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Uso de escória siderúrgica no cultivo de cana

A atividade industrial, via de regra, é geradora de resíduos sólidos de difícil disposição, que representam um sério risco para o ambiente e o bem-estar das pessoas, além de, às vezes, ser onerosa e trabalhosa podendo, em alguns casos, inviabilizar o processo produtivo. No caso específico da produção de ferro e aço temos uma grande quantidade de escória, entre outros resíduos sólidos. A essa escória deve ser dado um tratamento ou destino adequado, integrando-a, se possível, a outra atividade essencial para o homem. As atividades agrosilvopastoris apresentam reais possibilidades de absorver toda a escória produzida pela indústria siderúrgica, desde que ela apresente algumas características corretivas e/ou fertilizantes e, principalmente, não contamine ou polua o solo ou as coleções hídricas de maneira significativa. Assim, o estudo detalhado das escórias é condição necessária para que sua utilização preserve as condições ambientais.

A aplicação de resíduos no solo é conhecida desde antes de Cristo. Resíduos sólidos com o propósito de beneficiar a agricultura foram usados na Alemanha, já no século XVI. Dessa época até hoje, a aplicação de resíduos no solo vem sendo praticada em diversos países como Inglaterra, África do Sul, Argentina, Israel, Índia, Hungria, Bélgica, Estados Unidos etc. Esse tipo de destinação final dos resíduos sólidos gerados deve, entretanto, ser precedida de um criterioso estudo do solo, do resíduo e das técnicas mais adequadas para a sua disposição.

O patrimônio natural mais precioso do homem é, sem dúvida, o solo. A sobrevivência e a prosperidade do conjunto das comunidades biológicas terrestres, naturais ou artificiais, dependem, em última análise, deste fino estrato que constitui a camada mais superficial da Terra. Como nos primeiros tempos, a humanidade, a despeito dos progressos realizados pelas indústrias de síntese dos produtos à base de substâncias minerais, ainda extrai do solo a quase totalidade de alimentos de que necessita e a maioria das matérias-primas para a fabricação de tudo aquilo que utiliza.

O solo não é estável nem inerte, pelo contrário, é um meio complexo, em contínua transformação e sujeito a processos de formação, evolução e degradação. Forma-se no contato entre a atmosfera, litosfera e biosfera, participando intimamente desses estratos diversos, mantendo relações com o reino mineral e com os seres vivos. A decomposição da rocha-mãe, sob ação de agentes físicos e químicos variados e sua transformação pelos seres vivos constituem processos de formação dos solos que, em contrapartida, podem ser degradados por esses mesmos agentes. O homem tem a tendência natural de utilizar o solo como depósito final de seus resíduos sólidos, na forma de aterros, infiltração, disposição direta sobre a superfície, “lixões” etc., o que, infelizmente, na maioria das vezes, não é antecedido de estudos criteriosos, relacionados com os possíveis efeitos danosos ao ambiente, embora a preocupação com a degradação do solo venha dos primórdios da agricultura.

Por outro lado, a superfície dos solos cultiváveis está diminuindo de ano para ano, em conseqüência, principalmente, da pressão imobiliária e da má administração do que ainda resta, o que contribui para sua rápida degradação. Desde o início da colonização humana os solos vêm sendo agredidos embora se reconheça que os efeitos dessa ação sejam mais drásticos a partir da revolução industrial. O homem primitivo, caçador, pastor ou agricultor nômade, foi o precursor da transformação dos seus ecossistemas, por vezes em grande escala, utilizando o fogo, método extremamente poderoso e cujos efeitos extrapolavam as técnicas rudimentares da época e que, até hoje, representa um agente de difícil controle mesmo com as modernas técnicas de contenção existentes. Atualmente, o maior problema a ser enfrentado é o da contaminação,poluição do solo que assumiu proporções imensas.

A crescente procura de madeira, o estabelecimento de plantações industriais, o incipiente uso de métodos agrícolas de conservação, em proveito daqueles que asseguram rendimento imediato, mesmo que sem futuro, a elevada produção de resíduos sólidos urbanos e industriais, além da colonização do mundo inteiro pela civilização do tipo ocidental, na qual o incentivo ao consumo proporciona a geração de quantidades de resíduos cada vez maiores, intensificaram a degradação e a contaminação,poluição do solo em todo o planeta. A evolução econômica e política de continentes inteiros faz com que as novas nações procurem, atabalhoadamente, desenvolver os seus recursos, para poderem participar do “Primeiro Mundo”, correndo o risco de seu progresso se realizar em detrimento do solo.

O panorama atual demonstra a necessidade imperiosa de respeitar os ecossistemas e, particularmente, um dos seus componentes mais relevantes, que é o solo. Assim é que, no caso específico da disposição de resíduos sólidos, algumas propriedades dos solos devem ser conhecidas e levantadas.

