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UE pode manter só 100 produtos sensíveis

A União Européia pode reduzir para 100 o número de produtos que serão classificados como sensíveis aos europeus nas negociações da Rodada Doha da Organização Mundial de Comércio (OMC). A redução foi admitida, ao Valor, pela comissária de Agricultura do bloco, Mariann Fischer Boel. “Quando você faz os cálculos e consegue uma resposta da máquina, você vê 200 produtos sensíveis. Mas se formos a cada linha tarifária diferente, nós presumimos que poderemos cortar dramaticamente esses números para metade”, explicou a comissária européia. Na semana passada, no encontro de Paris, a UE ainda insistiu em 200 produtos sensíveis.

Em entrevista em seu escritório em Bruxelas, sede da UE, a dinamarquesa Fischer Boel, 62 anos, ex-ministra da Agricultura de seu país, diz que está otimista com a Rodada Doha, da OMC. Ela acredita que a negociação pode ser finalizada antes da primavera no hemisfério norte, que começa em março, seguida de um período de implementação que terminaria em meados de 2007.

Mariann Fischer Boel confirmou oficialmente que a União Européia decidiu exportar 1,89 milhão de toneladas de açúcar a mais na safra 2005/2006. A quantidade é quase dez vezes maior que as 216 mil toneladas vendidas ao exterior em 2004 e mais que o dobro das 863 mil toneladas de 2003 e pode derrubar os preços no mercado mundial, prejudicando países produtores de açúcar como o Brasil. A decisão foi tomada na quinta-feira após reunião do comitê de açúcar da UE, que reúne representantes dos 25 países-membros e da Comissão Européia.

O Brasil argumenta que a UE está contrariando o determinado no comitê de arbitragem do açúcar, que considerou esse tipo de exportação ilegal e foi vencido pelo país na OMC em conjunto com Austrália e Tailândia. Para os juízes do comitê, esse açúcar é indiretamente subsidiado pela UE.

Valor: Os países-membros da OMC realizam um encontro crucial em dezembro na cidade de Hong Kong. Quais são as suas expectativas para essa reunião?

Mariann Fischer Boel: Acredito que todos os países esperavam chegar a uma aproximação das modalidades (a estrutura do acordo com a definição de fórmulas para reduzir as tarifas de importação) antes do verão (julho na Europa). Com certeza, isso nos teria deixado em uma situação mais confortável do que estamos agora, na qual qualquer um pode ver que o calendário é muito, muito apertado. E também estou certa que todos sabem que Genebra está trabalhando a todo vapor para fazer o que é possível. Haverá encontros, também a nível político, para ver quanto progresso pode ser feito. Eu ainda estou otimista, mas também realista quando ao limite de tempo antes de Hong Kong. Mas quando nos encontramos, sinto que os países estão comprometidos com o futuro das negociações.

Valor: Mas os Estados Unidos ainda não apresentaram sua proposta para reduzir o apoio interno a seus produtores. O que os europeus esperam dos americanos?

Fischer Boel: É óbvio que nós iremos nos mover nos três pilares da negociação (apoio doméstico, subsídio à exportação e acesso a mercado). Mas é claro que iremos nos mover em paralelo. Não é uma questão de um país ou uma região se mover e os outros não. E isso vale, obviamente, para todo mundo. Gostaria de ver movimentos em outras áreas além da agrícola, como serviços ou indústria. Acredito que a União Européia mostrou sua vontade para se mover em acesso a mercados e que todos contribuirão para que Hong Kong seja um sucesso.

Valor: A UE acaba de reformar sua Política Agrícola Comum (PAC), o que dá espaço ao bloco para reduzir o apoio doméstico. Qual será o tamanho do corte?

Fischer Boel: A reforma da PAC, acertada em 2003 e 2004, fez um grande progresso ao avançar na política agrícola européia, porque desconectou os pagamentos aos agricultores do volume produzido. Os agricultores podem agora produzir o que o mercado deseja e serem mais empreendedores. Acho que será muito útil. A PAC foi implementada em dez países-membros em janeiro e os demais seguirão em janeiro de 2006. Estou certa de que a produção de carne bovina, por exemplo, diminuirá quando a reforma estiver implementada. Por outro lado, a reforma deixou a UE em posição muito boa, considerando as expressivas reduções que fará na caixa amarela (subsídios que distorcem os preços mundiais) e também no apoio doméstico total, na caixa azul. Nós concordamos que a redução do apoio doméstico será feita em três níveis diferentes, com a UE realizando os cortes mais profundos. Mas ainda não temos números.

