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Um grande preconceito

A revista “Science”, dos EUA, publicou em um artigo escrito por Liz Palmer e Gary Milhollin a frase “muito provavelmente o Brasil esteja tentando esconder a origem das centrífugas” (“more likely, Brazil is trying to hide the origin of the centrifuges”), demonstrando um grande preconceito em relação à capacidade dos brasileiros de inovar, criar e desenvolver.

A Constituição brasileira limita a utilização da energia nuclear somente para fins pacíficos. O presidente Lincoln dizia que a Constituição não é meramente um papel, mas a vontade expressa de um povo, isto certamente não se aplica apenas ao povo americano.

Pode parecer um paradoxo, mas a energia nuclear contribuirá muito para que o Brasil permaneça um país pacífico até o dia em que seja obrigado a se defender.

Quando um país não tem autonomia energética, ou torna-se refém das oscilações da economia mundial, ou amplia o seu poderio militar para assegurar o seu suprimento de energéticos, mesmo que seja às custas de muitas vidas humanas, tanto de seus filhos como de patriotas das regiões invadidas.

No Brasil a produção de eletricidade é mais de 90% de origem hidrelétrica. As nossas centrais hidrelétricas foram construídas com grandes reservatórios de água, um grande “estoque regulador de energia”, utilizado nos períodos em que a vazão dos rios é insuficiente para produzir a eletricidade necessária.

Estas hidrelétricas com grandes reservatórios de água foram construídas principalmente em regiões onde a floresta já havia sido derrubada, onde a topografia era favorável.

Restam poucas hidrelétricas a serem construídas com reservatórios de água, formando grandes lagos artificiais de grande influência nas áreas alagadas. Para atender aos requisitos ambientais, as demais deverão ser construídas com baixa queda, sem alagamentos, podendo ser dotadas de eclusas e escadas de peixe, que além de possibilitar a navegação fluvial contribuem para a preservação das espécies animais ao longo das bacias hidrográficas.

No Brasil, o consumo de eletricidade continuará em ascensão por muito tempo (o consumo per capita é da ordem de 2,5 vezes menor que o observado na Itália) e para atendê-lo teremos que construir hidrelétricas sem represamento de água e utilizar termelétricas para manter o estoque regulador de água em nível que garanta a segurança de operação do sistema elétrico nacional.

A perspectiva de subida do preço ou exaustão do petróleo e do gás recomenda não ampliar muito o número de termelétricas a petróleo ou gás e programar a participação de energia nuclear na matriz energética brasileira (temos a sexta maior reserva de urânio do planeta).

Muito em breve, a queima de petróleo e gás em instalações termelétricas será a forma menos inteligente de utilização destes energéticos e a solução será construir centrais nucleares, para as quais possuímos a tecnologia e grandes reservas de combustível, complementando desta forma a hidroeletricidade, energia renovável que no Brasil é abundante, e usar petróleo e gás prioritariamente nos transportes, petroquímica, fabricação de adubos e aquecimento direto, aumentando assim a duração de nossas reservas.

Como autor do projeto de concepção das ultracentrífugas brasileiras, me inspirei e modifiquei o que imaginava ser as ultracentrífugas americanas, às quais nunca tive acesso; portanto, as nossas não são cópias de ultracentrífugas européias ou paquistanesas e delas provavelmente muito diferem.

O nosso programa de desenvolvimento teve início em 1979, realizamos a primeira operação de enriquecimento em setembro de 1982. Em 1987 o presidente Sarney anunciou o domínio do ciclo do combustível nuclear.

Em 1992 já trabalhávamos com ultracentrífugas que utilizavam cilindros rotativos de fibra de carbono fabricados com uma máquina, “filament wiring machine”, com controle analógico da marca Josef Bear. Nessa ocasião, apresentou-se o senhor Zelinger (e não o senhor Schaab como mencionado pela “Science”) vendendo um máquina equivalente, com controle numérico.

A compra foi efetuada usando o processo normal de importação para aquisição de uma máquina que pode também ser usada na fabricação de peças de fibra de carbono para a indústria aeronáutica e espacial, carros de corrida e barcos de competição. Posso garantir que não houve compra de projeto de ultracentrífugas, até mesmo porque já havíamos desenvolvido as nossas próprias e acreditamos que com tecnologia mais avançada.

O Brasil pretende usar energia nuclear apenas no motor dos seus submarinos para defesa, caso seja ameaçado e, necessariamente, na sua matriz energética para garantir sua autonomia e não ser preciso garantir pela força as suas fontes de suprimento como ocorre em outros países.

Se os jornalistas da revista “Science” conhecessem como o autor deste artigo a competência e a dedicação dos técnicos, engenheiros e cientistas brasileiros que trabalharam no desenvolvimento de usinas de enriquecimento de urânio, não teriam a mais longínqua dúvida sobre a autenticidade e a qualidade dos equipamentos aqui desenvolvidos, embora talvez não gostassem de constatar esta realidade.

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