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Usinas tentam tirar 500 anos de atraso

O famoso “gato” , intermediador de mão de obra na agricultura, está com os dias contados nos canaviais. Acabar com o gato e com a terceirização de mão de obra – grandes responsáveis pela precarização do trabalho no setor – faz parte do “Compromisso Nacional da Cana” que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lança em Brasília na próxima quinta-feira. Negociado durante mais de um ano por representantes dos trabalhadores, de produtores e do governo federal, o compromisso não tem poder de lei, mas visa estimular melhores práticas a partir da adesão voluntária dos produtores de cana.

“Este acordo é uma grande conquista para o País e ganha ainda mais importância por se tratar de uma categoria que costuma ser notícia por razões negativas, como as mortes no transporte, nos anos 80 e, mais recentemente, pela questão da exaustão”, diz o presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de SP (Feraesp), Elio Neves, ex-cortador de cana que pegou no facão pela primeira vez aos 13 anos. “O acordo tem 51 itens e traz compromissos que estão, em alguns casos, acima da legislação.”

A cana é a maior empregadora de mão de obra da agricultura brasileira. São 528,4 mil trabalhadores, dos quais 75% são trabalhadores manuais. Mas a profissão centenária – os primeiros cortadores vieram da África junto com a cana, introduzida no Brasil por Martim Afonso de Souza em 1532 – está ameaçada pelo progresso. A mecanização, que acaba com as queimadas, uma das exigências para o etanol ser reconhecido como uma fonte de energia realmente limpa, deverá eliminar, até 2017, 119 mil postos de trabalho no setor.

“As condições de trabalho no setor precisam ser melhoradas, mas elas não são terríveis. Tanto em remuneração quanto em mortalidade e aposentadoria por invalidez, ela não é pior do que em outras culturas agrícolas e, em muitos casos, as condições são até melhores”, diz a coordenadora do Grupo de Extensão em Mercado de Trabalho da Esalq/USP, Márcia Moraes. “O grande problema é a perda do emprego. Este é um setor que emprega 150 mil analfabetos que não terão outras oportunidades.” Para lidar com a questão do desemprego, o governo vai anunciar, na quinta-feira, um grande programa de alfabetização e qualificação dos trabalhadores de cana.

Além de abolir a terceirização da mão de obra, os produtores que aderirem ao acordo se comprometem a eliminar a vinculação da remuneração de serviços de transporte, fiscalização e outros à produtividade do trabalhador. A prática, usual e legal, de remunerar esses serviços com base na produtividade do cortador de cana, é vista como um fator que contribui para levar o trabalhador a exaustão.

Mas o acordo não elimina a vinculação da remuneração do trabalhador à sua produtividade. “Es sa é uma questão cultural que dificilmente vai acabar e nem entrou na mesa de negociação”, diz Neves. Mas o compromisso prevê mais transparência na aferição da produção. As empresas que aderirem terão de informar antes o preço aos empregados, fazendo a medição na presença deles.

Para o presidente da União da Indústria da Cana de Açúcar (Unica), Marcos Jank, o objetivo do acordo é premiar e estimular os bons exemplos. “O próprio mercado vai fazer com que as empresas piores se sintam forçadas a aderir ao protocolo.” Confiante de que haverá uma grande adesão dos produtores, o presidente da Unica lembra que em 2007, quando foi assinado um protocolo agroambiental com o setor no Estado de São Paulo, acreditava-se que não iria funcionar. “Mas a adesão foi maciça e hoje mais de 60% da recuperação das matas ciliares e de áreas de preservação permanente (APPs) foi feita pelas usinas.”

Para os produtores, a chancela de um certificado de melhores práticas é também uma forma de r ebater as críticas que vêm sobretudo do exterior sobre a viabilidade do etanol como fonte de energia limpa e sustentável.

Nas negociações, os produtores conseguiram convencer governo e trabalhadores a adotar o modelo de adesão voluntária, ao invés de um acordo coletivo nacional. “A Constituição já prevê condições dignas de trabalho e isso nem sempre é cumprido. Embora o compromisso não seja obrigatório, o conteúdo moral e ético é mais forte do que qualquer decreto”, afirma Neves, da Feraesp. Entretanto, os trabalhadores não conseguiram incluir o compromisso com o fornecimento de alimentação. “Não acho que a não inclusão da alimentação foi um fracasso. Acredito que vamos caminhar para isso no futuro”, diz Neves, que defende um programa de alimentação no campo nos moldes do que existe para a indústria.

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