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Usinas de cana disputam operadores para novas máquinas “high-tech”

Crescente expansão do setor exige profissionais qualificados, em falta no mercado.

Com dificuldade para contratar, empresas criam escolas e formam a própria mão-de-obra.

Com a crescente expansão da produção brasileira de açúcar e álcool, as usinas de cana enfrentam cada vez mais dificuldades para encontrar profissionais com qualificação e capazes de operar as modernas e sofisticadas máquinas agrícolas que o setor canavieiro vem adquirindo.

Tratores e colheitadeiras equipados com computador de bordo, rastreador via satélite e ar condicionado substituem a força braçal dos “bóias-frias” no corte e produção da cana-de-açúcar.

Dominar os botões e manuais dos equipamentos canavieiros da atualidade, no entanto, é atividade que requer profissionais com, pelo menos, formação de primeiro grau, segundo empresários e pesquisadores ouvidos pelo G1.

A nova realidade destoa da situação da maioria dos trabalhadores usualmente empregados no corte manual de cana-de-açúcar, entre os quais prevalece o analfabetismo.

Em São Paulo, a estimativa é de que existam 150 mil analfabetos no trabalho rural da cana, segundo a pesquisadora Márcia Azanha, que coordena o Grupo de Extensão em Mercado de Trabalho (Gemt) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), vinculada à Universidade de São Paulo (SP). “Setenta por cento deles têm até três anos de estudo”, diz a pesquisadora.

Para quem comanda as usinas, a falta de escolaridade é um impeditivo na hora da contratação.

“Precisa de um certo conhecimento para se trabalhar com as máquinas. Está difícil encontrar pessoas para trabalhar no setor, principalmente motoristas, operadores de colheitadeira, e na indústria também”, diz Germano Holzhausen Neto, diretor agrícola da Destilaria Água Bonita, em Tarumã (SP).

A empresa deve moer 1,5 milhão de tonelada de cana em 2008. “Estamos procurando formar esse pessoal, porque é mais fácil do que procurar no mercado”, diz.

A sofisticação das máquinas lembra a de carros de luxo. “Temos um trator de 290 cavalos que possui a transmissão CVT – que não tem marchas. Não dá tranco, é o que há de mais moderno para carros. Você opera o trator em qualquer velocidade, é mais confortável que o seu carro”, explica o gerente de marketing e produto da fabricante de máquinas agrícolas Massey Ferguson, Eduardo Souza.

“Você ainda pode gravar tudo o que faz durante um dia no campo em um cartão de memória e baixar tudo no computador”, afirma.

Trabalho mecanizado

Para Antonio Cesar Salibe, presidente executivo da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), a dificuldade para encontrar tratoristas e operadores de colheitadeira de cana preparados se agravou por duas razões: aumento da produção – puxada pelo “boom” dos biocombustíveis – e a mecanização.

“O setor de açúcar e álcool cresce 15% ao ano, o que requer novas usinas e mais gente para trabalhar”, afirma.

A troca de trabalhadores por máquinas é mais forte no estado de São Paulo, onde a queima da palha de cana tende a ser extinta. A prática é necessária para tornar possível a colheita manual da cana-de-açúcar – porque elimina insetos, doenças e facilita o trabalho dos cortadores – mas emite gases que causam o efeito estufa.

No ano passado, o governo do Estado lançou um protocolo estabelecendo prazos para o fim da queima de palha nos canaviais, o que forçou usineiros a agilizarem a mecanização da colheita.

“Para substituir a queimada, a coisa mais direta é colocar no lugar a máquina”, explica o pesquisador científico do Instituto de Economia Agrícola (IEA), Carlos Eduardo Fredo.

Segundo o IEA, atualmente 40,7% da colheita de cana-de-açúcar é mecanizada. De acordo com a pesquisadora Márcia Azanha, a previsão é de que, apesar do aumento no número de usinas e da necessidade de contratar mais gente para se atender a expansão do setor, de 50 mil a 100 mil trabalhadores sem qualificação serão dispensados em São Paulo até 2014.

Aulas dentro da empresa

Empresários do setor canavieiro têm buscado alternativas para driblar a escassez de mão-de-obra qualificada: em alguns casos, a melhor saída parece ser formar os próprios profissionais, como na usina Santa Cruz.

Com produção de 3 milhões de toneladas de cana por ano e 3 mil funcionários, a usina criou escolinhas nas próprias dependências para oferecer formação aos funcionários.

No grupo Nova América, com usinas em Tarumã e Maracaí, no interior de São Paulo, e 50% da produção mecanizada, a estimativa de faturamento em 2008 é de R$ 1,8 bilhão. Prevendo a forte demanda, a empresa criou há mais de dez anos um programa permanente de formação de tratoristas, motoristas e operadores de máquinas que funciona dentro da própria usina.

“Ele [o funcionário] trabalha parte do dia no corte manual de cana, depois tem aulas teóricas e aulas práticas, com um tratorista mais experiente”, diz o diretor de Recursos Humanos, Mário Luiz Íbide.

O Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), que dá suporte técnico e tecnológico a usinas associadas, criou até um curso para tratoristas pela internet. “O aluno pode ter acesso ao curso pelo nosso portal. Em outros casos, o empresário pode reunir os funcionários em uma sala de aula e utilizar um instrutor”, diz Francisco Paternostro Neto, gerente de desenvolvimento humano do CTC. O curso já foi contratado por usinas no interior de São Paulo e de Mato Grosso do Sul.

Previdência privada e bolsa de estudos

Outra preocupação é o clima de disputa que se instalou entre as usinas pelos bons profissionais, que estão valorizados no mercado: para reter os funcionários, a Nova América oferece salários acima da média do mercado, bolsas de estudo e previdência privada para todos – de cortadores manuais a diretores.

Edenilson Barbosa da Silva, 30 anos, era cortador manual de cana e passou pelo programa depois de um acidente durante o trabalho. Como tinha estudado até a oitava série, concluiu o segundo grau e a qualificação enquanto trabalhava. Hoje, opera uma moderna colheitadeira de cana, e diz que dobrou sua renda e qualidade de vida.

“Minha vida material mudou em tudo, dobrou a minha renda, mudou o meu jeito de vestir. A gente, quando trabalha no [meio] rural, passa dificuldade”, diz. “Minha filha de 13 anos hoje estuda em escola particular e faz curso de piano”, diz.

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