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Um programa de crescimento ambientalmente responsável?

O tema do meio ambiente – que tem assumido cada vez maior destaque no contexto global devido ao aquecimento global e as conseqüentes mudanças climáticas – recebeu, surpreendentemente, tratamento menor no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para o segundo mandato do governo Lula, chancelado pelos ministros Dilma Roussef e Guido Mantega, no dia 22 de janeiro.

Alocado na parte referente a “Medidas de Melhoria do Ambiente de Investimento”, buscam, os autores do PAC, ignorar que o Brasil já está entre os cinco maiores emissores de carbono no mundo. Alcançamos o status de um dos maiores poluidores mundiais e tal posição nos confere responsabilidades a serem desafiadas antes que, diante de nossa inoperância, nos vejamos obrigados a importar pacotes ambientais ou a fechar acordos que, via de regra, não atendem os interesses e as especificidades do país.

O PAC limitou sua contribuição ao meio ambiente à regulamentação do artigo 23 da Constituição. Este dispositivo aponta as áreas de competência concorrente dos entes federativos, sendo a ambiental uma delas. O objetivo da nova regulamentação é, ao tentar imprimir maior transparência à questão da competência para aprovação de obras com impacto ambiental, “destravar” os grandes projetos que se encontram parados no aguardo de licenças ambientais para entrarem em operação.

No entanto, a dita regulamentação não é idéia nova. Tornar o interesse ambiental local vis atrativa em relação à competência implementadora, especialmente em sede de licenciamento, foi tarefa já executada anteriormente pela Resolução da Conama nº 237/97. Esta foi editada para preencher a lacuna existente no referido artigo da Constituição, com vistas a reordenar o licenciamento ambiental em todo o território nacional e realocar os municípios para sua devida importância, seguindo assim, em consonância com os ditames da carta constitucional.

Passados dez anos da referida resolução, o modelo de licenciamento ambiental tem demonstrado sinais de estafa ainda em tenra idade. Ocorre que as agências estaduais e municipais ambientais convivem, na maior parte do país, com enorme carência técnica e financeira para proceder aos exames necessários à concessão das licenças. Alegam os representantes dos órgãos estatais competentes que 60% dos licenciamentos feitos pelos Estados são de pequeno porte e poderiam passar para os municípios. Por sua vez, apenas 4,18% dos municípios brasileiros conseguem realizar o licenciamento ambiental, devido à carência de pessoal especializado nas gestões municipais e à ausência, por décadas, de programas de capacitação.

Os permanentes conflitos de competência, a falta de capacitação e um modelo de política ambiental baseado no excesso de regras, fiscalizações e penalidades repercute na aprovação de obras geradoras de significativos impactos ambientais. O Judiciário, além de desafiado por decisões em que a mensuração científica dos riscos ambientais é complexa, arca com as conseqüências do referido modelo baseado em instrumentos de controle. O volume de processos leva a interpretações diversas em relação à competência para o licenciamento ambiental, que resulta algumas vezes em dois a três anos de julgamento, inviabilizando projetos que, se por um lado, exigem segurança jurídica, também requerem rapidez.

A proposta da nova regulamentação ambiental é retornar ao tema das competências entre os entes federativos, visando, principalmente, a redução na quantidade de ações judiciais e a dinamização dos empreendimentos em áreas como a de saneamento básico e de habitação – dois dos principais focos defendidos pelo plano governamental. No entanto, especial atenção deve ser conferida ao novo programa de capacitação de gestores ambientais para que não se repitam os erros anteriores.

Infelizmente, os aspectos ambientais ainda são pouco integrados na formulação de políticas públicas no Brasil. A organização institucional voltada para o trato do tema, gerada nos anos de ditadura, peca por uma cultura centralizadora e, portanto, incapaz de gerenciar os numerosos desafios e oportunidades ambientais atuais.

A proposta da nova regulamentação ambiental é retornar ao tema das competências entre entes federativos

O período de substituição de importações, que teve por objetivo livrar o Brasil da dependência das exportações de produtos agrícolas ou de extração mineral, evoluiu para uma industrialização com base na utilização indireta de recursos naturais, sem qualquer preocupação com a geração ou a absorção de tecnologia orientada para o crescimento sustentado. Os planos nacionais de desenvolvimento posteriores resultaram em forte expansão de indústrias de potencial poluidor, com destaque para o setor exportador.

Permanecendo o emaranhado de regras e competências a que se encontra amarrada a política ambiental brasileira, nossas responsabilidades ambientais serão, não sem razão, sempre vistas como fardos ou obrigações pesarosas que retardam o crescimento econômico. Esta é a visão que, infelizmente, adotou o próprio PAC, recentemente anunciado.

Urge uma mudança de foco. Em lugar de sanções, acúmulo de normas, supervisões e fiscalizações inviáveis em um país de dimensões continentais, deve ser privilegiada a adoção de instrumentos econômicos que incentivem a redução das emissões poluentes. Apenas para citar alguns: empréstimos subsidiados que melhorem o desempenho ambiental dos agentes poluidores, depósitos reembolsáveis na devolução de produtos poluentes, negociação de licenças de poluição no caso de existência de patamares máximos de poluição e os projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo. Estes últimos permitem que as reduções de emissões de carbono alcançadas em atividades industriais ou agrícolas em países em desenvolvimento sejam certificadas e comercializadas com agentes econômicos situados em países que dispõem de tetos máximos de poluição.

A singularidade do processo de industrialização nacional, junto à posição de destaque do setor agroindustrial e a permanente ameaça às florestas, conseqüência das queimadas ou atividades extrativas de madeira, fazem do Brasil uma excelente plataforma de absorção de tecnologias visando o desenvolvimento sustentável.

É com surpresa que verificamos como alguns de nossos países vizinhos vêm assumindo posição de destaque na captação de projetos para geração de créditos de carbono, respaldados no Protocolo de Kyoto e nos Acordos de Marraquech, sem falar daqueles que já nos passaram a frente, como Índia e China.

Sem dúvida, nosso país, vem se destacando de forma brilhante no desenvolvimento de tecnologia e implementação de projetos relacionados às fontes renováveis de energia, com destaque para os biocombustíveis e o etanol. No entanto, esse é um dos caminhos a serem incentivados e trilhados, mas não o único. Os EUA, concorrentes de peso, já superaram o Brasil como maiores produtores de álcool à base de milho, além de manterem barreiras elevadas às importações do produto de origem do Brasil.

Para que não se repitam os erros do passado, as exportações de etanol não devem ser encaradas como mais um ciclo produtivo, tais como o do café ou o do açúcar, mas sim como o início de processo de promoção do desenvolvimento sustentável de forma abrangente.

Meio ambiente deixa de ser tema restrito aos fóruns específicos da área. A preocupação ambiental rompeu as fronteiras dos Estados e o desafio do crescimento sustentável somente será vencido por meio de ações do cidadão e de empresas, incentivadas por políticas públicas orientadas para o aproveitamento de instrumentos econômicos.

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