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Uma Introdução ao VAR como Metodologia de Mensuração de Risco de Mercado no Setor Sucroalcoleiro

O setor sucroalcoleiro vive atualmente um cenário completamente diferente do observado na década anterior. Isto se deve as alterações ocorridas na estrutura comercial decorrentes das mudanças sócias econômicas durante o período.

Após os dois choques do petróleo, 1973 e 1979, a expansão da produção de cana e a formação de estoques de etanol, especialmente no sudeste, sob forte intervenção governamental, através do Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, foram os fatores que impulsionaram um período de forte volatilidade de preços durante a auto-regulamentação iniciada no final dos anos 90.

Com estoques altos, elevados índices de produção e produtividade, competitividade internacional e uma taxa cambial favorável à exportação, o setor passou a influenciar os movimentos dos preços internacionais com seus excedentes.

Durante o período em que o setor estava sob intervenção do IAA, incentivado a formar grandes estoques reguladores com estabelecimento de cotas de produção de açúcar e amplo controle sobre a sua comercialização foi criado o ambiente favorável para aumento da volatilidade dos preços de seus ativos. Após alguns anos de livre comércio e auto regulamentação, a volatilidade de seus fatores de risco passou a ser um importante item a ser observado no resultado das empresas sucroalcoleiras.

O mercado de derivativo se faz presente no setor pela possibilidade de gerenciamento dos riscos de preços inerentes à atividade e pelo modelo de comercialização implantado com a auto-regulamentação. Todas as unidades produtivas estão de algum modo, acompanhando o sobe e desce da New York Board of Trade (NYBOT) e seu contrato n° 11.

A volatilidade destes fatores tem aumentado pela atuação do setor, que necessita de um “hedge” para sua exposição ao risco. A larga utilização de instrumentos de hedge de modo desordenado e sem algum controle através de instrumentos de análise de valor ou de riscos financeiros tem contribuído muito mais para a transferência de recursos do setor sucroalcoleiro para os a especulação financeira do que eliminado os riscos de mercado. A transferência pode ser caracterizada pela alta remuneração dos denominados fundos de hedge ou Hedge Funds.

O nome Hedge Fund, ou fundos de hedge, vem do primeiro fundo desse tipo, criado por Alfred Jones em 1949. A estratégia de investimento adotada por Jones era selecionar as melhores ações e se proteger do risco de mercado através da venda, a descoberto, e outras ações. A proteção, cuja tradução em inglês é hedge, inspirou o nome desses fundos.

Apesar de pouco regulamentado pelas autoridades financeiras, esses fundos possuem algumas características básicas, que são: estrutura organizacional variada e desregulamentada; estratégias flexíveis de investimento; investimento substancial em pesquisa; e forte incentivo monetário aos seus gestores. Os fundos de hedge, ao contrário dos fundos mútuos, não têm restrições operacionais ou limites quanto a investimento em derivativos, posições vendidas ou alavancagem.

A indústria dos Hedge Funds esta estimada atualmente em quinhentos bilhões de dólares e seu crescimento esta em torno 20% ao ano. Crescimento este perfeitamente explicado pelos retornos obtidos comparados as demais alternativas existentes aos investidores, que a cada dia se sentem mais seguros a acreditar que a próxima década será aquela destinada as commodities como principal fonte de retorno do capital de cunho especulativo, especialmente pelo estreitamento dos retornos obtidos pelos ativos financeiros e suas possibilidades de arbitragem. Aproximadamente existem hoje 7.000 Hedge Funds atuando no mercado e seu retorno médio nos últimos 15 anos foi de 15% contra 11% dos Equities e 8% dos Bonds.

A atuação dos mesmos transferiu do setor produtivo US$ 1,3 bilhões para seus investidores nos últimos oito anos sendo que US$ 600 milhões em um único ano. Comparando com os números do setor, que na safra 2003/2004, consolidaram o Brasil como maior exportador mundial com suas 13,7 milhões de toneladas embarcadas do total de 42,6 milhões de exportações internacionais, podemos verificar que o açúcar foi um dos principais alvos dos Hedge Funds.

O gerenciamento de risco não deve necessariamente repelir riscos através de compras de Hedge, este modelo não tem surtido os efeitos desejados ao setor, e sim escolher a melhor combinação disponível entre risco e retorno, para proporcionar a uma unidade produtiva a estabilidade necessária nos mais adversos cenários possíveis.

O efetivo gerenciamento de risco deve ter como objetivo oferecer, a alta administração da empresa, um processo de suporte a gestão que ajude a otimizar os resultados esperados e assegurar o patrimônio investido. O mesmo tem que, através de uma série de rotinas de controle de risco, procedimentos de contingência, testes de modelos econométricos e procedimentos de avaliação e consistência dos mesmos visar, através do mercado de derivativos, ajustar a posição financeira da empresa de acordo com uma estratégia pré-determinada.

Conforme descrito acima, é notória a desmistificação de que o mesmo é um produto de hedge comprado através do mercado futuro ou do mercado de opções. Os derivativos, onde o mercado futuro e de opções está inserido, apresentam as principais ferramentas utilizadas no processo de gerenciamento de risco para ajustar a posição financeira da empresa ao seu grau de aversão ao risco.

O gerenciamento de risco que deve ser almejado consiste em um processo bem definido de atribuições que, quando aplicadas de forma consistente passe a oferecer uma ampliação do processo decisório, permitindo a alta gestão o entendimento adequado e a mensuração de seu risco e seus possíveis impactos. O mesmo tem a atribuição de identificar oportunidades futuras como evitar perdas.

Um dos mais utilizados instrumentos de gestão de riscos é o conceito do “Value at Risk” (VAR). O VAR foi usado a princípio por grandes instituições financeiras no final dos anos 80 para medir os riscos envolvidos em suas transações, desde então o uso do VAR atingiu grandes proporções.