Valor: O G-20 propôs uma fórmula para reduzir tarifas agrícolas. Pode ser a base da discussão da OMC?

Fischer Boel: Nós já concordamos em utilizar a proposta do G-20 como base para futuras discussões. A União Européia de fato se moveu da fórmula da Rodada Uruguai para uma fórmula de corte linear na proposta do G-20. Demonstramos nossa boa-vontade e agora estamos tentando achar um meio do caminho para a proposta do G-20. Podemos ser mais ofensivos nas reduções se conseguirmos um desvio nas diferentes bandas.

Valor: Qual é a diferença entre essa proposta e a Rodada Uruguai, quando havia um corte mínimo e um corte médio, e os países aproveitaram para reduzir muito pouco as tarifas de alguns produtos?

Fischer Boel: A diferença entre os cortes na Rodada Uruguai era muito grande. Você podia de fato fazer as próprias escolhas. O que estamos pedindo é a possibilidade de, por exemplo, 10 pontos percentuais de diferença. A flexibilidade será limitada. Mas, dessa maneira, poderemos ser mais ofensivos nos cortes e limitar o número de produtos sensíveis.

Valor: A União Européia propôs no encontro de Paris que 200 produtos sejam considerados sensíveis. Não é muito?

Fischer Boel: Quando você faz os cálculos e consegue uma resposta da máquina, você vê 200 produtos sensíveis. Mas se formos a cada linha tarifária diferente, nós presumimos que poderemos cortar dramaticamente esses números para metade, cerca de 100 produtos. Então, teremos que decidir como tratar os produtos sensíveis.

Valor: A UE está pronta para eliminar os subsídios agrícolas? Quando? Alguns negociadores falam em cinco anos.

Fischer Boel: No framework (rascunho do acordo negociado em agosto de 2004), a UE se comprometeu a eliminar gradativamente os subsídios à exportação, sob a condição, é claro, que os Estados Unidos também acabassem com seus créditos à exportação, e também temos que estar atentos à ajuda alimentar e às companhias de comercialização estatal de Canadá e Austrália. Nós não atacamos a existência dessas empresas, mas se é um monopólio, não é transparente. Temos que ver os mesmos movimentos da UE em outras áreas.

Valor: A UE já decidiu qual deverá ser o volume de açúcar excedente que exportará este ano? A decisão está de acordo com o comitê de arbitragem do açúcar da OMC?

Fischer Boel: Nós decidimos exportar 1,89 milhões de toneladas. Normalmente, utilizamos esse mecanismo como uma ferramenta a cada dois anos. Temos um excesso de produção que podemos exportar sem subsídios. Acredito que estamos em uma situação positiva, porque os preços internacionais estão mais altos este ano que em 2004. Esperamos ter um período longo para mandar esse açúcar ao mercado mundial. Está claro que, se colocarmos 1,89 milhão de toneladas de uma vez, deprimiremos o mercado. Mas talvez não incomodaremos os preços. Normalmente, os períodos de implementação dos comitês de arbitragem são de 15 a 18 meses. É verdade que se trata de um volume maior de açúcar que em anos anteriores. A razão é porque, em 1º de maio do ano passado, dez novos países se tornaram membros da UE. Seus estoques de açúcar eram maiores do que nós esperávamos e agora estamos nessa situação. Estamos negociando uma nova reforma do açúcar, que significará que a UE no futuro está fora do mercado mundial. Logo, as quantidades que vendíamos para o mercado mundial poderão ser ocupadas, por exemplo, pelo Brasil. No futuro, essa reforma será muito importante para os grandes produtores de açúcar.

Valor: As negociações entre a União Européia e o Mercosul serão finalizadas antes ou depois da Rodada Doha?

Fischer Boel: Tivemos um encontro com os países do Mercosul em Bruxelas. Estamos olhando novamente para os dados e nos encontraremos de novo em março, preferencialmente depois da Rodada Doha. Espero que as negociações da Rodada estejam concluídas antes da primavera da próximo ano.

Valor: Não é uma perspectiva muito otimista?

Fischer Boel: O prazo expirará de fato em meados de 2007, mas também precisamos de um período de implementação (o acordo deve ser ratificado pelos países). Se houver vontade política, podemos terminar as negociações até a primavera.

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