quando os preços do álcool estavam subindo e ultrapassaram R$ 1, pedindo a colaboração dos produtores de cana-de-açúcar para manter o litro do combustível em R$ 0,90. Agora, com as cotações registrando fortes quedas, o governo se mantém passivo. “Uma crise desorganiza a produção. O ruim de uma crise é volatilidade de preços, porque ondas de preços baixos podem ser substituídas por ondas de preços altos”, lembrou. A responsabilidade, no entanto, não é apenas do governo, mas também da iniciativa privada, no caso as distribuidoras. “As distribuidoras podem trabalhar com estoques de álcool e contratos para dar mais estabilidade aos preços do álcool”, disse.

Ao analisar a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do álcool hidratado em São Paulo, de 25% para 12%, o secretário de Meio Ambiente do Estado, José Goldemberg, afirmou que o governo paulista se esforça para tomar medidas que beneficiem o álcool, porque há interesse do Estado em ter uma matriz energética mais racional do ponto de vista econômico e ambiental. “Em São Paulo, cerca de 80% da poluição vêm de fontes móveis”. Goldemberg disse que com a redução da mistura de álcool à gasolina de 25% para 20% no passado, a poluição em São Paulo aumentou 5% e o governo protestou contra a decisão, embora a medida fosse para garantir o abastecimento de álcool até entrada da nova safra de cana no mercado.

Para o diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, a “competição entre o GNV e o álcool se restringe a certas franjas específicas”, apontando dados de comparação entre os dois combustíveis: existem 29 mil postos de distribuição para o álcool no país, enquanto o GNV é comercializado em apenas 664 postos, a maioria nos grandes centros urbanos como Rio e São Paulo; um veículo a álcool tem autonomia de até 400 km e o de gás de 150 km a 180 km; o veículo a álcool roda de 7 km a 8 km com um litro combustível e o de GNV de 10 km a 12 km. O preço do álcool é de R$ 1,09 o litro e do gás R$ 1,038 o metro cúbico. “A conversão para o GNV só é vantajosa para quem roda de 80 km a 100 km por dia. A economia de um carro com GNV é de R$ 250 a R$ 300 por mês”, disse Sauer ao participar do painel sobre “O desenho da matriz energética, os derivados da cana-de-açúcar e a concorrência do GNV”.

Como a concorrência do GNV incomoda os produtores de álcool, por causa de “preços artificiais e tratamento tributário privilegiado”, segundo a Unica, Sauer deixou claro que o gás natural veio para ficar. “Importamos 15 milhões de metros cúbicos da Bolívia e podemos chegar a 30 milhões. Há ainda as reservas da Bacia de Santos. Os preços do gás serão decrescentes com a disseminação de seu uso”, destacou. O gás natural deve representar 13% da matriz energética em 2010/2015. O combustível será utilizado principalmente nos transportes coletivos e de cargas em substituição ao óleo diesel.

O diretor da Petrobras, no entanto, afirmou que existem oportunidades de cooperação da empresa com as exportações de álcool para o Japão, Europa e Estados Unidos, porque o produto brasileiro tem preços imbatíveis: o litro de álcool no Brasil é US$ 0,18 frente aos US$ 0,33 dos Estados Unidos e US$ 0,56 da Europa.

O diretor-presidente da TCL Tecnologia e Consultoria, Adriano Murgel Branco, ex-secretário de Transportes de São Paulo, defendeu a necessidade de se estabelecer uma política energética juntamente com a de transportes e a de meio ambiente, porque não é possível tratar cada uma separadamente. Ele criticou ainda a questão do “ou/ou” no Brasil. “É hábito bem brasileiro de se adotar ou o álcool ou o GNV, ou a ferrovia ou a rodovia, ou o metrô ou ônibus.”

A distribuição modal no país, disse Murgel Branco, é a mais perversa: 93% do transporte de cargas são feitos por caminhões, enquanto nos EUA são 35%. Na Grande São Paulo, o transporte individual por automóvel supera o público (ônibus, metrô, e trens). “As perdas sociais com os congestionamentos ultrapassam os R$ 20 bilhões por ano. O estímulo ao uso do automóvel é pecaminoso. Um passageiro transportado pelo metrô custa US$ 0,50 kW/hora e de um automóvel US$ 13 kW/hora”, destacou.

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