Os resíduos sólidos, de modo geral, resultam de atividades produtivas industriais ou de sistemas de tratamento de diversas origens. Em função de suas características específicas, podem apresentar periculosidade efetiva ou potencial à saúde humana, ou gerar impactos aos meios físico, biótico e sócio-econômico, exigindo, portanto, serem bem estudados de maneira a serem usados os cuidados necessários quanto ao manuseio, acondicionamento, coleta, transporte e destino final. A forma final de descarte dependerá do grau de periculosidade do resíduo sólido, conforme Norma ABNT 10.004, que indica a disposição final de materiais inertes e não inertes em aterros convencionais; perigosos em aterro especial e, para os perigosos, indica a estocagem.

Verifica-se que a ABNT não coloca o uso agrícola como uma forma de descarte para qualquer resíduo sólido. Entretanto, sendo comprovado o valor agrícola de um determinado resíduo (talvez a melhor nomenclatura, neste caso, seja a de subproduto), ele pode ser utilizado até mesmo com vantagens para os vários setores envolvidos. Porém, um resíduo para ser utilizado na agricultura deverá apresentar características que garantam sua eficiência e sua qualidade, esta última no sentido de salvaguardar o ambiente de possível contaminação/poluição.

Os resíduos sólidos com compostos orgânicos sintéticos e metais pesados são os principais motivos de preocupação quando se deseja estudar a sua aplicação no solo, principalmente porque estes últimos vêm aumentando, assustadoramente, em função da expansão da indústria, para atender à demanda da população humana por uma vida cada vez mais confortável. As escórias da fabricação de ferro não apresentam compostos orgânicos sintéticos, mas a presença de metais pesados deve ser criteriosamente avaliada.

Os diversos fatores envolvidos na dinâmica de resíduos sólidos industriais (e de outros resíduos) quando aplicados ao solo, dificultam e mesmo impedem a generalização de respostas, em virtude da complexidade do meio. Por outro lado, o pequeno volume de informação existente, quer sobre métodos de análise, ou sobre parâmetros classificatórios, torna a avaliação de possíveis efeitos sobre o ambiente um campo aberto à investigação e à pesquisa.

O problema central da poluição do solo por metais pesados está ligado aos processos de acúmulo e transporte que dependem, em grande parte, das interações com a fase sólida do sistema. Tais interações são bastante complexas, envolvendo reações de adsorção ou dessorção, precipitação/dissolução, complexação e oxirredução. O conhecimento dessas interações, e também da cinética envolvida nesses processos, constituem requisitos imprescindíveis ao entendimento do controle das concentrações dos metais pesados na composição com o solo e de sua mobilidade nesse sistema com a conseqüente previsão da toxicidade para as plantas e da possível contaminação do solo e das coleções hídricas subterrâneas e de superfície.

Basicamente, as escórias podem ser classificadas em três tipos: escórias de alto forno, escórias de ferro-gusa (“open-hearth slag”) e escória básica ou de Thomas (esta não é mais produzida no Brasil). As duas primeiras, foram estudadas e consideradas próprias como corretivo da acidez do solo e aptas a serem usadas como fontes de Ca e Mg e de Fe e Mn, respectivamente. A escória de Thomas foi usada principalmente, como fertilizante fosfatado, por apresentar teores de 12,5 a 22,8% de P2O5 solúvel em ácido cítrico. Com o emprego de minérios de ferro pobres em P, a escória básica produzida no Brasil a partir de 1975 passou a apresentar somente 2,2% de P205 limitando, assim, seu uso como fertilizante fosfatado.

Uma escória para ser usada na agricultura deve apresentar granulometria adequada, ação neutralizante da acidez do solo e presença de elementos nutrientes. Além dessas características positivas, a presença de metais pesados deve ser analisada pelo aspecto ambiental de contaminação do solo e das coleções hídricas superficiais e subterrâneas.

Neste sentido a RECMIX do Brasil solicitou-nos um estudo criterioso do potencial de uso da escória de sua produção através de ensaios de laboratório, casa de vegetação e no campo, envolvendo as culturas de alface, cana, arroz, eucalipto, café e pastagens. Os resultados de nossas pesquisas demonstraram ser a escória da RECMIX um excelente material corretivo de solo. Embasado nestes trabalhos a FEAM e o Ministério da Agricultura concederam o registro e permitiram a comercialização da referida escória, que hoje é comercializada com o nome de AGROSILÍCIO. Alguns resultados obtidos com a cultura da cana-de-açúcar estão descritos abaixo.

Foram analisados a produtividade da cultura; brix, sacarose, pureza e pol no caldo e silício no caldo e nas folhas de cana-de-açúcar cultivada em solo corrigido com calcário e o agrosilício. Os resultados, para cada variável analisada, menos para o silício, foram iguais estatisticamente entre si, indicando que o agrosilício apresenta as características necessárias para substituir os calcários na correção do solo para o cultivo da cana-de-açúcar. Resultados semelhantes para cana-de-açúcar foram obtidos por Kondörfer (1989), Malavolta (1997), Prado (2001) e Jacomino et al. (2002) e para as culturas de alface, café, arroz e bracchiária por Jacomino et al. (2002). A análise de silício no caldo mostrou que a testemunha apresentou valores iguais aos da aplicação de calcário e o agrosilício, esta somente no nível 3NC, sendo todos os tratamentos superiores ao agrosilício com 1NC. Mesmo assim não foram verificadas diferenças entre os tratamentos para as características tecnológicas como acima discutido. Isto ocorreu em função de o solo do experimento ser rico em sílica solúvel de maneira que os efeitos benéficos sobre estas características apontados por Kondörfer (1989), Malavolta et al. (1997), Prado & Fernandes (2001) e Jacomino et al. (2002) não foram evidenciados.

