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Um mergulho na Amazônia

Jean-Michel Cousteau pisou pela primeira vez na Amazônia em 1982, quando participou da expedição do pai, o lendário oceanógrafo francês Jacques Cousteau (1910-1997). “Passamos quase dois anos totalmente isolados do mundo, descobrindo a beleza e a biodiversidade da floresta”, lembra o explorador, que assinou a produção executiva da premiada série de TV “Cousteaus Amazon – Journey to a Thousand Rivers”. Como legítimo sucessor de Cousteau, sobretudo na luta pela consciência ecológica, Jean-Michel voltou ao ecossistema mais rico do planeta para refazer o percurso do pai. “Trata-se de uma atualização do projeto anterior, com ênfase nas mudanças no sistema fluvial nos últimos 25 anos”, disse o oceanógrafo e documentarista ao Valor.

O material colhido em mais de cinco meses de filmagem será editado num documentário de três horas batizado de “Return to the Amazon”. Com exibição garantida na televisão aberta dos EUA, a produção examina a floresta tanto na seca (nos meses de outubro, novembro e dezembro) quanto na estação chuvosa (março e abril). Jean-Michel deixou a região no mês passado, mas uma pequena equipe segue registrando imagens até o final de abril. “Há mais espécies de peixes na Amazônia do que em todo o Oceano Atlântico”, contou o explorador, de 69 anos, que empregou câmeras de alta definição para capturar as imagens subaquáticas. “Com os avanços tecnológicos e no equipamento de mergulho, pudemos investigar mais de perto esse tesouro da natureza.”

Como seu pai já encantou o mundo com as exóticas imagens das criaturas das águas, como o boto cor-de-rosa, Jean-Michel tem como prioridade estabelecer uma conexão da floresta amazônica com o resto do planeta. Principalmente no que diz respeito à qualidade da água e ao clima mundiais. “Com a maior bacia hidrográfica do globo, é o rio Amazonas que alimenta os oceanos do mundo. Nosso trabalho é passar adiante essa informação”, afirmou o oceanógrafo, que dá continuidade ao legado do pai, o inventor do mergulho autônomo, na série americana de televisão “Jean-Michel Cousteau Ocean Adventures”.

Em “Return to the Amazon´´, que será exibido em janeiro e fevereiro dentro da série, Jean-Michel ainda tem a chance de confirmar algumas das previsões de Cousteau. “Meu pai já alertava há mais de 20 anos sobre a saúde da Terra. E o pior é que quase nada foi feito”, disse, acrescentando que graves conseqüências do aquecimento global já são vistas na Amazônia. Como a intensa seca na região, que não só mata os peixes como interfere na preservação da espécie. “Os peixes que sobrevivem não conseguem chegar até os lagos, onde eles geralmente se reproduzem.”

Em sua revisita, o documentarista ainda pôde observar o efeito negativo da mão do homem na floresta. “O que era esperado, já que a população de Manaus saltou de 500 mil pessoas para cerca de 2,2 milhões, E quanto mais gente, maior a devastação da selva.” Jean-Michel entende a situação das famílias que desmatam ilegalmente a Amazônia para sobreviver. “Para mudar isso, a responsabilidade não pode ser atribuída apenas ao governo brasileiro, que também precisa se preocupar com a qualidade de vida de seus cidadãos. Nós, dos países mais ricos, poderíamos ajudar a população local explicando como explorar as reservas dentro do conceito de aproveitamento sustentável da biodiversidade. Mesmo quem desmata precisa entender que nenhum negócio vai para frente se a fonte secar totalmente.”

Presidente da Ocean Futures Society, entidade sem fins lucrativos que trabalha pela conscientização das questões marinhas e ambientais, Jean-Michel acredita ser possível reverter o processo de destruição do planeta. “Temos que pensar a longo prazo, pois muitas mudanças na natureza são lentas, podendo levar mais de 20 anos”, disse, lembrando que é fundamental buscar novas formas de energia.

O documentarista elogiou o pioneirismo do Brasil no segmento de combustíveis alternativos, com o biodiesel e o etanol. “Enquanto Bush é um escravo do petróleo, o que levou ao pesadelo ocorrido no Oriente Médio, o Brasil tem condições de ser uma nação independente em termos de energia. E o mais curioso é que, há 20 anos, quando o Brasil começou a buscar alternativas, o resto do mundo riu. Hoje é o Brasil que está rindo.”

Orçado em US$ 3 milhões, o documentário é patrocinado pela indústria química Dow e pelo governo americano (graças a uma verba federal destinada a programas com veiculação na TV aberta). “Por mais que o trabalho de meu pai tenha aberto portas, é sempre uma luta convencer o investidor a abraçar projetos ambientalistas.” Até porque Jean-Michel, a exemplo de Cousteau, prefere não antecipar o resultado antes da expedição. “A maioria dos investidores sempre pergunta o que eu espero encontrar na região a ser explorada. Sempre respondo que, se soubesse, não iria. Obviamente, eles nunca gostam da resposta, pois querem saber o que terão de retorno.”

O documentarista que cresceu a bordo dos barcos Calypso e Alcyone provavelmente herdou do pai a persistência para seguir adiante com seus projetos, o interesse pelo desconhecido e a sede de descobrimento. “Também temos em comum aquela vontade de dividir com os outros as nossas descobertas.” Jean-Michel faz questão de manter na equipe de expedição membros do time original de Cousteau, como Albert Falco, o capitão do Calypso durante a primeira visita à Amazônia, o líder de expedição Don Santee, o biólogo e cientista Richard Murphy, e o cameraman Yves LeFevre, que também se aventuram pela floresta nos anos 80. O grupo de veteranos trabalha ao lado de uma nova geração de exploradores, da qual faz parte o filho de Jean-Michel, Fabien Cousteau, de 40 anos.

O neto do pioneiro na descoberta dos recursos do fundo do mar é um dos mergulhadores de “Return to the Amazon”, além de conduzir entrevistas com habitantes da floresta para o documentário. “Tenho orgulho de transmitir a missão do meu pai às novas gerações. Aprendi com ele que, quem protege o planeta, está protegendo a si mesmo.” Autor do livro “Meu Pai – O Comandante”, da Companhia Editora Nacional, em que narra suas aventuras, crises e decepções ao lado do pai ilustre, Jean-Michel não imagina outra vida. “Todos nós somos fascinados pelo que fazemos. Nossa família tem uma missão.” Até suas primeiras lembranças têm o mar como cenário. “Só hoje me dou conta de que comecei a explorar o fundo do mar ainda muito criança, o que não era comum nos anos 50. E me sinto um privilegiado quando lembro dos primeiros mergulhos em família no mar Mediterrâneo. Foi uma infância e tanto.”

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