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Veias abertas para o etanol

Bush veio, viu, e não sei se venceu. Escrevo antes de iniciada sua visita ao Brasil, portanto, não há como saber se George W. piscou para Lula quando confrontado com a sobretaxa de 14 cents por litro de álcool etílico (etanol) brasileiro exportado para os EUA. Se não piscou, ou não foi confrontado, venceu. Há muito quinta-coluna, por aqui, que defende deixar barato essa medida protecionista. Como nenhum usineiro precisa do mercado americano para ficar ainda mais rico, com o crescimento do consumo interno (leia-se: carros flex) e a perspectiva de vender aos japoneses, preferem não falar em corda diante do carrasco. Azar nosso.

Está certo que a decisão sobre a tarifa adicional não é de Bush, mas do Congresso dos EUA. E, também, que a sobretaxa tem duração até 2009, fixada em lei tida como intocável pela bancada ruralista lá deles. Mas é igualmente fato que só o Brasil tem sol, água e terra para suprir a demanda etílica dos norte-americanos pelos próximos dez anos.

O país tem de se preparar desde já para competir com unhas e dentes por esse filão. No presente e no futuro. Brincar de parceria científica e calar sobre tarifas equivale a um acordo entre a leoa e a gazela para colaborar na alimentação das respectivas proles. Adivinhe quem sai perdendo.

O setor de pesquisa dos EUA conta com mais garras e gordura para gastar do que dezenas de Embrapas. Se a gazela saiu na frente produzindo com mais eficiência o álcool de cana, é só em aparência que o leão dorme, digerindo seu milho subsidiado. Em silêncio, o felino arma o bote do etanol de celulose. Deixará a cana e o milho no chinelo, pois pode ser fabricado com qualquer resíduo vegetal, até com o capim das pradarias.

Se não exigir desde logo um corte nas garras das tarifas e na gordura dos subsídios, só restará ao Brasil correr do prejuízo. Prejuízo econômico, com a perda do investimento, e prejuízo ambiental, com o avanço da fronteira agrícola sobre a parte intocada da floresta amazônica, do cerrado e da caatinga -para não falar da dizimada mata atlântica.

Em artigo recente para o periódico “Science” (9 de fevereiro), José Goldemberg disse que há 3 milhões de hectares plantados com cana para a produção de álcool no Brasil. Para multiplicar por dez a produção desse biocombustível, seriam ocupados 30 milhões de hectares, ou 10% do total disponível (300 milhões de hectares) para expansão agrícola no país, segundo o autor.

David McGrath e María Del Carmen Vera Díaz, no número 32 da revista “Ciência & Ambiente”, apontam cifra mais conservadora: 145 milhões a 175 milhões de hectares. Em entrevista ao jornal “Valor Econômico” de segunda-feira, véspera de sua sabatina pela Folha, o climatologista Carlos Nobre citou 50 milhões de hectares de terras degradadas para as quais o avanço poderia ser dirigido.

São 300, 175 ou 50 milhões de hectares? E onde, exatamente, estão? Mais que ingenuidade, seria imprudência acreditar que a fronteira agrícola movida a álcool e biodiesel se dirigirá voluntariamente para o lugar correto. Ou que ganhos dos usineiros com a febre de aquisições e vendas serão reinvestidos na pesquisa de celulose, quem sabe na formação de estoques para regularizar fornecimento e preços. Mais provável é uma alta paralela na venda de picapes 4×4 e mimos da Daslù.

Por essas e por outras, o aumento da taxa de desmatamento da floresta amazônica e no cerrado em 2007 ou 2008 é tão líquido e certo quanto investir em álcool.

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