Em função de se tratar de um resíduo industrial e à preocupação da contaminação ambiental por metais pesados relacionados à utilização agrícola de resíduos, foi feita a quantificação de Zn, Cu, Pb e Ni no caldo de cana-de-açúcar cultivada em solo corrigido com um calcário agrícola e com o agrosilício. Foram analisados somente estes elementos seguindo a recomendação da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (1992). Destes elementos, o Zn e o Cu são micronutrientes essenciais para as plantas como para os animais (Malavolta, 1980) e, desta forma a presença deles, no caldo da cana, é benéfica.

A aplicação de calcário ou do agrosilício não alterou significativamente o teor de Zn no caldo da cana-de-açúcar comparativamente à testemunha.

A correção do solo tanto pelo agrosilício qunato pelo calcário resultou em menor absorção de Cu pela cana-de-açúcar, comparativamente à testemunha, provavelmente em função da elevação do pH do solo que diminui a concentração deste elemento na solução do solo (Lindsay, 1979).

A absorção de Pb também foi influenciada negativamente pela correção do solo pelos produtos utilizados. Deve-se salientar que o conteúdo de Pb nos solos agrícolas varia entre 2 e 200 mg kg-1, concentrando-se nas camadas superficiais. A maior parte de Pb acumula-se nas raízes, caules e folhas e muito pouco nas sementes. Os efeitos da correção do pH do solo e da elevação dos níveis de Ca+2 promovido pelo agrosilício diminuem a absorção de Pb, pois a solubilidade deste, mesmo baixa, é diminuída ainda mais pela correção da acidez do solo além do Ca+2 competir eficientemente com o Pb+2 pelos sítios de troca (Lindsay, 1979; Malavolta, 1980).

A aplicação do calcário ou do agrosilício, nos níveis estudados, mostrou não haver efeito, comparativamente à testemunha, na absorção de níquel pela cana-de-açúcar. O teor de Ni nos solos é geralmente inferior a 100 ppm (Malavolta, 1980). A correção de acidez (promovida pela aplicação da escória) diminui a concentração de Ni na solução do solo (Lindsay, 1979) sendo que o níquel, que é considerado um elemento tóxico, se presente em pequenas quantidades, pode ser benéfico ao crescimento vegetal (Malavolta, 1980).

A equipe que conduziu os trabalhos é composta pelo Professor Caetano Marciano de Souza (cmsouza@mail.ufv.br), da Universidade Federal de Viçosa, e seus orientados Fábio Ribeiro Pires, Rodrigo de Moraes Falleiro e José Rubenildo dos Santos, a nível de pós-graduação (DSc, MSc e MSc, respectivamente); a nível de graduação foram envolvidos os estudantes de Agronomia Carlos Shigeaky Ueky Silva, Rafael Rosalino Dias e Victor de Vasconcelos Nunes. Também participaram o engenheiro agrônomo Márcio Salles de Melo Lima da Metalsider (Belo Horizonte, marciosmlima@yahoo.com) e o Engenheiro Mecânico José Robson dos Santos da Reciclo´s (Timóteo-MG, concept@facil.psi.br).

Literatura Citada

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DA INDÚSTRIA DA ALIMENTAÇÃO, Rio de Janeiro, 1992.

JACOMINO, V. M. F.; CASTRO, L. F. A.; RIBEIRO, E. D. L.; LEÃO, M. M. D.; SOUZA, C. M.; GOMES, A. M.; ALMEIDA, M. L. B.; LOPES, L. E. F. Controle ambiental das Indústrias de ferro-gusa em altos fornos a carvão vegetal. Belo Horizonte – Projeto Minas Ambiente, 2002. 302 p.: il. grafs. tab.

KORNDÖRFER, G. H. Importância da adubação na qualidade da cana-de-açúcar. I SIMPÓSIO SOBRE ADUBAÇÃO E QUALIDADE DOS PRODUTOS AGRÍCOLAS, 1, Ilha Solteira, 15-18, Agosto de 1989. Anais . . . (mimeografado).

LINDSAY, W.L. Chemical Equilibria in Soils. New York, Chichester, Brisbane, Toronto. John Wiley & Sons. Inc. 1979. 449p.

MALAVOLTA, E. Elementos de Nutrição Mineral de Plantas. Agronômica Ceres, São Paulo, São Paulo. 1980. 251p.

MALAVOLTA, E.; VITTI, G. C.; OLIVEIRA, S. A. Avaliação do estado nutricional das plantas. 2. ed. Piracicaba: POTAFOS, 1997. 319p.

PRADO, R.M.; FERNANDES, F.M. Resposta da cana-de-açúcar a aplicação da escória de siderurgia como corretivo de acidez do solo. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, v.25,n.1,p.199-207, 2001.

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