Atualmente o VAR é utilizado pela grande maioria dos negociadores do mercado de derivativos e gerentes de riscos. Nos Estados Unidos, a utilização do VAR como medida de divulgação do risco de mercado já vem ocorrendo há algum tempo, conforme apontada por uma recente pesquisa “Wharton Survey of Derivatives bu US Non-Financial Firms (1988)”, que demonstra a utilização do VAR em suas carteiras em 40% das empresas pesquisadas.

Em abril de 1995, o comitê da Basiléia estabeleceu que as instituições financeiras poderiam utilizar seus próprios modelos de monitoramento de risco de mercado, mas que deveriam seguir a metodologia do VAR e em 1996 o órgão que cuida das diretrizes de adequações de capital na União Européia (European Union’s Capital Adequacy Directive) permitiu a utilização da medida VAR na divulgação do risco de mercado incorrido em posições em moedas estrangeiras.

O VAR é um instrumento singular, conciso e estatístico das medidas das possibilidades de perdas. Especificamente, “Value at Risk” é um método de mensuração que estima a pior perda esperada ao longo de um determinado espaço de tempo sob condições normais de mercado dentro de um período de tempo pré-determinado e entre um específico intervalo de confiança. Perdas acima do VAR são plausíveis somente com uma probabilidade muito pequena de ocorrência.

Atualmente o VAR é utilizado por vários propósitos, no fornecimento de informações gerências – o VAR pode ser utilizado para fornecer informações de valores financeiros marcados a mercado de investimentos e transações, do valor em risco de uma empresa para seus acionistas, conselho e ou corpo administrativo, na alocação de recursos – o mesmo pode ser utilizado para limites de operações e como ferramenta decisória na determinação de investimentos e na avaliação de performance – o VAR pode ser utilizado para que o desempenho seja ajustado ao risco, fator essencial em ambientes de negociações.

O VAR tem sua utilidade a qualquer instituição exposta ao risco, seja ela uma instituição financeira, uma unidade de produção, órgãos reguladores de mercado e usuários finais preocupados com os derivativos.

Os órgãos reguladores e administradores de ativos também têm se voltado ao VAR a fim de melhor controlar suas exposições ao risco e, principalmente, as instituições não financeiras a administração de risco torna-se útil.

Para empresas focadas no agronegócio o VAR permite que estas fiquem cientes de suas exposições, que podem ser relativas às oscilações nos preços de suas commodities, na taxa de câmbio, nos taxas de juros, etc., fato primordial na quantificação e utilização de uma política eficaz de hedging.

Os principais elementos do VAR são o valor mark to market das operações, a volatilidade de cada ativo, a correlação entre os ativos e os fatores de sensibilidade. A utilização de um sistema de gerenciamento de risco financeiro possibilita às unidades produtivas auferir uma vantagem competitiva sobre seus concorrentes e criar uma imagem de inovação e tenacidade, diante do setor financeiro, beneficiando-se de spreads mais razoáveis em suas captações.

Um dos principais elementos do VAR é a estimativa da volatilidade que esta ligada ao nível de incerteza sobre o comportamento futuro do mercado e existem três maneiras de estudar a volatilidade, a histórica, a implícita e a estimada.

Um dos principais métodos para a computar os valores do VAR é a simulação histórica onde as taxas e os preços são armazenados em forma de séries históricas, que por sua vez serão utilizadas para o cálculo do VAR histórico. Para efeito de avaliação de perdas, essas séries são transformadas em “fatores de choque”. Cada fator de choque reflete a mudança que cada preço ou taxa sofreu de um dia para o outro. Assim sendo, é possível determinar, baseado em experiências passadas e utilizando métodos estatísticos, quais serão os valores mais prováveis para a carteira no próximo período. A partir destas séries de fatores de choque de cada ativo, é possível reconstituir uma série de variações hipotéticas no valor de uma carteira. Podemos assim assumir que a distribuição dessas variações é normal e a partir daí utilizarmos a série para extrair os parâmetros de cálculo, média e desvio padrão.

O setor sucroalcoleiro apresenta várias exposições ao risco. Com a transformação do mesmo em unidades com características empresariais será obrigatório administrar riscos além dos conceitos de produção e produtividade.

Atualmente podemos notar a percepção e o direcionamento em utilizar ferramentas de gerenciamento de riscos que até pouco tempo estavam restritas a instituições financeiras. Técnicas de mensuração de riscos de mercado, a fim de otimizar a própria administração e programas de hedging, estão ganhando importância na gestão de empresas sucroalcoleiras. Um exemplo disto é a criação da divisão de gestão de risco financeiro na Açucareira Corona SA comentada na edição março de 2002 desta mesma publicação.

Do mesmo modo que a velocidade das mudanças nos cenários econômicos e as incertezas provocadas pela abertura e liberalização do comércio deixaram o ambiente menos harmonioso (através da atuação dos Hedge Funds), o mercado de derivativos (com suas inovações no gerenciamento de risco e com seus modelos de mensuração, como o VAR) oferece a oportunidade de toda a cadeia produtiva analisar seus trade-offs e adequar suas posições, proporcionando a estabilidade aparentemente perdida.

É possível, como em toda fase de adaptação, pela velocidade que impera no mundo dos negócios atualmente, que o fator predominante não seja mais a capacidade de adaptação e sim o tempo de assimilação das novas tendências. Sabendo a importância estratégica do risco financeiro, torna-se essencial dar continuidade à divulgação das vantagens que estas “novas alternativas” oferecem aos acionistas e deste modo interromper a repetição de prejuízos decorrentes da falta de adaptação tecnológica.

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